«No regime político português o Presidente da República desempenha um papel que ultrapassa o do Chefe de Estado que simboliza a comunidade e unidade nacionais. O seu “poder moderador”, como cunhou Benjamin Constant, é ponto fulcral de equilíbrio no sistema. Equilíbrio entre os poderes independentes - executivo, legislativo e judicial; entre Governo e Oposição; entre os que actuam dentro das instituições e os que se sentem marginalizados, e, dentre estes, os motivados a “destruir o sistema”. (...)
O Presidente não governa, não legisla, não julga; não funda partidos, nem lidera partes para tentar governar o todo; não “refunda”, nem destrói o “sistema”.»
1. Poderia subscrever sem reservas este excerto do texto do atual ministro da Presidência, A. Leitão Amaro, no Expresso de sexta-feira, sobre o perfil do PR no sistema político nacional, que corresponde ao que eu mesmo tenho vindo a defender há muitos anos: um "quarto poder", sobreposto aos três poderes clássicos do Estado (legislativo, executivo e judicial), que exerce um "poder moderador", no sentido que lhe deu Constant há dois séculos, nomeadamente de garantia das "regras do jogo", mas que, embora dispondo das faculdades de veto e afins que a Constituição lhe confere, não põe em causa a independência dos demais poderes nem se intromete no seu exercício, sendo, por definição, um "poder neutro" na dialética entre o governo e a oposição.
Sendo certo que nem sempre esta perceção prevalece no discurso político entre nós - a começar pelo atual titular do cargo presidencial -, apraz sempre encontrar num responsável político este entendimento correto do nosso sistema político.
2. Como tenho defendido, este "poder moderador" presidencial, embora não sendo usual nos países de sistema de governo parlamentar, não é incompatível, muito menos contraditório, com ele, pois não conflitua com nenhum dos seus dois postulados: (i) a origem e a legitimidade parlamentar do Governo e (ii) a exclusiva responsabilidade política deste perante o parlamento.
Uma vez que entre nós, como diz o autor, o PR não governa (nem cogoverna), pois tal é do foro exclusivo do Governo, sob escrutínio político da AR, não faz sentido invocar a noção de "semipresidencialismo", pois ela só se justifica no caso de um poder executivo "dualista", em que o PR compartilha de algum modo do poder governamental, tendo no mínimo um poder de tutela sobre o Governo, por efeito de responsabilidade política deste perante o aquele -, o que não sucede em Portugal desde a revisão constitucional de 1982.
Não é por acaso que essa equívoca noção - aliás, ausente, como era de esperar, do texto acima transcrito -, esteja em processo de tendencial desuso no discurso político e no "comentariado". Não faz falta nenhuma!