segunda-feira, 7 de julho de 2025

Memórias acidentais (27): Luanda, 1991

 


1. Estas duas fotos da Galeria do Constitutionalismo Angolano, do Tribunal Constitucional, em Luanda, foram-me enviadas por uma amiga que recentemente por lá passou e são testemunho da minha intervenção (graciosa), junto com o meu colega e amigo J. J. Gomes Canotilho, na transição democrática angolana em 1991-92, encerrando o período da "democracia popular" e do monopólio político do MPLA, que durava desde a independência.

Apraz-me recordar esses dias intensos em Luanda, as sessões de trabalho na Assembleia, as reuniões com o partido, o decisivo encontro com o Presidente José Eduardo dos Santos e, à margem, o reencontro com antigos condiscípulos de Coimbra.

Não voltei a Luanda desde então nem revisitei os meus papéis relativos a essa missão, pelo que foi com alegria e alguma emoção que recebi estas fotos e recordei esse meu contributo pessoal para a história política e constitucional angolana.

2. Não foi o único processo de transição democrática em que participei por essa altura, valendo-me da minha própria experiência e da minha reflexão sobre a anterior transição democrático-constitucional em Portugal. 

No ano anterior tinha estado em Cabo Verde, no início do seu processo de transição, contribuindo para a revisão da Constituição e a elaboração das principais leis políticas (partidos políticos, eleições, etc.) e haveria de ir, pouco depois, à África do Sul, a um seminário de vários dias promovido pelo ANC sobre a futura Constituição democrática do País após o fim do regime do apartheid, que terminou com um jantar surpresa com o próprio Nelson Mandela (pouco antes libertado da sua prolongada prisão em Roben Island), um dos momentos mais emocionantes da minha vida política.

Além da satisfação pessoal pela minha contribuição para a fundação de regimes democráticos bem-sucedidos, que passaram o teste do tempo, foram especialmente gratificantes para mim os encontros com os líderes políticos, como Pedro Pires, José Eduardo e Nelson Mandela, cuja determinação foi decisiva para fazer avançar a complexa transição política em países sem nenhuma tradição nem cultura de democracia constitucional.

Adenda
Um leitor atento e informado nota que 1991 foi o ano de publicação da seminal obra de Samuel Huntington, "The Third Wave: Democratization in the Late Twentieth Century", justamente sobre o movimento de democratização no último quartel do século passado, iniciado em Portugal com a Revolução de 25 de Abril de 1974. Alegra-me ter dado uma pequena ajuda nos três países africanos que referi.

Adenda 2
Importa acrescentar que a minha intervenção em processos de edificação de democracias constitucionais não ficou por aqui, pois no final dessa década de 90 do século passado, como membro da "Comissão de Veneza" do Conselho da Europa, vim a participar também na transição democrática de alguns países do antigo bloco soviético, tendo-me deslocado, por exemplo, à Arménia