terça-feira, 12 de outubro de 2004

O drama de Darfur (2)



Campo de Iridimi, Abéché, no Chade. Refugiadas de Darfur no hospital de campanha dos "Médecins sans Frontieres", enfermaria das crianças mal-nutridas, dia 6/9/04. (Foto e legenda de Ana Gomes).
(Pode ver a foto em tamanho maior clicando sobre ela.)

O drama de Darfur (1)



Campo de Iridimi, Abéché, no Chade- refugiada de Darfur, dia 6/9/04. (Foto e legenda de Ana Gomes).
(Pode ver a foto em tamanho maior clicando sobre ela.)

Há alguma sinceridade nisso?

Entre as pérolas de duvidosa sinceridade da comunicação do primeiro-ministro de ontem consta a «não aceitação» da concentração dos meios de comunicação.
Primeira dúvida: sabendo-se que (i) a Constituição impõe expressamente medidas específicas contra essa concentração e que (ii) as leis gerais de defesa da concorrência podem não ser bastantes para a impedir (desde logo porque têm em conta somente o aspecto empresarial), será de esperar que este Governo faça aprovar um instrumento legislativo especialmente dedicado a esse objectivo?
Segunda dúvida: o Governo condiderará, ou não, uma operação de concentração inaceitável a falada aquisição da TVI pelo grupo de comunicação da PT, aliás notoriamente dominado hoje por personalidades do PSD, incluindo o inenarrável Luís Delgado?

segunda-feira, 11 de outubro de 2004

A demagogia do endividamento

O Primeiro-Ministro disse hoje que o endividamento dos portugueses tinha crescido de 40%, em 1996, para 100%, actualmente, passando as culpas, como em outras partes do discurso, para "o governo anterior a esta coligação". Esqueceu-se de duas coisas: primeiro, a taxa de endividamento ainda não parou de crescer, e os últimos 10% são já desta coligação e também do seu governo. Segundo, muitas das causas que explicam esse crescimento, com excepção da confiança dos consumidores que, de facto, foi profundamente afectada nos últimos dois anos, transcendem a vontade dos governos. Ignorância? Talvez não. Pura demagogia, dirigida a ignorantes. É mais fácil diabolizar do crédito, como nos velhos tempos, do que educar para o crédito, como o futuro exige.

A administração das empresas públicas

Que o problema da administração da TAP foi resolvido, parece que sim e ainda bem. Crédito legítimo para o Governo. E sobre vergonha que se passou com a saída da velha e a escolha da nova administração da CGD? Nem uma palavra, claro. Mas é sobre ela que ouço falar todos os dias. Com muita indignação. Parece que o Primeiro Ministro ainda não deu conta.

Sem escrúpulos

O primeiro-ministro decidiu anunciar publicamente fora da Assembleia da República algumas opções "populares" do orçamento para o próximo ano, a poucos dias da sua apresentação parlamentar. A troca do parlamento pela televisão é um dos sintomas mais claros dos governos populistas.
A transmissão da comunicação do primeiro-ministro foi incluída na íntegra nos telejornais nacionais. A instrumentalização dos meios de comunicação social pelo Governo, e em especial da televisão, é uma dos sintomas mais evidentes de manipulação política.
É demasiado notória a intenção de lançar poeira sobre o escândalo do "caso Marcelo", bem como de influenciar desde logo as eleições regionais, que se disputam no próximo domingo. Como era de esperar, o Governo Santana Lopes assume-se essencialmente como uma máquina de propaganda eleitoral. Sem escrúpulos democráticos.

A não perder...

... o texto de Eduardo Cintra Torres no Público de hoje, apropriadamente intitulado «A Brutalidade de um Governo Perigoso».
Só espíritos livres e destemidos podem emitir requisitórios assim! Espera-se o exercício do contraditório pelo Ministro-da-Contra-Informação-e-Assuntos-Correlativos...

A ruína de Nobre Guedes

«Eu acho que nem se deve discutir a área da ruína do Nobre Guedes [cfr.link para post sobre o assunto]. Discutir essa área é entrar no jogo dele. A questão que importa colocar é, como é que a ruína de um casebre, há muito desabitado e sem uso, pode dar lugar a uma moradia de segunda habitação?
Vejamos: o que a lei pretende é que não haja construções novas dentro do parque natural. Dentro desse espírito, a lei permite apenas a renovação de contruções existentes e ligadas a actividades existentes (morada de pessoas ou actividades agrícolas). O que Nobre Guedes (e outros) fizeram foi subverter o espírito e a intenção da lei para permitir a instalação de atividades NOVAS dentro do parque natural. Nomeadamente, a atividade "segunda habitação".
Toda a história da "ruína" é uma trafulhice vergonhosa, um engano à lei. Independentemente da área da ruína. (...)»

(Luís Lavoura)

A desbunda

Em comício eleitoral nos Açores (nada mais apropriado) o primeiro-ministro prometeu para 2005 nada menos do que o seguinte: aumento da remuneração dos funcionários públicos acima da inflação, aumento das pensões, diminuição do IRS, tudo isto mantendo o défice orçamental abaixo dos 3%!
Ou seja: o milagre das finanças públicas, segundo Santana Lopes. Em fuga para a frente, o Governo desencadeou a campanha eleitoral, para o que der e vier. Como era de esperar, começou a desbunda...

"O normal funcionamento do bazar em Cabul"

«1. No tempo dos taliban só havia uma mesquita; os muezzins clamavam em uníssono.
Depois surgiram novos minaretes, cada bazar com o seu; as vozes eram diversas. Quando um muezzin começou a incomodar o vizir, o bazar dispensou-o. O grão-muezzin garantiu solenemente que isto não mais se repetiria.
A censura ou o incómodo?

2. A liberdade de imprensa é um dos pilares da democracia; o lucro é o objectivo nuclear duma empresa privada.
O presidente de uma empresa privada de comunicação suspendeu uma coluna de opinião. Fê-lo, não por dar prejuizo (era um programa de enorme audiência e de grande prestígio) mas por esperar um lucro maior da sua supressão.
Se um poderoso gestor de uma televisão não hesitou em coarctar a liberdade de opinião de um dos mais presigiados comentadores portugueses (de quem era amigo) ao máximo lucro previsível para a sua próspera empresa, o que fará um gestor de um hospital SA face a um programa útil que não dê o rendimento (o lucro) desejado pela tutela?»

(HCM)

Marcelo

«(...)Esta intempestiva saída do Marcelo, sem explicações, da TVI é mesmo "gato escondido com o rabo de fora". Então querem que ele diga que se a incapacidade e incompetência dos Santanistas instalados, se não os apeiam rapidamente, lhe estragam o caminho para Belém? Cruzes canhoto!... Que o que o preocupa é Beléeeeeemmmmmmm.
(...) E deixem de fazer publicidade ao Marcelo. Que se lixe.»

(Elísio C)

domingo, 10 de outubro de 2004

A contagem decrescente começou...

Toda a gente nas Urgências a 5 dias da estreia.

Equívoco

A propósito do "caso Marcelo" não faltou quem viesse reclamar a dissolução do parlamento e a convocação antecipada de eleições invocando que está em causa o "regular funcionamento das instituições".
Ora, deixando de lado a questão de saber se se verifica actualmente essa situação -- o que francamente me parece um exagero... --, importa no entanto esclarecer que para antecipar eleições parlamentares, com prévia dissolução da AR, não é necessário que ocorra alteração do regular funcionamento das instituições. Esta condição é constitucionalmente necessária somente para demitir directamente o Governo (com ou sem convocação simultânea ou subsequente de eleições), pois se trata de uma situação excepcional. A dissolução da AR, essa, é um acto discricionário e relativamente livre do PR, bastando que este entenda ser necessário, por qualquer motivo relevante, renovar a representação parlamentar e proporcionar nova solução governativa (como poderia ter sido o caso em Julho passado).

A multiplicação das ruínas

Qual deus multiplicando pães, o agora ministro Nobre Guedes conseguiu multiplicar por quatro a área da ruína de um pequeno casebre, para poder construir ilegalmente uma vivenda no Parque Natural da Arrábida. Na sua carta ao Expresso de ontem ele apenas confirma que as únicas "provas" da maxi-ruína são declarações orquestradas em seu favor, sem base em qualquer auto ou medição oficial, sendo aliás totalmente inconsistentes com os vestígios visualmente documentados no terreno, como alguém se encarregou de provar facilmente (link). O ilegal e imoral "truque da ruína" de Guedes não pode permanecer impune...

Evitemos a confusão

Evitemos a confusão de planos na telenovela que por estes dias tem dominado a comunicação social. Uma coisa é o pluralismo de opiniões, favorecido pelo contraditório, não necessariamente simultâneo, mas pelo menos com audiência equivalente. Outra, bem diferente, é a pressão pública e/ou privada sobre um meio de comunicação social e/ou sobre um comentador ou jornalista para que modere ou altere as suas opiniões.
Foi pena que a primeira destas questões não tivesse sido discutida mais cedo e de outro modo, como por diversas vezes aqui mesmo no Causa Nossa foi sugerido.

sábado, 9 de outubro de 2004

Perguntas nocentes

1. Por que é que Marcelo R. de Sousa continua sem esclarecer pessoal e publicamente as razões da sua saída da TVI?
2. Se houve menção pública de pressões de "accionistas da TVI", por que é que se insiste em referir somente as prováveis (embora desmentidas) pressões do Governo sobre a estação de televisão, ilibando as invocadas (e não desmentidas) pressões do próprio grupo económico proprietário da estação?

«A aldeia»

Artigo de Vicente Jorge Silva com o título em epígrafe no Diário Económico (também no Aba da Causa: link aqui ao lado).

sexta-feira, 8 de outubro de 2004

Reformas & Reformas, Lda.

Eis uma breve reflexão, publicada no Jornal de Negócios de 7/10, sobre a veia reformista nacional.
Luís Nazaré

Perguntas nocentes

1. Se em vez da TVI fosse a RTP a pressionar um comentador político seu, qual não seria o coro contra os meios de comunicação públicos e sobre a incompatibilidade entre eles e a liberdade e o pluralismo de opinião? E agora que está em causa uma estação de televisão privada, ninguém questiona a incompatibilidade entre o poder económico e liberdade de opinião?

2. Depois de o PR ter ouvido Marcelo R. de Sousa, o Governo não vai exigir-lhe que oiça também a outra parte, ou seja, a TVI, à luz do "princípio do contraditório"?

3. À vista da rebelião de notáveis do PSD contra P.S. Lopes, como vai ser o anunciado Congresso partidário em Dezembro próximo?

4. Por que é que José Sócates não tem afinal de fazer nada para que o poder venha a cair de bandeja nas mãos do PS, especialmente se o PR não se precipitar a demitir Santana Lopes antes de ele ter rebentado com o PSD?

"Apagão" em hospitais

(...) Aproveito para partilhar consigo a minha absoluta indignação com isto: «"Apagão" nos Cuidados Intensivos de São José».
Eu próprio há alguns meses assisti a um caso em tudo idêntico na Sala de Reanimação da Urgência do Hospital de S. João no Porto, com um "blackout" de 15 minutos e também com necessidade de ventilação manual de emergência dos doentes. A situação, ao que me disseram na altura, estava longe de ser inédita no local!
Isto é no mínimo negligência criminosa.»

(T A Fernandes)

O verdadeiro plano de Israel

Os que, contra todos os indícios, quiseram ver na anunciada retirada israelita da Faixa de Gaza um passo no road map internacional para paz na Palestina e para a criação de um Estado palestiniano têm agora um desmentido categórico.
«The significance of the disengagement plan is the freezing of the peace process. And when you freeze that process, you prevent the establishment of a Palestinian state, and you prevent a discussion on the refugees, the borders and Jerusalem. Effectively, this whole package called the Palestinian state, with all that it entails, has been removed indefinitely from our agenda. And all this with authority and permission. All with a presidential blessing and the ratification of both houses of Congress [nos Estados Unidos].»
Estas declarações pertencem a um alto conselheiro do Primeiro-ministro israelita, Dov Weisglass, em entrevista ao jornal Haaretz (notícia via Le Monde, que fez manchete desta questão). A retirada de Gaza não passa portanto de um estratagema para abandonar de vez o plano de paz e liquidar o próprio conceito de Estado palestiniano.
Tudo evidentemente com a bênção dos Estados Unidos, como não podia deixar de ser.

Praxe (II)

«"O que é que me faz membro da mesma Universidade que os protagonistas desta cena de antanho?" [ver este post]
O que o faz é o mesmo que faz com que o "magnífico reitor" dessa sua universidade decida não agir contra os "estudantes" que impedem o acesso dos trabalhadores da universidade aos seus locais de trabalho.
O que o faz é o facto de o "magnífico reitor" e os corpos gerentes, em geral, dessa sua universidade dependerem do voto da corporação (chamada "associação") dos "estudantes" para se manterem no seu lugar.»

Dos Açores às fronteiras do Irão


(Origem: The Economist)

Passou praticamente sem comentário entre nós a decisão da Comissão Europeia relativa à abertura de negociações de adesão da Turquia à União Europeia, que deve ser secundada pelo Conselho Europeu em Dezembro próximo. Apesar das reservas e "caveats" da Comissão, é de admitir que a Turquia venha a ter finalmente luz verde, embora somente dentro de 10 anos ou mais.
Se entrar, além de um dos maiores países da UE a Turquia será provavelmente também o mais populoso, adquirindo o correspondente peso nas decisões dos órgãos comunitários. As fronteiras da Europa chegarão à Síria, ao Iraque e ao Irão. O centro de gravidade afastar-se-á ainda mais do extremo ocidente europeu em que nos situamos.
Nunca nenhuma adesão suscitou tantas reservas como esta, não somente pela dimensão, mas também pela pobreza do País, pelo risco de uma imigração maciça para o resto da UE e ainda pela duvidosa fiabilidade quanto à estabilidade da democracia, do Estado de Direito, do respeito dos direitos humanos e das minorias. Mesmo que os governos venham a dizer sim à adesão, como é provável, será necessário ganhar também as opiniões públicas nacionais, visto que a França já anunciou um referendo sobre a adesão turca (o que já tinha sido feito por de Gaulle em relação à entrada do Reino Unido...), sendo provável que outro tanto se verifique noutros Estados da UE.

quinta-feira, 7 de outubro de 2004

Socialistas portugueses no Parlamento Europeu

Quem queira seguir mais de perto as actividades dos deputados socialistas portugueses no Parlamento Europeu tem agora uma nova página na Internet (http://www.partido-socialista.net/main.php) com as informações actualizadas.
Para além de notícias breves sobre a agenda e os trabalhos do PE, a página disponibiliza o texto das intervenções e documentos efectuados por cada um dos deputados.
Na parte que me é destinada, passei a incluir também o Boletim - Parlamento Europeu, que procurarei publicar mensalmente - e já vai no segundo número. Trata-se de um Boletim que, como referi no primeiro exemplar "É também, para mim, uma forma de informar e prestar contas a muitos dos que me elegeram como Deputada do PS ao PE e de procurar inter-agir com todos os portugueses a quem eu possa ali ser útil. Este boletim é da minha exclusiva responsabilidade e não se destina a veicular uma visão abrangente de tudo o que se passa no PE, mas antes a sublinhar o que julgo mais relevante nas principais áreas em que intervenho".

Ana Gomes

Professor: 25 de Abril sempre!

Uma mensagem para o Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa:
em coerência com a luta que eu e outros travamos antes do 25 de Abril contra episódios deste género, tem o Senhor Professor Doutor, se o Dr. Balsemão não lhe tiver já escancarado as portas da SIC, o meu modesto espaço de blog à sua disposição. Mesmo, ou sobretudo, quando entenda criticar-me, como já sucedeu.
Com o maior carinho e admiração.
Ana Gomes

A República de Tanga

Na sequência da arcaicamente leninista intervenção do Ministro dos Assuntos Parlamentares da República de Tanga, Sr. Silva, à óbvia revelia do pensamento e acção do seu Primeiro Ministro (já se deixa ver...), o presidente da TVI, Sr. Amaral, em pose da mais consequente ortodoxia narco-colombiana, logrou conseguir o abandono de serviços por parte do nobilíssimo pregador dominical, Sr. Sousa.
Desta amálgama -- só resolúvel, nas suas consequências, por recurso aos mecanismos do Direito Internacional Privado -- sobram-nos diferentes certezas:
1) a de que, em desmentido de algumas infâmias avulsas, o poder político regula e controla efectivamente o poder económico na República;
2) a de que, embora sem o rasgo culturalmente imaginativo que assistia aos segundos, o Ministro Tangalês em causa exibiu completa assimilação dos ensinamentos de saudosos lusitanos que o precederam;
3) a de que, pelo seu lado, e demonstrando ter aprendido os manuais anti-terroristas da escola do Sr. Bush divulgados no seu País, o presidente da TVI abriu as Portas e cortou o mal pela raiz, ou seja o pio ao ilustre pregador dominical;
4) a de que, todos os principais protagonistas activos desta "história" mostraram ter em séria conta e consideração as justas advertências lançadas pelo Presidente da República de Tanga em discurso no passado dia 5.
Vivam as reformas necessárias!, nomeadamente as que importem à independência dos poderes político, económico e editorial!

Ana Gomes

Mal-entendidos

Rejeito a interpretação de que falar em "socranetes" implica "atacar as mulheres" e em especial as apoiantes da candidatura de José Socrates. Ele há mulheres que usam cabeça para pensar e outras que a usam para abanar em amens ao chefe... Tal qual como os homens. No PS e noutros partidos. Ou será que falar em "santanetes" implica reduzir todas as militantes do PSD a majoretes saltitantes? E representará então também "um ataque às mulheres" em geral?
Mas calma! Já conversei com a minha camarada Edite Estrela e estão esclarecidos os mal-entendidos.

Ana Gomes

La petite princesse

"- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.
- O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... - repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu tornas-te eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa.
- Eu sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, a fim de se lembrar."

(in O Principezinho, Saint-Exupery)
Estou acordado há 33 horas. Parece um número simbólico, não é? Esta noite, neste minuto, preferi o silêncio. Perdoa a minha quantidade enorme de dúvidas (tranquilas): não sei que textos leste exactamente, com que pseudónimo escreveste, que viagens imaginárias fazes nas tuas manhãs em branco. Não sei que versos te tocam mais, que imagens gravas no teu arquivo de felicidades. Hesito. Mas quero que todas as noites te tragam, nas entrelinhas do teu livro de cabeceira, a mesma certeza desta noite - da qual me faço mensageiro: algures num planeta de rosas, há uma língua estranha - mas melódica - com as palavras adequadas à nossa condição de vigilantes nocturnos das hesitações um do outro. E esse idioma sabe exactamente quantos caracteres são necessários para decifrar a minha ternura. O código é simples, mas o essencial é invisível. Não te esqueças desta noite. Relê sempre o teu livro. Não abandones a cabeceira. Aceita, na espera do planeta, um beijo em cantonês.

Vergonha

Já não sei bem em que país vivemos. Os episódios censórios dos últimos dois dias relembram-nos os piores tempos da nossa história recente. Desde o gonçalvismo que não havia memória de um intervencionismo tão descarado como aquele que a trupe do primeiro-ministro vem introduzindo na Comunicação Social. Marcelo é a última vítima, a TVI e o seu presidente os agentes classificados. Estejamos preparados para o que ainda está para vir, já que a desvergonha não conhece limites.

Luís Nazaré

Praxe

Universidade de Coimbra, Rua Larga. Grande ajuntamento e algazarra. Umas duas dezenas de estudantes em círculo, envergando o traje académico tradicional. No centro deles, meia dúzia de caloiros/as a serem "gozados" (termo da gíria praxista), vários deles em posições humilhantes, de joelhos ou "a quatro", o vestuário descomposto. Risadas, impropérios, berros para as vítimas. A assistir, grupos de turistas de passagem, entre a incompreensão e a perplexidade.
Lastimo os que não podem furtar-se a estes ritos propositadamente indignificantes. E pergunto-me sobre o que é que me faz membro da mesma Universidade que os protagonistas desta cena de antanho...