segunda-feira, 1 de novembro de 2004

A rotação sustentável

João Miranda no Blasfémias sustenta uma posição diferente da que exprimi no meu post «Até quando?». Estou de acordo com JM que a concorrência exige às empresas a constante introdução de novos produtos no mercado. Mas entendo que devemos reflectir sobre alguns dos efeitos que podem resultar desta exigência.
É certo que o ritmo da inovação é hoje muito mais rápido. E que é bom para todos nós que essa inovação chegue depressa ao mercado. Ora, a concorrência ajuda a que isso ocorra. Mas também sabemos que nem sempre os novos produtos trazem de facto grandes novidades. Muitas vezes são muito menos novos do que aquilo que parecem. Enfia-se-lhes outra roupagem, diferenciam-se artificialmente e convence-se o consumidor que o que tem em casa é já muito obsoleto. São estas falsas inovações que acho discutíveis (e talvez não sustentáveis) e não aquelas que trazem algum valor acrescentado.
Fica ainda por saber se, do ponto de vista ambiental, mesmo alguns dos ganhos obtidos com os novos electrodomésticos em poupança de água e de energia compensam o lixo que se provoca com uma rotação de equipamentos cada vez mais acelerada a que somos forçados e/ou sobretudo muito incentivados. À cautela, eu só troco quando é mesmo indispensável!

E se usássemos a imaginação?

Um comentário ao meu post Até quando?

A questão não é nova: já há mais de 20 anos me contaram alguns truques inventados por empresas "espertas" para vender mais: reduzir a vida dos produtos, alargar o orifício do tubo da pasta de dentes, etc.
Problemas estão aí para ser resolvidos. Este, por exemplo, está a pedir uma empresa especializada em sucata de electrodomésticos, usando a internet para vender as peças em toda a Europa.
E depois, às vezes há milagres. Quando residia em Estugarda, pediram-me para ir à sede da Siemens encomendar uma placa não-sei-quê para a central telefónica de uma empresa em Portugal. Na Siemens disseram-me que aquela peça já estava fora do mercado há anos, mas foram procurar aos monos do armazém e encontraram uma placa, que me deram de graça.


Helena Araújo
Weimar, Alemanha

Pois é. A questão não é nova. O problema é que não temos usado a imaginação para encontrar alternativas, como aquela que sugere, por exemplo.

Os tories votam Kerry

Afinal, a grande surpresa britânica sobre as eleições americanas não é a preferência (embora reservada e relutante) do «Financial Times» e do «Economist» por John Kerry. Uma sondagem publicada na bíblia do pensamento «tory» mais radical e snobe, o «Spectator», revela que 45 por cento do eleitorado conservador britânico votaria em Kerry e apenas 19 por cento em Bush. Curiosamente, os conservadores são ainda mais pró-Kerry (ou anti-Bush) do que os próprios trabalhistas (43 por cento a favor do candidato democrata e 21 por cento a favor do actual Presidente, o que parece reflectir as clivagens dentro do Labour e o peso das preferências de Blair relativamente a Bush por causa do envolvimento anglo-americano no Iraque).

Ainda mais esmagador, porém, é o resultado global da sondagem: apenas 11 por cento do eleitorado britânico e só 13 por cento dos membros do Parlamento votariam em Bush. Ora, sendo a Grã-Bretanha o mais incondicional aliado dos Estados Unidos e conhecendo-se o peso histórico dessa relação e da doutrina atlantista de que os dois países são máximos expoentes, os resultados da sondagem do insuspeitíssimo "Spectator" correspondem a um abalo sísmico, sejam quais forem os resultados da eleição presidencial de terça-feira. Em todo o caso, se Bush ganhar, como infelizmente parece mais provável, que futuro estará reservado às relações anglo-americanas (para não falar, claro, da Europa)?

Até quando?

A minha máquina de lavar louça tinha 20 anos. Parecia nova. Mas falhou uma peça no seu interior. Coisa pequena, uma simples racha, contudo suficiente para deixar sair a água.
«Não há mais peças, é muito antiga a sua máquina», foi o que me disseram quando a mandei arranjar. Mas está tão boa, respondi. «Bastante, é certo, porém a marca só assegura peças sobresselentes durante os 10 anos seguintes à saída do modelo», informaram-me.
E assim, por causa de uma pequena peça, a minha máquina viu-se de repente toda transformada em lixo. E lá comprei uma nova. Até quando aguentará o planeta esta economia orientada para o desperdício?

Sobre o dinheiro

No dia da poupança deveríamos aproveitar para falar mais sobre dinheiro. Se perdêssemos alguns dos complexos tão típicos da nossa cultura e religião na sua relação com o dinheiro («o dinheiro é sujo»; «o dinheiro não traz a felicidade»), talvez isso nos ajudasse a saber utilizá-lo de forma mais produtiva. Promover a educação financeira seria, aliás, bem mais útil para a sociedade e para a economia que a choradeira habitual sobre o excesso de endividamento.

O revés do PT

Na 2ª volta das eleições municipais brasileiras, o PT do Presidente de Lula da Silva sofre um considerável revés político nas grandes cidades. Entre outras, perde São Paulo e Porto Alegre (Rio Grande do Sul), bem como Belém do Pará. É derrotado também na disputa em Curitiba (Paraná) e em Santos (SP). Um balde de água fria, que esmorece o entusiasmo do triunfo na 1ª volta. O PSDB de Fernando Henriques Cardoso, que triunfa em São Paulo com José Serra (que perdeu a eleição presidencial para Lula), reforça o seu estatuto de grande rival nacional do PT. A vida política brasileira revela uma assinalável polarização nos dois partidos. O grande embate de 2006 (eleições presidenciais, governadores dos Estados, deputados federais e uma parte dos senadores) promete!

domingo, 31 de outubro de 2004

As razões do "Le Monde"

Excepcionalmente, o Le Monde toma posição nas eleiçõs presidenciais norte-americanas. Sem surpresa, por Kerry contra Bush. Na sua fundamentação o vespertino francês escreve:
«Car il s'agit bien d'un choix entre deux visions du monde et du droit. (...) La vision du président Bush est celle d'un pays en guerre, (...) une guerre si particulière qu'il faut lui sacrifier des règles de droit sur lesquelles est fondée la démocratie américaine, remplacer la tradition de transparence par l'opacité et la manipulation, et ignorer l'architecture internationale qui est au centre d'un consensus mondial depuis plus d'un demi-siècle.
John Kerry sait que le monde a changé le 11 septembre 2001. Mais il refuse de voir dans le terrorisme quelque force supérieure qui justifie une remise en cause des fondements de la démocratie américaine et de l'ordre international. (...)
Pour la marche du monde, une victoire de John Kerry est préférable le 2 novembre. Pour que l'Europe et les Etats-Unis aient une chance de prendre ensemble un nouveau départ. Et pour qu'à la Maison Blanche s'installe une équipe non plus guidée par le Bien et le Mal, mais par le droit et la justice
[Sublinhados acrescentados]

Fingimento

Imagine-se que o comissário europeu indigitado para a pasta da concorrência proclamava em plena audição parlamentar a sua convicção nas virtudes dos monopólios e dos cartéis. Ou que o comissário escolhido para o pelouro do alargamento manifestava as suas reservas à entrada de novos países, para preservar a coesão da UE. Obviamente teriam de ser afastados, por manifesta incompatibilidade com as suas funções. Seria perfeitamente ridículo que alguém viesse protestar contra uma pretensa violação do seu direito à opinião.
Ora é a esse ridículo que se submetem aqueles que contestam o afastamento de Rocco Buttiglione, que estava indicado para a pasta da Justiça e que defendeu posições claramente discriminatórias por causa de orientação sexual ou entre homens e mulheres na família, em flagrante violação da Carta de Direitos Fundamentais da UE. Os comentadores que continuam a bater a tecla do "saneamento ideológico" do ex-comissário fingem não ver que o que está em causa é uma questão de incompatibilidade política entre as suas posições e o cargo para que Barroso o tinha (mal) indicado.

Vantagem à esquerda

A sondagem de opinião publicada ontem no Expresso sobre o posicionamento político dos portugueses -- somente os quadros estão disponíveis na edição online -- reitera três características relativamente constantes do panorama político nacional desde a consolidação da democracia no nosso País:
a) Uma esmagadora maioria de portugueses adultos (quase 90%) continuam a auto-identificar-se politicamente de acordo com a tradicional "grelha" gradativa esquerda/centro-esquerda/centro-direita/direita (embora uma pequena percentagem admita oscilar entre o centro-esquerda e o centro-direita), contrariando os que, como recentemente J. Pacheco Pereira, no Público, defendem a perda de interesse da contraposição esquerda/direita como instrumento de identificação e de análise política;
b) O conjunto esquerda/centro-esquerda recolhe uma sensível vantagem sobre o conjunto centro-direita/direita, confirmando a existência de uma "maioria sociológica" à esquerda, que anteriores estudos de opinião tinham revelado, a qual neste momento deve aparecer mais reforçada pelo mau estado do actual governo de direita na opinião pública;
c) O quadrante do centro-esquerda supera em muito o quadrante da esquerda (29% contra 19%), o mesmo sucedendo na comparação do centro-direita com a direita (26% contra 15%), o que confirma o predomínio das posições de esquerda moderada e de direita moderada.
Deste modo, em condições normais a chave dos resultados das diversas eleições está essencialmente na opção conjuntural dos eleitores que não se identificam nem à esquerda nem à direita (11%) e daqueles que admitem oscilar entre o centro-esquerda e o centro-direita (cerca de 7%), bem como nas diferentes taxas de abstenção em cada um dos quadrantes.

Contraditório sobre o Protocolo de Quioto

«(...) O efeito de estufa e o correspondente efeito de aquecimento global não se devem unicamente ao dióxido de carbono e a outros gases resultantes da queima de combustíveis fósseis nas centrais térmicas. Um contributo muito importante provém da poluição provocada por partículas microscópicas de fuligem, suspensas na atmosfera, as quais, além do mal que fazem aos pulmões, revelam também um efeito de estufa considerável.
Muitas dessas partículas são emitidas pelos motores diesel que equipam automóveis e camiões e que não dispõem dos relativamente eficazes dispositivos de retenção que se encontram nas centrais térmicas. Se conseguíssemos acabar com a poluição provocada pelas partículas de fuligem na atmosfera, cerca de metade do efeito de estufa seria atenuado e o Protocolo de Kyoto perderia impacte. (...) Para além disto tudo, muito do que se tem escrito acerca do aquecimento global é pura fraude, de pseudo-cientistas, abrigados no IPCC, no Greenpeace e noutras organizações com forte poder mediático, que massacram o público com alarmismos injustificados, com o propósito, fácil de adivinhar, de se manterem na ribalta e de recolherem os vastos fundos que os governos, à cautela e com receio da opinião publicada, lhes põem à disposição.
Na verdade, o principal factor de alteração climática na Terra continua a ser o Sol e as variações da respectiva radiação. (...)»

(Jorge Oliveira, Engenheiro electrotécnico)

sábado, 30 de outubro de 2004

Gente perigosa

Nem o ex-director do "Diário de Notícias", Fernando Lima -- que foi o último a saber, por notícia pública, que ia ser despedido -- nem a escritora Clara Ferreira Alves -- de cuja nomeação para o mesmo lugar o "Expresso" ficou a saber por «fontes governamentais» -- merecem o vexame de que foram vítimas. Manifestamente esta parceria PT-PSD que manda no Lusomundo não tem escrúpulos na desconsideração das pessoas. Esta gente não é confiável!

Já não podem passar um sem o outro

Segundo o "Público", com a sua ameaça televisiva de fazer novos atentados terroristas nos Estados Unidos Bin Laden «entra na campanha americana contra Bush». Mas parece-me evidente que este só pode agradecer a ameaça, que dá razão à sua campanha de medo e de segurança. Um excelente apoio nas vésperas das eleições. Por outro lado, como mostra a situação no Iraque, a política de Bush só tem reforçado o apoio da Al-Qaeda no mundo árabe.
Verdadeiramente já não podem passar um sem o outro...

Afinal o problema não era somente português

Logo após a assinatura do Tratado constitucional da UE Jacques Chirac anunciou que o Conselho Constitucional francês irá ser chamado a pronunciar-se sobre se a Constituição francesa precisa de ser revista para que a Constituição europeia possa ser ratificada pela França. Entrevistado pelo Le Monde sobre os aspectos que podem suscitar problemas constitucionais, o constitucionalista Olivier Duhamel, que também foi membro da Convenção constitucional europeia, menciona especialmente a primazia do direito comunitário sobre o direito interno (incluindo as constituições nacionais), que agora consta explicitamente no Tratado constitucional europeu (embora já decorresse desde há muito da jurisprudência do Tribunal de Justiça europeu).
Como se sabe, foi essa uma das razões que entre nós justificou a revisão constitucional no primeiro semestre do corrente ano, introduzindo na CRP o referido princípio da primazia do direito comunitário. Desse modo, Portugal removeu oportunamente os obstáculos constitucionais que poderiam impedir a aprovação da Constituição europeia. Pelos vistos outros países só agora vão resolver tal problema.

Qualidade de vida a termo certo

«O Departamento de Ambiente e Qualidade de Vida da Câmara Municipal de Coimbra pôs a concurso dois lugares de coveiro com contrato de trabalho "a termo certo", pelo prazo de seis meses. Excelente termo para este tipo de tarefa.
É requisito obrigatório ter a escolaridade obrigatória. Dá-se preferência a quem tenha experiência profissional no desempenho efectivo de funções na área para que é aberto o concurso. Sublinha-se que é preciso ter desempenhado tais funções; não basta ter formação.
Haverá avaliação curricular e entrevista profissional em data a anunciar; não está indicado o horário, mas é de presumir seja pelas horas da morte. Da grelha da análise curricular constará seguramente um item sobre a satisfação dos utentes -- os candidatos terão 3 dias úteis para o fazer, dado ser esse o prazo de candidatura ("3 dias úteis contados da data de publicação do presente aviso"). R.I.P.»

(Carolina e HC Mota)

Até o Economist!

Era o que faltava na imprensa europeia de referência contra Bush. Depois do apoio do Finantial Times à candidatura de Kerry, até esse baluarte conservador que é o The Economist britânico apela aos seus eleitores norte-americanos (quase meio milhão de exemplares vendidos nos Estados Unidos) que impeçam um novo mandato de Bush votando em John Kerry. A mensagem do editorial desta semana é:
«(...) as Mr Bush has often said, there is a need in life for accountability. He has refused to impose it himself, and so voters should, in our view, impose it on him, given a viable alternative. John Kerry, for all the doubts about him, would be in a better position to carry on with America's great tasks.»
Esta tomada de posição é tanto mais importante quanto é certo que o semanário apoiou Bush há quatro anos, bem como a guerra no Iraque. Mas agora, embora sem excessivo entusiasmo em relação a Kerry, não conseguiu ignorar a incompetência de Bush na ocupação do Iraque nem as maciças violações dos direitos humanos em Guantánamo e em Abu Grahib, que mancham a autoridade moral dos Estados Unidos. A opção era inevitável:
«With a heavy heart, we think American readers should vote for John Kerry on November 2nd».
Mais um golpe profundo na credibilidade europeia do actual inquilino da Casa Branca.

PS - Em contrapartida, como informa o Expresso Online, o grande capital financeiro e industrial suíço com interesses nos Estados Unidos financia generosamente a campanha de Bush. São racionais: as políticas de Bush favorecem fortemente os seus interesses, designadamente pela redução dos impostos dos mais ricos.

sexta-feira, 29 de outubro de 2004

Medo e liberdade ...

... na América e em Portugal, eis o tema da coluna de Vicente Jorge Silva no Diário Económico de hoje (também recolhido no Aba da Causa, com link aqui ao lado).

Uma experiência com futuro

Microcrédito, uma experiência com futuro é o título da conferência que a Associação Nacional do Direito ao Crédito (ANDC) organiza nos próximos dias 5 e 6 de Novembro, na Fundação Calouste Gulbenkian. Lá se discutirá a experiência do microcrédito no combate à pobreza e ao desemprego, mas não só. Empresários que começaram como micro-empresários e que gerem hoje empresas de sucesso, a nível internacional, como a Critical Software, uma empresa incubada no Instituto Pedro Nunes da Universidade de Coimbra, relatarão também a sua experiência. David Storey, director do Small Business Centre da Universidade de Warwick e consultor da OCDE, estará entre os conferencistas. Um excelente programa que se anuncia para esta iniciativa de Manuel Brandão Alves, que a organizou, e de Jorge Wemans, que preside à ANDC.

Roma II

Quase meio século depois do Tratado que criou a CEE, é assinado hoje o Tratado que aprova a Constituição Europeia. Na mesma cidade e no mesmo local. Os protagonistas são muitos mais (25 em vez de 6). O mercado comum, que era o objectivo principal em 1957, deu lugar a uma União Europeia com múltiplas atribuições, incluindo relações externas e defesa. De uma associação de Estados nasceu depois uma comunidade de cidadãos europeus.
Roma testemunha de novo a realização da história da integração europeia.

Capataz ou Presidente?

É curioso como alguns nos nossos media, em assomo nacional-servilista, querem ver «visão estratégica» onde a gestão de Durão Barroso falhou, «triunfo» onde há derrota de um estilo confrontacional, «iniciativa» por quem revela não ter verdadeiro poder, nem autonomia - nem parece ter ganas para os conquistar. Porque o episódio não engrandece, antes volta a revelar as dificuldades de Barroso em gerir crises (um jornalista estrangeiro dizia-me como já as tinha percebido perante o distanciamento dele no auge da «época» dos fogos em 2003...). E aqui está uma das diferenças entre Barroso e um Delors (a outra, inter-ligada, vai aos princípios - alguém imagina Delors a tolerar desafios provocatórios a valores fundamentais por um qualquer «glione»?). Nesta diferença reside o que, em última análise, faz uma Comissão forte ou fraca: a qualidade da liderança.
Não é o PE, nem são realmente os governos representados no Conselho, quem determina se a Comissão é fraca ou forte, como pretendem todos aqueles que, desconcertados ou despeitados, se desforram em acusações ao PE, por estar pronto a exercer o poder democrático que lhe foi conferido (e afinal, nem precisou de votar...). Não por acaso, são exactamente os mesmos que habitualmente desvalorizam o PE, acusando-o de inútil, incapaz de se impor, de falta de representatividade, de «défice democrático», falta de iniciativa legislativa (como se dependesse apenas do próprio PE), etc.... Como José Manuel Fernandes, no PÚBLICO de ontem (concordo inteiramente com a crítica que Vital Moreira lhe faz no post «ENFRAQUECIMENTO DA COMISSAO?» ).
JMF tem, porém, razão num ponto: na constatação de que os actuais governos europeus não querem uma Comissão forte. Em especial os governos dos grandes países (e basta ver como a imprensa francesa e alemã se atiram como gato a bofe ao Presidente Barroso, vingando-se das afrontas que ele terá infligido àqueles países ao atribuir pastas «menores» aos seus comissários). Esses governos - e o britânico - só queriam um capataz para o seu «directório» - e por isso foram buscar um PM a um país médio, um país a afundar-se por uma governação desastrosa, cada vez mais a divergir dos parceiros europeus. Um PM fresquinho de uma clamorosa derrota nas urnas. Ele fingiu não perceber, achou-se durão, julgou calar críticos arranjando oito mulheres, oito, (mas, tal como os homens, convém ver que mulheres) e distribuiu pastas judiciosamente, pensando arreliar os grandes «ma non troppo». Mas bastou atravessar-se-lhe na frente um irritante «glione», para perder o jogo de cintura, escorregar .... e borregar (na óptica dos «gliones»).
O Presidente da Comissão José Manuel Barroso não está em causa - ainda. E eu espero que não venha a estar. Pela Europa e por Portugal, evidentemente. Mas para isso ele tem de ter aprendido a lição. Tem de aproveitar a oportunidade de recompor a proposta de Comissão mostrando firmeza e exigência junto dos governos que o designaram, mostrando que quer ser Presidente a sério e não mero capataz do pretendido «directório». E para isso precisa de se apoiar no PE e na legitimidade reforçada que só o PE lhe pode conferir e à Comissão. Porque é também disso que depende termos a Comissão forte de que a Europa precisa.
E o PE é a primeira instituição a querer uma Comissão forte. Como bem disse a Barroso o líder dos Liberais-Democratas Graham Watson: «se quer ter uma Comissão respeitada pelos governos, respeite e apoie-se no PE. Porque se eles não respeitarem o PE, ainda menos vão respeitar a sua Comissão».

Ana Gomes

A inteligência de sobreviver

Qualificar de "inteligente" o volte-face que o Presidente Barroso operou diante do PE ontem só sublinha a "burrice" da inflexibilidade anterior. Porque recuar "in extremis", mais do que da inteligência, releva do instinto de sobrevivência. Que Durão Barroso tem, tão ou mais aguçado do que a inquestionável inteligência. O que lhe falta é coragem para romper a tempo com situações em apodrecimento (como aquela em que se - e nos - atascou na governação em Portugal): fugas "in extremis" nunca são a melhor solução, sejam para a frente ou para trás.
E esta (mais uma) que acabou ontem por operar no PE, a inteligência de Durão Barroso já lha soprava antes: foi o que ele admitiu quando confessou diante do Grupo dos Liberais do PE, na noite de 26, que tinha já tentado livrar-se de Buttiglione, mas Berlusconi resistia... O que constituiu uma dramática confissão de impotência, além da tal falta de coragem: bastava tê-lo já dito publicamente, que as pressões sobre Berlusconi de outros governos europeus e também internas (até Gianfranco Fini logo se mobilizou...) se teriam exercido, como agora se vão inevitavelmente exercer, para mandar Buttiglione para outras paragens.
Se Durão Barroso tivesse tido a coragem de anunciar ao PE durante o dia 26 (ou mesmo na manhã de dia 27) que, depois de escutados os grupos parlamentares, tinha decidido pedir a Berlusconi que substituisse Buttiglione, o ambiente no PE teria mudado radicalmente: o abcesso desincharia de imediato e, de caminho, até "salvaria" outros problemáticos comissários-indigitados, como as Sras. Kroes, Udre, Fisher-Boels e os Srs. Kovaks e Dimas. Para os Liberais-Democratas, determinantes na contagem que fez recuar Barroso, Buttiglione era "o problema". Os sinais estavam dados pelo PE desde 11 de Outubro, data do chumbo de Buttiglione por uma das Comissões que o audicionara. E Barroso não os soube ouvir ou não os quis ouvir. O que não é novo - também não ouvia a oposição em Portugal.

Ana Gomes

Há momentos de sinceridade assim


(Mapa petrolífero do Iraque)

Numa entrevista do Diário Económico de ontem com Severin Borenstein, Director do Instituto de Energia da Universidade da Califórnia, pode ler-se:

«O petróleo esteve no centro [da decisão norte-americana de invadir o Iraque], não para benefício exclusivo das companhias americanas, mas para alimentar o mercado mundial de petróleo, incluindo o dos Estados Unidos. Não acho que Bush tenha sido pressionado pelo sector petrolífero para invadir o Iraque e até podemos argumentar que essas mesmas empresas estariam hoje melhor se a ofensiva não tivesse tido lugar. Só que muito americanos, incluindo o Presidente, acreditam ter direito a gasolina barata e querem manter o fluxo de petróleo a baixo preço. Nesse sentido, Saddam Hussein era uma ameaça e foi uma das razões para invadirmos o Iraque
Afinal foi mesmo uma "guerra pelo petróleo". Há momentos de sinceridade assim...

Obrigação de contraditório

Depois de, através do Ministro Gomes da Silva, ter atacado publicamente Marcelo Rebelo de Sousa por este manter um comentário televisivo "sem contraditório", o Governo recusa-se agora a comentar as gravíssimas declarações do mesmo comentador perante a Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS), onde revelou que a TVI o pressionou directamente para deixar de criticar o Governo e acusou este de ter pressionado directa ou indirectamente a TVI para esse efeito.
Afinal, o contraditório é só quando convém? Só que agora, em vez do direito ao contraditório que antes infundadamente reclamou, o Governo tem uma obrigação de contraditório. O que está em causa é demasiado grave para permitir a fuga pelo silêncio. "Prima facie", a acusação do comentador ao Governo faz todo o sentido, dada a sucessão dos dois acontecimentos. Por isso, politicamente, cabe agora ao Governo o ónus da refutação. Se este não desmente convincentemente a referida acusação, deixando validar a convicção da sua veracidade, não pode ficar impune. É isso a responsabilidade democrática.

PS - Sendo de presumir que Marcelo R. de Sousa, quando foi chamado a Belém, revelou ao Presidente República tudo o que agora disse à AACS, é caso para perguntar se Sampaio tem dormido sem pesadelos desde então...

quinta-feira, 28 de outubro de 2004

Microcrédito, macro-realizações

E se além da liberdade de criar empresas houvesse também um direito de iniciar uma actividade por conta própria mesmo para quem não tem os necessários recursos financeiros? Tal é o objecto do meu artigo de hoje no Diário Económico sobre o direito ao crédito e o microcrédito (reproduzido também no Aba da Causa, acessível no link aqui ao lado na coluna da direita).

A maioria perdeu a vergonha

A recusa da maioria PSD/PP em admitir a presença de Marcelo Rebelo de Sousa em audição parlamentar -- idêntica àquela a que compareceu o presidente da TVI, Pais do Amaral -- constitui uma vergonha para a Assembleia da República e uma afronta ao regular funcionamento das instituições democráticas. Depois de tanto se ter criticado a fórmula das intervenções televisivas de Marcelo, invocando a ausência de contraditório, esta atitude releva a hipocrisia e a má-fé da maioria. A maioria perdeu a vergonha -- e já nem cora por causa disso.

Confesso, porém, não ter ficado surpreendido com esta nova subversão da ética parlamentar. Em mais de dois anos e meio como deputado cheguei à triste conclusão que maioria não é rigorosamente sinónimo de democracia e pode mesmo ser o seu contrário: a ditadura arbitrária e intolerável de uma maioria sobre os direitos das minorias e violando o princípio fundamental do contraditório e do debate democrático (e esse é bem mais obrigatório no parlamento do que em programas televisivos).

As regras elementares de equidade e civilidade democrática que deveriam inspirar o funcionamento do parlamento são sistematicamente torpedeadas, sempre que a maioria não tem previamente assegurado um desfecho favorável às suas posições (ou receia vê-las postas em causa). Não lhe basta ser maioria. Tem de silenciar as vozes dissonantes com o coro acrítico de rebanho dócil pelo qual afina. Mesmo quando essas vozes, como é o caso de Marcelo, provêm do seu próprio campo (ou precisamente por causa disso...).

Se tudo isto não deveria incomodar o Presidente da República enquanto garante do regular funcionamento das instituições e guardião supremo dos direitos, liberdades e garantias constitucionais, então o que é que o incomoda?

Vicente Jorge Silva

Nada de novo na frente mediática

Para uma reflexão fria sobre o negócio dos media, hoje no Jornal de Negócios (artigo reproduzido também no Aba da Causa, cujo link se encontra aqui ao lado na coluna da direita).

Luís Nazaré

Enfraquecimento da Comissão?

Discordo do argumento de José Manuel Fernandes hoje no Público, vendo no chumbo da equipa de Barroso perante o Parlamento Europeu um sinal de debilitação da Comissão no sistema de governo da UE, enfraquecimento que só pode ser prejudicial para a UE e para os pequenos e médios Estados-membros como Portugal.
Hoje o principal perigo para a Comissão vem da tendência intergovernamentalista em curso e do reforço dos poderes do Conselho, onde os governos dos grandes Estados-membros têm um peso político acrescido (dado o sistema de voto ponderado e a votação por maioria), ao contrário da Comissão, onde o peso dos Estados é igual. Por isso uma efectiva aprovação política da Comissão pelo Parlamento só robustece a sua posição perante os governos nacionais e o Conselho, de duas maneiras: (i) mostra aos governos que não podem nomear para a Comissão quem eles quiserem e ao presidente da Comissão por eles nomeado que não pode formar livremente a equipa; (ii) empresta à Comissão uma legitimidade e uma força política acrescida em face do Conselho, já que ela lhe pode contrapor o apoio expresso do Parlamento europeu, o único órgão directamente eleito. O pior que poderia suceder à UE, em termos de legitimidade das suas instituições, era ter uma Comissão "empalmada" pelo Conselho e "imposta" ao PE, e um parlamento desprovido de poder, apesar de directamente eleito.

PS - Para desqualificar a oposição do PE em relação a Buttiglione, JMF lembrou-se de ir buscar um escabroso texto de juventude do deputado europeu Daniel Cohn-Bendit. Ora sucede que, ao contrário do italiano, Cohn-Bendit enjeitou oportunamente esse triste episódio da sua biografia, velho de décadas, e não é candidato ao posto de comissário da Justiça, mas sim deputado. Seria admissível, por exemplo, que alguém fosse buscar as declarações ou atitudes de Barroso enquanto jovem maoista como argumento para o rejeitar como Presidente da Comissão?

A razão conta

Um estudo de opinião do Pew Research Center sobre as eleições presidenciais nos Estados Unidos relata que mais de metade dos eleitores que há um mês estavam indecisos tomaram entretanto uma decisão e que entre estes se verifica uma clara vantagem de Kerry sobre Bush. A principal razão invocada pelos eleitores para a preferência do candidato democrata refere-se aos debates entre os dois candidatos, que Kerry venceu. Eis uma explicação para o desvanecimento da nítida vantagem que Bush tinha nas sondagens eleitorais, sendo hoje imprevisível o resultado de 2 de Novembro.

USA: «A negação da dignidade humana»

No seu extenso relatório sobre as violações de direitos humanos na "guerra ao terror" a Amnistia Internacional descreve pormenorizadamente como os Estados Unidos «falharam em respeitar as garantias básicas dos direitos humanos, abrindo a porta à tortura e aos maus tratos», desde Guantánamo ao Afeganistão, passando obviamente pelo Iraque. A Amnistia reclama a realização de um inquérito independente a todas essas situações.
Publicado a alguns dias apenas das eleições presidenciais norte-americanas, o relatório da prestigiada organização é um poderoso libelo contra as intoleráveis violações dos direitos humanos por que é responsável a América de Bush.

Rua da Judiaria

Primeiro aniversário do Rua da Judiaria, de Nuno Guerreiro. Um primor de design ao serviço de uma fina erudição e sensibilidade judaica. Parabéns!

«Cavaco anti-santana»

É assim que o Expresso online vê as declarações de Cavaco Silva sobre os perigos do regresso da indisciplina nas finanças públicas. Na verdade, o sério alerta do antigo primeiro-ministro, embora sem destinatário identificado, visa obviamente a inflexão de política orçamental do Governo Santana Lopes, já posta ao serviço do ciclo eleitoral do final da legislatura. A crítica é ainda mais digna de registo tendo em conta que se Cavaco quiser ser candidato às eleições presidenciais ele precisa obviamente do apoio oficial do PSD.