sexta-feira, 8 de abril de 2005

Delivering the goods

O Governo Sócrates começa a dar conta do seu programa de governo. Acaba de ser aprovada a proposta de lei para a limitação do tempo de exercício consecutivo de mandatos executivos, com um máximo de 12 anos. A proposta abrange todos chefes dos órgãos políticos executivos, desde os presidentes de junta de freguesia até ao primeiro-ministro. Mas deixa de fora os demais membros de tais órgãos (por exemplo, vereadores ou ministros) e, na falta de norma em contrário, o tempo só começará a contar a partir da nova lei (por isso, em termos jurídicos, diferentemente do que alguns concluíram inadvertidamente, Alberto João Jardim ainda terá mais 12 anos disponíveis, se não tiver vergonha nenhuma...). Mesmo assim, um grande passo na melhoria das regras democráticas entre nós.

Crassa ignorância

Segundo o seu "testamento", o papa João Paulo II terá considerado em certa altura a hipótese de renunciar. Recorreu a uma frase bíblica (cântico de Simeão), que reza assim: «Nunc dimittis servum tuum, Domine (...) in pace»Agora, Senhor, deixa partir este teu servo em paz»]. Pois um ignorante locutor de uma televisão nacional traduziu essa frase por «Nunca te demitas»! É evidente, não é? "Nunc" só poderia significar "nunca"! Pois não é verdade que o Português veio do Latim!?

Homenagem

Alocução de Raimundo Narciso na homenagem a José Barros Moura. Uma justa evocação.

Caderno de reclamações

Local: o esquálido apeadeiro ferroviário que dá pelo nome de "Coimbra B" (ou seja, a estação principal de Coimbra). Hora: meio-dia de ontem, 5ª feira. Dois quiosques: ambos fechados! Impossível adquirir um jornal.
Das duas, uma: ou a Refer não cuidou do horário do funcionamento dos quiosques quando os concessionou, ou então não fiscaliza o seu cumprimeto. Em qualquer caso é ela a responsável pela inaceitável situação.

Viva o SNS!

Segundo os números ontem divulgados, o número anual de mortes maternas em Portugal baixou de 43 por 100 mil nados-vivos em 1975 para apenas 6 em 2002; e em 2003 a taxa de mortalidade infantil caiu para 4,1 por cada mil nados-vivos. É evidente a substancial melhoria dos indicadores de saúde materno-infantil.
Um inegável êxito do Serviço Nacional de Saúde.

Respeitoso pedido

Enquanto Israel continua provocatoriamente a expandir os colonatos judaicos nos territórios ocupados, expressamante proibidos no "roteiro para a paz" que os Estados Unidos dizem apoiar, Bush diz que vai "pedir o fim da expansão dos colonatos" antes de um encontro com Sharon marcado para daqui a dias, como informa a imprensa de ontem. Não seria mais decente exigir em vez de pedir e ameaçar com a redução da maciça ajuda norte-americana a Israel, se a amplição dos colonatos persistir?
Tudo o resto é pura má-fé negocial de ambos.

quinta-feira, 7 de abril de 2005

Governadores civis

Concordo com o artigo de Luís Costa hoje no Público (indisponível online salvo para assinantes), sobre o mau indício que é a manutenção dos governadores civis, sob o ponto de vista da racionalidade da administração territorial do Estado.
Mas é preciso ir mais longe. Se se trata de fazer assentar a administração regional do Estado sobre as cinco NUTEs II, então não basta extinguir os governadores civis. É necessário extinguir também os distritos, ou pelo menos fazê-los alinhar com as fronteiras das cinco regiões.

A missão e a remuneração

O Jornal de Negócios de hoje revela que os administradores do BCP gozam de vencimentos muito mais elevados do que os dos demais bancos.
Porém, nenhuma recompensa é excessiva para os obreiros de Deus.

Bode expiatório

Como se já não bastasse o perigo das deslocalizações de empresas (e de empregos), nem a invasão dos têxteis chineses, nem o receio da invasão de produtos chineses, nem os fantasmas gerados pela "directiva Bolkestein", surgem agora as pouco animadoras previsões económicas da Comissão Europeia para o ano corrente (revisão do crescimento em baixa, aumento do desemprego, etc.). Tudo junto, eis uma mistura altamente ameaçadora para o sucesso dos referendos sobre a Constituição europeia, pelo menos em França (mas um "não" francês é só por si fatal).
A Constituição não é seguramente responsável por nada disso; pelo contrário, poderia ajudar a superar as dificuldades europeias. Mas o mal-estar económico e social pode gerar ressentimentos contra o "suspeito" mais à vista e mais à mão. O principal perigo dos referendos consiste justamente na sua utilização para votar coisas diferentes das que nele estão em causa.
Não é este evidentemente o clima mais propício para "vender" mais integração europeia. A Constituição europeia pode ser vítima simplesmente do "timing" errado.

Mudança de nome

Por que não RTPia?

Encruzilhada

A encruzilhada da economia portuguesa (e alguma da europeia) vista pela Autoeuropa. Aqui ao lado, como habitualmente, no Aba da Causa.

quarta-feira, 6 de abril de 2005

Esquerda e direita

Não, Paulo Pinto de Mascarenhas, longe de mim pensar que tenha desaparecido a distinção entre a esquerda e a direita, antes pelo contrário (só penso que, felizmente, passou a era dos anátemas recíprocos). Se a demonstração fosse precisa, bastaria a evidência dos nossos dois blogues.

Nada que não se soubesse

Só quem não conhece o meio é que se pode admirar com notícias como esta, relativa a graves infracções detectadas na Universidade Portucalense. Se houvesse mais inspecções elas seriam bem mais frequentes. Fiz parte de um grupo de missão oficial que analisou há meia dúzia de anos o ensino superior particular (excluída a Universidade Católica) e sei do que falo. Todos os indícios apontam para que a situação só terá sofrido alterações para pior, dada a perda de alunos e a consequente degradação da situação financeira do sector (nessa altura a Portucalense até estava longe de ser das piores).
A contemporização com as situações mais degradadas -- nomeadamente no que respeita à falta de pessoal docente qualificado -- só serve para desprestigiar ainda mais o sector, arrastando no descrédito mesmo as instituições que mantêm níveis de qualidade aceitáveis ou bons, que também as há. Por isso é do interesse do próprio subsistema pôr termo às situações mais graves. O que causa espanto, aliás, é a constante validação oficial de novos cursos e graus, inclusive mestrados e doutoramentos, em instituições cuja falta de meios, de recursos e de qualidade é mais do que evidente à vista desarmada...

Levemos a sério a separação entre o Estado e a religião

O Estado colocou à disposição do Cardeal-Patriarca de Lisboa um avião oficial para o transportar para Roma, que ele aproveitou. Fizeram ambos mal, o primeiro ao prodigalizar a benesse, o segundo ao beneficiar dela. A separação entre o Estado e as igrejas, incluindo a Igreja Católica, não se compadece com favores nem privilégios.

Exames no 9º ano, por que não?

Pois é, Ademar, nem sempre podemos estar de acordo. Os argumentos contra os exames não são seguramente nem exóticos nem irrelevantes; têm sido mesmo dominantes na comunidade escolar durante estes anos. Mas não compartilho da visão catastrofista das consequências dos exames (eles existem em outros países, sem as ditas), nem ela prevalece a meu ver sobre as suas vantagens, a saber, proporcionar um contributo objectivo de avaliação comparativa de alunos e de escolas, incentivar a preparação e a responsabilidade individual dos alunos, motivar os professores e as escolas, criar uma cultura de emulação e de mérito pessoal. Aliás, não estamos a lidar propriamente com crianças, mas sim com jovens de 15 anos. Mesmo que o 9º ano deixe de ser o ano terminal da escolaridade obrigatória, mercê do anunciado alargamento para 12 anos, ele continuará a ser o termo do tronco comum, antes da opção pelo ensino profissional ou por uma via conducente directamente ao ensino superior.

terça-feira, 5 de abril de 2005

O mundo já não é como soía

É comunista, católico e homossexual --, uma conjugação politicamente incorrecta. Chama-se Nichi Vendola e é o novo governador eleito da região italiana da Puglia, no sul profundo, católico e conservador. "Não é uma revolução cultural, mas quase", exulta Fausto Bertinotti, um dirigente da União de centro-esquerda, grande vencedora das eleições regionais de domingo passado. Uma vitória também sobre os preconceitos políticos tradicionais...

O fim da linha para Berlusconi?

A vitória da União de centro-esquerda nas eleições regionais e locais italianas superou todas as expectativas. Nas regionais ganhou 11 das 13 regiões em disputa, de norte a sul (incluindo na Lombardia e no Lácio), e somou mais de 53% dos votos, quase 10 pontos acima da coligação governamental. Um grande triunfo para Romano Prodi, uma hecatombe para Berlusconi. Mesmo não se demitindo, o governo fica muito ferido a um ano das próximas eleições parlamentares.
Depois da Espanha e de Portugal, a direita (e que direita!) vair sair do poder também na Itália? Mudança de ciclo no sul da Europa?

Livro de reclamações

Não cumprindo os serviços anunciados na assinatura online, o Público não disponibiliza hoje a edição local do Centro (só aparecem as edições de Lisboa e do Porto). Ora a diferença entre serviços gratuitos e serviços pagos é que estes devem ser disponibilizados. Os contratos são para se cumprir...

Os equívocos do "semipresidencialismo"

No meu artigo de hoje no Público (disponível online só para assinantes) analiso criticamente a seguinte afirmação do ex-primeiro-ministro Santana Lopes: "Um dos grandes equívocos da Constituição ainda lá está: é a dualidade no seio do mesmo poder, o poder executivo, resultante da eleição por sufrágio universal e directo quer do primeiro-ministro quer do Presidente da República."

A televisão oficial do Vaticano

Com a total rendição da sua programação ao falecimento e às exéquias do Papa (noticiários, reportagens, comentários, filmes de temática religiosa, música sacra, missas, homenagens, etc.) a RTP concorre seguramente para o título oficial da mais católica televisão do mundo. Merece ser beatificada.

Voltamos ao mesmo?

«Governo admite extinguir exames do 9º ano».
É evidente que ninguém gosta dos exames: alunos, pais, professores... As motivações interesseiras são óbvias. Mas é assim que Sócrates quer fomentar uma cultura de exigência, rigor e avaliação de desempenho individual?

A direita

«E o óbvio é que a direita em Portugal existe. E existe porque a esquerda existe. À direita estão todos aqueles que historicamente resistiram às agressões da esquerda contra a liberdade religiosa e o direito de propriedade.» (Rui Ramos)
Sendo manifesto que nem a religião nem a propriedade correm qualquer perigo desde há muito entre nós, e seguramente nenhum desde a Constituição de 1976, será que ainda perduram razões para se ser de direita, nesta definição? Ou a direita histórica não é só isso (Deus e Propriedade) mas também outras coisas que fazem parte integrante do seu código genético (Pátria, Família, Autoridade, Hierarquia, Ordem, Tradição, etc.)?

Ainda tem sentido chamar-lhes coimas?

Ou a pertinente reflexão de Pedro Caeiro, sobre as pesadas sanções do novo Código da Estrada, com a inquietação própria do excelente criminalista que ele é. Para nossa ilustração.

Pronto, já assinei...

...a versão electrónica do Público. Não tinha escolha: não poderia passar sem o jornal nas minhas muitas saídas ao estrangeiro em afazeres profissionais.
Se vou continuar a adquirir o jornal impresso? Bom, há as imagens, a disposição gráfica, os anúncios, etc. que não estão disponíveis na versão html, que só tem os textos. Até agora nunca deixei de o comprar, apesar da sua disponibilidade gratuita na net. Devo deixar de o fazer agora, para não pagar duas vezes o mesmo produto? E se saio de casa sem ter oportunidade de aceder à versão electrónica? Verei nos próximos dias...

Adenda
Note-se que a nova assinatura do Público não inclui a versão do jornal em PDF, cuja assinatura já existe há muito e que se mantém separada, com um preço proibitivo. E é evidente que há muito para fazer para que o novo serviço pago esteja à altura de outros jornais, nomeadamente o arquivo de todo o jornal, incluindo os textos de cada colunista, "dossiers" temáticos, uma função de busca de conteúdos, etc. São estas mais-valias, só disponíveis por meios electrónicos, que podem atrair um número considerável de assinantes. Por exemplo, por menos de 60 euros anuais (mais do que isso custa uma assinatura trimestral do Público só em pdf!) o Le Monde oferece o jornal tanto em versão html como em versão pdf, mais um riquíssimo arquivo servido por uma excelente função de busca, mais um arquivo de fotografias, mais um serviço de newsletters diárias, etc.
Ficamos à espera...

segunda-feira, 4 de abril de 2005

Correio dos leitores: "Público" online

«Não deixa de ser curiosa a opção do Público, forçando (ou tentando forçar) a fidelização pagante de quem é leitor habitual (à borla).
(...) As circunstâncias não são fáceis ? duvido que existam tantos acessos privados à Internet no nosso país e com disposição para pagar uma assinatura online (em especial porque o momento é de crise económica e a malta nestas condições não costuma esbanjar). Mesmo que a opção seja pensada para o médio prazo, pressupondo um crescimento económico das famílias que levará a um aumento do nº de lares com Internet e, logicamente, a mais assinaturas pagantes do Público online, parece-me que é uma escolha demasiado optimista (...).
(...) No meu caso, borlista frequente do Público online e comprador ocasional do jornal impresso (quando vale a pena), não têm sorte; não vou fazer nenhuma assinatura online nem vou comprar mais jornais em papel (embora isso se prenda muito mais com um desencanto crescente com os conteúdos do jornal desde há uns largos meses do que com a opção de cobrança). A minha relação com o jornal passará de quase diária a ocasional --, e amigos como dantes (com a gratidão quase eterna de terem divulgado o Calvin&Hobbes). (...)»

(L. Malheiro)

Leitor-pagador

Hojé é o primeiro dia em que o acesso electrónico à versão impressa do Público deixa de estar acessível gratuitamente online. A explicação para tornar o acesso pago mediante assinatura foi feita ontem no jornal e tem a ver naturalmente com os custos adicionais da edição electrónica e com os efeitos negativos sobre as vendas do jornal impresso. É um passo compreensível, que já foi dado por muitos jornais de referência (entre nós o primeiro a fazê-lo foi o Expresso).
Só que no caso do Público deixou de estar em acesso livre todo o conteúdo da edição impressa, incluindo a página de opinião, diferentemente do que sucede com outros jornais de acesso pago, como por exemplo o El País ou o Guardian, para citar dois dos vários que eu próprio assino. Tenho dúvidas sobre as vantagens desta solução radical. O jornal vai seguramente angariar muitas assinaturas electrónicas, mas a maior parte delas com sacrifício da compra da edição impressa (salvo no estrangeiro). E perderá seguramente os efeitos colaterais positivos das citações e hiperligações electrónicas, por exemplo dos blogues, onde o jornal levava a dianteira entre nós.
Teremos um dia somente a edição electrónica dos jornais?

Adenda
Comentários anteriores no Abrupto e no Tugir e no Bloguítica.

A lixeira de Israel

O jornal Haaretz informa que Israel vai começar a depositar o seu lixo na Cisjordânia, em território palestiniano ocupado. Esta medida não constitui somente uma flagrante violação das obrigações dos ocupantes segundo o Direito internacional, mas também uma evidente prova da má-fé negocial de Israel no processo de paz com os palestinianos. Ao mesmo tempo que continua a colonizar os melhores terras e a roubar os mais ricos recursos hídricos da Cisjordânia, a potência ocupante ainda tem o desplante de fazer dela uma lixeira de Israel.

A gente acredita

Portugal vai aumentar a contribuição financeira para o ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a cuja chefia Guterres é forte candidato. Fonte do Governo declarou que a decisão é anterior à candidatura do antigo primeiro-ministro e que se trata de "pura coincidência"...

domingo, 3 de abril de 2005

Crucificação em directo

A agonia e morte do Papa em directo para as televisões proporcionou uma formidável exploração mediática "urbi et orbi" do seu prolongado sofrimento e passamento, que foi claramente desejada pelo Vaticano, senão pelo próprio pontífice. Como ouvi alguém observar, a exposição pública do sacrifício e da obstinada entrega ao seu múnus até ao pungente desenlace final só pode ser vista como expressão da visão "purificadora" e sacrificial própria de grupos fundamentalistas católicos como a Opus Dei e a Libertação e Comunhão, que encontraram no intransigente conservadorismo moral do Papa polaco um inequívoco apoio. Numa metáfora feliz, Nuno Júdice viu em todo o episódio a representação de «uma nova crucificação». Exactamente.

Frases que eu gostaria de ter escrito

«Se a teoria da evolução é a matriz da biologia moderna (...), a separação da Igreja e do Estado é a matriz do Estado de Direito (...). Ora, nos últimos tempos esta separação começou a ser minada por revivalismos religiosos na Europa, na Rússia e nos Estados Unidos».
(José Cutileiro, Expresso).