terça-feira, 17 de janeiro de 2006

Obviamente Mário Soares

Porque Portugal precisa de um Presidente da República que o represente bem no mundo. Que ajude a projectar uma imagem progressista do país - dos portugueses que não escondem problemas, atrasos ou desvios, sem soçobrar na lamúria, com consciência histórica das capacidades que têm para procurar soluções sustentáveis.
Cá dentro, um tal Presidente incentivará a auto-estima de que os portugueses carecem para enfrentar os desafios do desenvolvimento económico e da competitividade internacional. Ao contrário de quem só sabe prometer oásis ou agitar o fantasma da crise: assim se propagandeou o «Portugal de tanga», transformando a profecia em realidade.
Portugal precisa na Presidência da República de um defensor dos Direitos Humanos, do Estado de Direito democrático e do Direito Internacional. Com cultura política humanista e internacionalista. Com coragem e ousadia. De quem queira contribuir para controlar a globalização, por um mundo melhor, mais justo e mais seguro para todos, aproveitando as oportunidades extraordinárias, mas também intuindo a voragem desreguladora que alarga o fosso entre ricos e pobres, entre quem progride e quem se sente excluido. Para isso é preciso ser europeista e saber trabalhar em articulação com parceiros e aliados: sem complexos, tanto para afirmar uma visão portuguesa, como para liderar a sua transformação para responder a novos desafios.
Portugal precisa de um Presidente atento às questões que interpelam a sociedade, por incómodas ou dilemáticas que sejam. Que tenha ideias e capacidade de as expressar, curiosidade intelectual e sensibilidade social e cultural. Um Presidente que sempre tenha lido livros, jornais e revistas, oiça rádio, vá ao teatro e a exposições, veja telejornais e hoje até espreite blogues.
Não serve quem se contente em engulir títulos da imprensa em pastilha liofilizada. Quem julgue compensar a limitação de horizontes escudando-se atrás de consultores, conselheiros, aconselhadores e assessores, muitos de interesses duvidosos e revanchismo garantido. Quem tenha um dia sugerido que nunca tinha dúvidas e raramente se enganava. Quem vista farpela tecnocrata, disfarce falhas de relacionamento em rodomas académicas, dissimule impulsões de governar e recorra à hibernação durante anos para não se expôr e para adensar calculadamente o mito do salvador.
Portugal precisa de um Presidente que não se abstenha de intervir. Não para bloquear quem governa e fomentar conflitos institucionais. Mas para exercer a «magistratura de influência» com que os portugueses o investem ao elegê-lo. Para incentivar, alertar ou fazer ponderar quem governa. Para desentorpecer a consciência colectiva. Para ajudar a derimir conflitos, moderar disputas ou enfrentar desafios civilizacionais.
Um Presidente que intervenha, mas não para se substituir ao governo. Não para ditar estratégias ou inventar Secretários de Estado... Antes para ajudar a persuadir o governo, a máquina da administração pública, os empresários e os trabalhadores portugueses que é também cá que é preciso investir para compensar deslocalizações gananciosas, é aqui que é preciso inovar, instruir, qualificar, criar postos de trabalho, racionalizar processos burocráticos e administrativos, inventar e usar novas tecnologias, desenvolver o conhecimento científico e a partir de Portugal descobrir novos mercados exteriores, diversificar produções, serviços e estratégias comerciais, criar mais riqueza e re-investir para tornar a sociedade mais equilibrada e justa.
Um Presidente que intervenha não para exercer poderes que não tem. Mas psicologicamente apetrechado para exercer todos os que tem, segundo a Constituição, para defender a Democracia, o Estado de Direito e o regular funcionamento das instituições democráticas. Integralmente, no tempo certo, sem angústias paralizantes, sem tergiversações debilitantes, ouvindo quem tiver de ouvir.
Em suma: Portugal precisa de um Presidente da República que exerça as competências que a Constituição lhe atribui e deixe o Primeiro Ministro governar durante toda a legislatura, como decidido pelo povo em Fevereiro. Um Presidente que não crie mais factores de crispação na sociedade portuguesa. Um Presidente que não dê alibis ao primeiro governo socialista com maioria absoluta no que respeita à obrigação de governar bem Portugal. Mário Soares reune obviamente todas as qualidades para ser esse Presidente. Provou-o em 10 anos de exercício. E não lhe falta vitalidade, como demonstrou calcorreando de novo o país de lés a lés e nos debates televisionados.
Mário Soares nada tem a ganhar com a Presidência: prestígio nacional e internacional, reconhecimento histórico, nada mais um mandato lhe acrescenta. Pelo contrário, arrisca perder. Corre porque nunca parou. Corre porque está vivo. Corre porque entende, e bem, que Portugal ainda precisa dele.

Ana Gomes

sábado, 14 de janeiro de 2006

O gato, os ratos... e as ratazanas

O Presidente altera-se subitamente no cadeirão de onde segue a telenovela nacional de que também é protagonista: ralha ao gato, chama o PGR, pede inquéritos (mas não cabeças, esclarecem ajudantes...)
Acordou finalmente, ou vai ser como das outras vezes, vira-se para o outro lado e volta a fechar os olhos?
È que pode ter eminências psiquiátricas em casa a «fazer-lhe» a cabeça, mas não deve ter perdido os reflexos e a sabedoria do excelente e experiente advogado que foi.
E bastava ter lido a carta que o Juíz Rui Teixeira entregou na AR e desencadeou o interrogatório e prisão de Paulo Pedroso para perceber a tremenda incompetência e malevolência que emergiam da investigação e da prossecução.
Bastava também ter assistido à inacção e desinteresse do MP pelos processos desaparecidos nos anos 80 e pelas «Deneuves» do Parque, em contraste com a perseguição difamatória lançada contra Ferro Rodrigues, para perceber que uma sórdida urdidura estava em marcha, tendo no MP e na PJ servidores tão zelosos como incompetentes (um dia chegaremos às ratazanas mandantes...). Tudo amplificado pela cumplicidade voraz dos media.
Uma urdidura que, incidindo sobre Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso (por razões que hão-de perceber-se quando se identificarem as ratazanas) visava muito mais do que o PS e aqueles seus dirigentes: visava desacreditar o Estado de Direito e a Justiça, para invalidar o processo Casa Pia e impedir que levantasse outras pontas. Para continuar a deixar na sombra, impunes, os criminosos que durante décadas abusaram (uns) e descuraram (outros e outras) as crianças à guarda naquela Casa.
Eu, que nem sou especialista, só li o Perry Mason em pequena, vi a urdidura, disse-o ...e logo senti a rataria a correr freneticamente para me cilindrar.
O Senhor Presidente não a viu? Continuava psiquiatricamente hipnotisado - só isso explica de repente não reconhecer velhos e verdadeiros amigos. Ou nem sequer ter acordado quando a monstruosidade lhe bateu à porta de casa, com uma carta anónima no processo "denunciando-o"; e com as fotografias de outras altas figuras do Estado e até do Cardeal Patriarca (só escapou o inefável PGR) nos albuns de mostrados às «crianças que não mentem» das desveladas Donas Catalina e Dulce. Um leve estremunhar, uma careta de desagrado belenense. E logo rebolou para o outro lado, voltando às asas de Morfeu.
Tão profundamente, que teve de substituir Durão Barroso e conseguiu fazê-lo sempre de olhos fechados: para evitar o embaraço de uma vitória em eleições do amigo de repente desconhecido (o PS de Ferro Rodrigues acabara de ganhar as europeias com 45% dos votos), encomendou o país à paródia santanista.
Azar: quatro meses depois a paródia virara «vaudeville» rasca. Estremunhado, viu-se mesmo forçado a convocar eleições. Do embaraço o menos - o amigo desconhecido já batera com a porta, esclarecido sobre certas «amizades».
Entretanto Paulo Pedroso e outros arguidos são despronunciados por decisão de tribunal superior sustentada em grosseiros erros na investigação e instrução. O PGR dislata como só ele sabe e pode, admitindo insuficiências na investigação e escutas em barda, mas queixando-se de pressões e falta de elementos para sustentar a urdidura. Ferro Rodrigues deita-lhe à bigodice que lhos levou, mas ele desviara a investigação para quem já demonstrara incompetência, preconceito e parcialidade.
O mais recente episódio da telenovela nacional, revelando que as escutas são patrioticamente abrangentes e detalham até para quem fala a familia presidencial, parece ter quebrado o entorpecente.
Mas será que o Presidente acordou mesmo, nesta ponta final? Esperará ainda que o indigente gato desta telenovela, apesar de tão obviamente constipado, surdo e cego, cace ratos ? Ou que ele apareça guilhotinado na ratoeira? E quem vai afinal dar cabo das ratazanas?

(revisto em 18.1.06)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2006

Basta o que basta

Se forem verdadeiras as escandalosas notícias sobre os registos pormenorizados das comunicações telefónicas de várias personalidades políticas alheias ao processo na investigação do processo Casa Pia, o destino do PGR só pode ser a demissão imediata. O que, aliás, surpreende é que seja preciso demiti-lo.

Aníbal Cavaco Deus Silva

Um antigo ministro de Cavaco sobre as presidenciais: «Precisamos de um Presidente que veja tudo e que saiba tudo». A omnividência e a omniciência sempre foram propriedades divinas. Felizes os povos que podem eleger Deus para Chefe de Estado...

Zangam-se as comadres.....

Num momento de confusão e incerteza quanto ao futuro do Iraque, em que tanto tropas britânicas como americanas preparam estratégias de retirada, multiplicam-se os ataques pessoais entre responsáveis pela precipitada e desastrosa campanha militar iniciada em 2003.
Agora é nem mais nem menos Paul Bremer, responsável pelo governo provisório da coligação ocupante até Junho de 2004, fiel executor da política de Bush e dos falcões da administração americana, que tenta sacudir a água do capote. Segundo o «Financial Times», Bremer acusa as autoridades militares de tentarem agora transformá-lo em bode expiatório dos insucessos do pós-guerra. Ele, que, segundo diz, defendera que o Iraque precisaria de pelo menos 500.000 militares no terreno para pacificar o país. Rumsfeld é que, segundo ele, teria sido responsável por ter enviado um número muito inferior. Quanto aos políticos iraquianos, as críticas de Bremer são desdenhantes - e bem reveladoras: «eles não conseguiam organizar uma parada, quanto mais um país».
Neste lado do Atlântico o quadro também não é edificante. Um dos mais graduados oficiais britânicos que serviram no Iraque acusa agora os militares americanos de «insensibilidade cultural», muito perto do que chamou «racismo institucional». Nada mais nem menos do que o Brigadeiro Nigel Aylwin-Foster, Sub-Comandante das forças britânicas que treinavam o exército iraquiano. Ele explica, em artigo publicado na revista militar americana «Military Review», que os chefes militares americanos nunca perceberam que os seus homens precisavam de conhecer a cultura árabe e técnicas de combate à insurreição. O que, no seu entender, ajudou a engrossar a insurreição iraquiana. «Em vez de tentar conquistar "hearts and minds" viam a destruição do inimigo como um objectivo estratégico em si», quando o objectivo deveria ter sido «perceber como gerir a população». Comentário seco vindo dos States, segundo o «Daily Telegraph»: em>«Insuportável snob britânico».
Tony Blair também não escapa à fúria das comadres amofinadas. Sir Michael Rose, o General que comandou em tempos a força das NU na Bósnia, apela agora ao «impeachment» do Primeiro Ministro britânico. «As consequências da guerra têm sido desastrosas tanto para o povo iraquiano como para o Ocidente em termos dos nossos interesses na guerra contra o terrorismo. Os políticos têm de ser responsabilizados e na minha opinião Blair deveria ser "impeached". Isto para prevenir que no futuro os políticos tratem levianamente a questão de levar um país a entrar em guerra».
Cheira mesmo a fim de reinado. E não é só em Londres...

quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

Correio dos leitores: O plebiscito

«Ao longo de uma campanha eleitoral já longa, formei a convicção de que Cavaco Silva, através de uma encenação estudada, procura protagonizar a esperança e explorar a nossa tentação messiânica.
Fá-lo ao tentar capitalizar o descontentamento, lançando farpas ao Governo quando, ele próprio, preconiza uma política orçamental ainda mais restritiva e contraccionista.
Fá-lo, também, ao dizer que "sabe aquilo de que o País precisa" e que pretende "fixar as prioridades", sem ousar enunciá-las, apenas lançando sugestões como a da criação da Secretaria de Estado para o Investimento Estrangeiro, irrelevante na substância mas reveladora da forma como pretende domesticar o Governo.
Fá-lo, ainda, ao dizer que velará pelo "bom governo" e não se coibirá de avaliar a acção executiva, a par e passo, bem como de propor políticas e medidas legislativas concretas, "cabendo ao Primeiro Ministro convencê-lo do contrário" (vide entrevista ao JN).
Dito isto, sou de opinião de que uma vitória à primeira volta constituiria um plebiscito ao homem. Dessa "legitimação" e da subsequente dinâmica de agregação da direita até à imposição de um presidencialismo "de facto", à margem e ao atropelo da Constituição, iria um só passo.
Atente-se, aliás, nas palavras ontem proferidas por Eanes - aquele que, a partir de Belém, criou o partido "regenerador", que acabou vendendo a sigla a um grupo neo-fascista: "a vitória à primeira volta seria muito importante pela capacidade de manobra que permitiria".
O desequilíbrio efectivo de poderes a favor de um Presidente factualmente legitimado para fazer o contraponto da acção governativa, num contexto de crise e de crispação crescente com o Chefe de Estado e o Primeiro Ministro, sobre o qual recai o ónus das dificuldades sentidas pela população, conduziria facilmente à dissolução do Parlamento, abortando o projecto reformista iniciado pelo PS.
Nestes termos, para além de interrogar sobre o silêncio do Engº Sócrates, pergunto-me como é possível que a esquerda - míope e anestesiada pelas querelas - não seja capaz de se mobilizar pelo essencial (por exemplo, através de manifestos e iniciativas públicas que ultrapassem o espaço de cada candidato) e provoquem o necessário sobressalto e reflexão sobre a natureza e propósitos da candidatura de Cavaco Silva.
Lamentavelmente, é Santana Lopes, ressabiado e no seu estilo narcisista, quem acaba de colocar na ordem do dia o risco da instabilidade e da subversão do equilíbrio de poderes, contra os quais temos de nos bater até ao limite das nossas forças. Se Mário Soares consegue antever este perigo (e outros não) é, desde logo, porque lhe sobra em lucidez e experiência o que aos outros falta.»

Eduardo Gravanita

Três equívocos

Passei para a Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe, uma reflexão sobre a campanha presidencial.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

Correio dos leitores: «Por que espera Sócrates?»

«Revoltado com a barreira que a maioria dos media fazem à campanha de Mário Soares, não veiculando uma só intervenção e apenas relatando os acidentes de campanha, fico entristecido ao observar o distanciamento do Secretário-Geral e muitos dirigentes.
Entristecido, desde logo, porque não tenho dúvidas de que o processo foi mal conduzido pela Direcção e pelo Secretário-Geral, desde a primeira hora, e que tal foi determinante para o aparecimento de duas candidaturas no nosso espaço político.
Entristecido, ainda, porque foi o Partido que incitou Mário Soares para avançar, aos 81 anos, para uma última batalha de que este não necessitava e na qual não estava obrigado a participar, mas à qual não se negou. Não há gratidão possível para o esforço de um homem que, no fim da vida, já foi tudo neste País. Por esta razão, seria exigido maior empenho do Secretário-Geral neste combate.
A 2 semanas do voto, parece-me que só a intervenção enérgica do Secretário-Geral a favor de Mário Soares pode inverter a tendência e colocar Soares na 2ª volta. É perceptível que o País lhe reconhece coragem e que sente não existir alternativa credível a Sócrates e ao PS. Assim sendo, Sócrates tem que utilizar este crédito que conquistou.
"A corda tem que ser esticada" e o Secretário-Geral tem que, com humildade, pedir aos portugueses que, antes de votar, ponderem nas consequências da sua escolha. E deve dizer-lhes, também, que não se pode esperar cooperação de quem diz que "o País está sem rumo" (vide Jornal de Negócios, 09.01.2006), quando é (quase) consensual que assim andou até Fevereiro/05 e que, só depois disso, surgiu uma maioria e um governo com a visão e a coragem que há muito faltavam. E tem, ainda, de dizer-lhes que será sempre leal com o Presidente que os portugueses escolherem mas que nunca abrirá mão das suas competências, assim como respeitará as do Presidente.
O calculismo, na vida como na política, é sempre criticável e, julgo, não colheria frutos. Espero que o Secretário-Geral não prefira fazer declarações brandas, de circunstância e através de meias-palavras, apenas no propósito de afirmar, no futuro, que não foi ele quem lançou a primeira pedra a Cavaco. Até porque este já começou a dar-lhe as primeiras "bicadas".
E, no papel de Presidente, não precisará de ser muito ostensivo, bastando-lhe manter o governo em "lume brando" para lhe ir minando a base social de apoio, ao mesmo tempo que promova a ascensão de um novo líder no PSD.
Sendo tudo isto tão provável, por que espera o Partido e o Secretário-Geral?
Quem não luta, perde...e merece a derrota.
Muito gostaria de, com muitos outros, poder (ajudar a) influenciar a Direcção, mas não sei por que meios. Por isso me lembrei de lhe remeter este e-mail.»

(Eduardo Gravanita, militante do PS)

domingo, 8 de janeiro de 2006

EDP - é de quem?

Titeriteirices na Cultura irritam qualquer um.
Mas na Economia inquietam: e é na energia que o desnorte estratégico do «centrão» mais assusta. Ressalta num plano tecnológico que ignora recursos que Portugal tem para dar e podia vender bem, se soubesse investir (o mar e a energia solar).
O episódio EDP é mais um na valsa do «centrão» em que ex-governantes alternam na chefia de empresas públicas ou participadas pelo Estado, sob a batuta dos governantes do momento. Mas a promiscuidade atinge níveis inéditos, neste caso: um dos ex-governantes e aspirante a controlador da empresa de serviço público, é também representante máximo de um accionista privado estrangeiro, o principal concorrente da dita empresa; e foi enquanto governante quem autorizou a participação a esse accionista estrangeiro nessa e noutra empresa pública; é ainda ... deputado... socialista.
Joaquim Pina Moura devia ter a decência de abandonar o Parlamento.
A Comissão de Ética da Assembleia da República devia considerar o caso e declarar a incompatibilidade, para credibilizar a função parlamentar.
Governantes e dirigentes socialistas deviam parar de dar cobertura a tal promiscuidade.
Militantes socialistas deviam deixar de continuar calados.

Merkel marca

Há muito, desde 2002, que Guantanamo e a tortura sub-contratada através da «extraordinary rendition» são conhecidos de todos e assumidos e «justificados» pela Administração Bush.
O que não se ouviu, vergonhosamente, foram protestos enérgicos de dirigentes europeus (apesar de insistentemente instigados a manifestar-se pelo Parlamento Europeu). O mais ensurdecedor silêncio veio dos que se dizem «socialistas».
Foi preciso aparecer uma mulher com honradez e coragem para dizer o que há muito devia ter sido dito na cara de Bush: que é moralmente intolerável conviver com Guantanamo. Que é estrategicamente um erro admitir Guantanamo e o mais à margem do direito internacional e da decência que Guantanamo arrasta.
Tanto me dá que Angela Merkel seja de direita. Eu aplaudo-a por isto.
Blair, Schroeder, Persson, Barroso e aprendizezecos: tenham vergonha e aprendam!

«Vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar».

Nem as declarações crípticas de Condi Rice, nem aqui em Portugal as explicações hábeis do Ministro Freitas do Amaral no Parlamento, dia 13 de Dezembro passado, dissiparam o alarme quanto ao uso por parte da CIA de países europeus para o transporte e/ou o encarceramento ilegal de suspeitos de terrorismo.
Esta semana no Parlamento Europeu, Lotte Leich, representante da Human Rights Watch -a ONG de defesa dos direitos humanos que confirmou alegações inicialmente levantadas pelo Washington Post sobre a existência de prisões secretas da CIA na Europa - declarou que haver fortes suspeitas, sustentadas por fontes credíveis, de que, para além da Polónia e da Roménia, há um terceiro país, membro da União Europeia, envolvido. Numa mudança de estratégia em relação às primeiras revelações, a Human Rights Watch decidiu, desta vez, não revelar o nome do país, mas garantiu estar a organizar uma "visita-surpresa"...
Espero que o governo português esteja realmente a prestar atenção.
Espero que ninguém nos organismos relevantes dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Administração Interna, das Finanças, da Defesa, da Justiça e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações interprete as garantias dadas por Washington como o fim desta história.
Espero que os governantes e os funcionários do Estado Português, civis ou militares, não façam vista grossa aos elementos que sugerem que as garantias dadas por esta Administração americana valem tanto como as ADM que o Presidente Bush jurava existirem no Iraque.
Espero que os governantes e funcionários do Estado português, civis e militares, não ignorem declarações de responsáveis da CIA, nem desvalorizem o que disse o ex-Secretário de Estado Colin Powell, estranhando a estranheza de dirigentes europeus.
Cabe ao governo reforçar os controlos, como prometeu o Professor Freitas do Amaral no Parlamento, e certificar-se de que tudo está a ser feito para garantir que Portugal não esteve, nem está, envolvido em violações graves dos direitos humanos através de cumplicidade, mesmo que só negligente, com eventuais voos para transporte de pessoas ilegalmente raptadas, presas ou entregues para sujeição a tortura.
Se, depois do alarme despoletado em Novembro, algum dia se confirmar que um governo europeu partilha responsabilidades no desaparecimento ou tortura de um prisioneiro e/ou na entrega de um suspeito a um regime que pratique a tortura, ninguém pode alegar que não foi avisado.
Como escreveu Sophia: «Vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar».

Carlos Cáceres Monteiro

Não encontro o «Fast Lane». Em que prateleira o terei posto? ... a vida de casa em casa, de terra em terra, de continente em continente, prega partidas destas; quando menos o esperar, um dia destes vai aparecer na estante...
Mas agora precisava mesmo reler. Na altura li a correr. Mas agora aguentava ler. Para estar com ele, apesar da partida, por causa da partida, há dias, mal amanhecia o ano. Por o sentir a interpelar-me, amistosamente como sempre, em todas as «Visões» em todos os escaparates, em todas as bombas de gasolina, em todas as bancas de jornais.
Para lhe agradecer a amizade tranquila, a cumplicidade plácida, a bonomia de sempre, a disponibilidade total, o conselho avisado, o incentivo atento.
Para lhe pedir desculpa por não ter tido a coragem de telefonar só para dizer...não sei ainda hoje o quê, tal foi o acabrunhamento e a falta de palavras desde que soube, apesar das insistências da Joana e do António.
Para homenagear o jornalista de ética impecável, o repórter de curiosidade insaciável, o director de equipa, o militante da informação para fazer compreender - as pessoas, o país e o mundo.
Ele vivia na «fast lane», como se vive na política ou no jornalismo. Mas arranjava sempre tempo para os amigos e para a família, de que falava orgulhoso, enlevado.
Desapareceu também na «fast lane»: depressa demais para nos recompor-nos do anúncio da morte próxima.
Um homem bom como ele deixa rasto imperecível, marcado na «fast lane» das nossas memórias. Mas eu perdi mais do que o grande jornalista: perdi um bom amigo, de há mais de duas décadas. A estrada, em qualquer «lane», nunca mais vai ser a mesma.

sábado, 7 de janeiro de 2006

A Constituição na gaveta?

Se há palavra rara no discurso cavaquista é a Constituição. E no entanto, o papel do Presidente da República, que começa justamente por jurar a Constituição, é o de a cumprir e fazer cumprir e de promover e dinamizar os valores constitucionais (entre os quais o desenvolvimento é apenas um entre muitos).
Sabendo-se que o candidato não morre de amores pela Lei fundamental e que entre os seus apoiantes estão os defensores de "outra constituição", será excessivo temer que uma eventual presidência cavaquista possa significar meter a Constituição "na gaveta"?
[Reproduzido do Super Mário]

quinta-feira, 5 de janeiro de 2006

"Paris vale bem uma missa"

O séquito de Cavaco Silva deve ter feito figas atrás das costas enquanto cantava o "Grândola, Vila Morena", ontem numa sessão de propaganda eleitoral naquela cidade alentejana. Para muitos deles, a começar pelo candidato, deve ter sido a primeira vez na vida. Ainda os veremos a cantar a Internacional, no Barreiro.
Não haverá limites para o oportunismo eleitoral?

O treinador

Já está disponível na Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, acerca da metáfora de Cavaco Silva sobre o "presidente-treinador".

sábado, 31 de dezembro de 2005

O mistério das luzes de Belém - BOM 2006!

«E voltei também à morada de Cavaco. Tratava-se agora de o «espiar» em directo e ao vivo, a assistir ao debate Soares/Alegre. De «pullover» azul, camisa azul, sentou-se diante da televisão com a atenção concentrada e um caderno aberto à sua frente que ia preenchendo com caligrafia enérgica. Como se eu não existisse - nunca existi, de resto - e o mundo também não, porque o mundo se esgotava naquela noite nos rostos tensos de dois adversários estampados no ecrã de televisão».
Foi o que relatou, no EXPRESSO de 23.12.05, Maria João Avillez no artigo «Espírito de Missão», facultando-nos um certeiro e esclarecedor lampejo do temperamento do candidato presidencial Prof. Cavaco Silva.
Esclarecedor, mas instigando também intrigantes questões:
Por que mistério aspirará à Presidência da República quem se alheia tão facilmente de quem o rodeia ou leva a concentração ao extremo de pretender que abstrai da acompanhante? (algum efeito surte, pois apesar de «nunca ter existido», ela persiste enfeitiçada).
Por que aspira Cavaco Silva à Presidência, um cargo sobretudo de representação, com a carga de representar o que há de mais difícil, a Nação, e com a canga de receber, ouvir e conversar (espera-se que afavelmente) com milhares de portugueses e estrangeiros, diariamente, de manhã à noite?
Por que razão aspira o Doutor Cavaco às luzes de um tal cargo - duro pela intensidade mesmo para os mais resistentes anfitriões que recebam e convivam com prazer - sendo ele um homem obviamente tímido, pouco sociável, socialmente inseguro, hirto, de parcas falas, crispação à flor da pele, nenhum senso de humor, sem formação humanística, que sempre preferiu encafuar-se entre papelada a conversar com gente, que naturalmente abstrai de outros ao lado e do mundo em redor, amuralhado em redoma de cristal que ele próprio segrega?
2006 deverá poupar ao sacrifício o Professor Cavaco Silva e deixá-lo aninhado na sua casinha, no regaço da familia, sem esforços de convivência suplementares, entre convidativas pilhas de relatórios bancários e homenagens consternadas de poucos mas dedicados ex-conselheiros, desenganado de vez da luz tentalizante de Belém.
São estes os meus cordiais votos de BOM ANO NOVO para todos os portugueses e em especial para o Professor Cavaco Silva.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

Responsabilidade presidencial

O meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe, encontra-se agora disponível, como habitualmente, na Aba da Causa.

A vez de Sócrates

Perante a ostensiva deriva presidencialista da candidatura de Cavaco Silva -- agora até se pronuncia sobre a orgânica do Governo --, é chegada a vez de José Sócrates lembrar ao candidato algumas ideias elementares, nomeadamente as seguintes:
a) O desfecho das eleições presidenciais não tem virtualidades para alterar nem o programa do Governo nem a sua orientação política;
b) O Governo responde politicamente perante a AR, devendo por isso ser o único responsável pela sua política;
c) Cabe ao primeiro-ministro a definição da orgânica do Governo;
d) A superação da crise económica é um incumbência e um compromisso do Governo, que já lançou as bases da mesma (saneamento das finanças públicas, lançamento de grandes investimentos públicos, negociação bem sucedida das contribuição financeira da UE, etc.), pelo que não tem sentido que um candidato presidencial queira aproveitar em seu benefício a obra alheia.
[Reproduzido do Super Mário]

segunda-feira, 26 de dezembro de 2005

É a ocupação, estúpido

Muitas dezenas de milhares de mortos depois, o responsável pelas tropas norte-americanas no Iraque vê-se obrigado a reconhecer que os iraquianos desejam a partida das tropas ocupantes o mais rapidamente possível, enquanto os media norte-americanos dão conta de que as tropas de ocupação são «cada vez mais impopulares».
Para uma alegada "missão de libertação", não está nada mal!

Uma dúvida

Contaram-me que entre os argumentos aduzidos por um militar para votar Cavaco Silva figurava o argumento de que talvez ainda este pudesse parar as medidas que afectaram os interesses dos militares (subsistema de saúde, idade de aposentação, etc.). Infelizmente para o iludido cidadão, os diplomas em causa já estão publicados, e entre os poderes do Presidente, mesmo na versão maximalista de CS e dos seus apoiantes, não se conta o de impedir a aplicação das leis (ou contará?). Mas, já agora, cabe uma dúvida: se fosse Presidente, Cavaco teria vetado as medidas governamentais que cortaram nos privilégios dos militares, juízes, etc.?
[Reproduzido do Super Mário]

Idiossincrasias madeirenses

Parece que o bispo do Funchal exortou os seus fiéis a resistirem à «campanha laica» contra o uso de símbolos religiosoas «na sociedade». Mas onde diabo é que existe qualquer canmpanha nesse sentido? Onde é que o prelado foi buscar tal disparate? Pura imaginação do bispo ou idossincrasia madeirense?
Que eu saiba, a única campanha laica que existe é pelo Estado laico, ou seja, contra o uso de símbolos religiosos pelo Estado. Quanto às confissões religiosas e aos cidadãos, todos são livres de usar os símbolos religiosos onde quiserem, em privado ou em público, na sociedade civil ou mesmo nos estabelecimentos públicos, ao abrigo da liberdade religiosa, que ninguém contesta.
De resto, a liberdade religiosa para todas as confissões foram os laicos que a instituíram em Portugal, juntamente com a separação entre o Estado e a religião. O que parece é haver gente saudosa dos tempos do monopólio da Igreja Católica e da seu estatuto oficial como religião de Estado.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

Manipulações eleitorais

Na Itália, o Governo fez aprovar uma nova lei eleitoral, sob protesto da oposição, restaurando alegadamente o sistema proporcional. Porém, além de elevadas barreiras eleitorais para entrar na repartição dos lugares no parlamento (10% para as coligações e 4% para os partidos isolados), institui um prémio de maioria para a coligação ou partido que tenha mais votos, de modo a garantir sempre ao vencedor uma maioria parlamentar absoluta, mesmo que o resultado eleitoral lhe proporcionasse somente uma modesta maioria relativa. As restantes coligações ou partidos verão reduzida correspondentemente a sua representação parlamentar, ficando por isso com menos deputados do que lhe caberiam pela repartição proporcional.
Chamar a isto um sistema proporcional, ou um sistema eleitoral justo, é pura mistificação. Democracia eleitoral... à Berlusconi.

"Governos de esquerda"

Outra do presidente do CDS-PP: a miséria da África deve-se aos governos de esquerda que tem tido. Tem toda a razão. A Africa tem estado infestada de governos de esquerda: não eram Idi Amin, Bokassa, Mobutu, e quejandos, notórios homens de esquerda?
Nunca é tarde para actualizar conhecimentos! O que seria de nós, sem a clarividência histórica da direita?

Vandalismo

Este simpático urso era já o ícone do novo parque do Mondego, em Coimbra. Numa noite destas foi regado a gasolina e reduzido a cinzas (era feito de esferovite coberta de relva sintética). Como sempre, os guardas do parque não deram por nada antes das chamas. Ao vandalismo (com a devida desculpa para os vândalos propriamente ditos...) soma-se a incúria. Assim vai a República, entre o incivismo mais primário e a impunidade mais descarada.

O regresso

Como era de esperar -- salvo pelos que se apressaram a rezar-lhe o responso --, a Constituição europeia vai voltar à agenda política. Bem vinda!

Antologia do disparate

«O terrorismo contemporâneo tem origem numa deriva totalitária do pensamento marxista-leninista» - disse o presidente do CDS, Ribeiro e Castro.
Bin Laden: discípulo ignorado de Marx e Lenine? O terrorismo islâmico: o último avatar do comunismo? A al-Qaeda: um primo político afastado do PCP? Francamente, deveria haver limites para o disparate político!
[revisto]

quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Mistificação política

Como qualificar a conduta de um candidato presidencial que baseia deliberadamente toda a sua estratégia em prometer orientações e objectivos económicos que ele sabe que não cabem nos poderes presidenciais?
Cavaco Silva também sabe que a crise financeira está a ser debelada -- mercê das corajosas políticas do governo de Sócrates -- e que atrás do saneamento das finanças públicas virá a recuperação económica, ajudada pelo feliz desfecho das perpectivas financeiras da UE, pela anunciada melhoria da situação económica europeia nos próximos anos e pelos grandes investimentos públicos já desencadeados.
A saída da crise, que o candidato de direita tenta artificialmente empolar, ocorrerá sem e apesar dele. E ele sabe-o, o que só acentua a mistificação política em que assenta a sua candidatura.

Descabido

No seu momento menos feliz do debate de ontem, Mário Soares bem poderia ter prescindido da insinuação -- que não podia consubstanciar -- relativo ao desempenho de Cavaco Silva nas reuniões dos conselhos europeus. Não lhe ficou bem, e deu ao adversário uma razão de agravo imerecido.

Esquerda plural

Não preciso de dizer que não acompanhei o apelo, de resto isolado, para a desistência dos demais candidatos de esquerda a favor de Mário Soares. Penso que nas actuais circunstâncias a concentração num único candidato na 1ª volta daria menos votos do que a soma dos quatro candidatos separados, o que só favoreceria as chances de Cavaco Silva. Parece-me evidente que uma parte, porventura significativa, dos eleitores de Alegre, de Jerónimo e de Louça não votaria em Soares à 1ª volta, mesmo que aqueles candidatos desistissem. Por isso, a manutenção das suas candidaturas pode ampliar o voto anticavaquista, que numa eventual 2ª volta, naturalmente bipolarizada, se pode então concentrar no candidato de esquerda que ficar mais bem colocado na 1ª volta (que neste momento tudo indica seja Soares).
Nestes termos, penso que, mais do que preocupar-se com os demais candidatos de esquerda, a candidatura de Mário Soares deve concentrar todos os seus esforços no confronto com Cavaco Silva, a fim de diminuir a perigosa vantagem de que ele neste momento disfruta. De resto, essa linha de orientação também fomenta antecipadamente um desejável efeito bipolarizador, que favorecerá naturalmente a vantagem de Soares em relação a Alegre, como candidato mais bem situado para passar à 2ª volta.

Na massa do sangue

Por mais que se esforce, Cavaco Silva não consegue esconder que vê no Presidente da República o piloto e o condutor dos destinos nacionais. No debate com Mário Soares, apesar do seu grande esforço para não sair da pauta, em certo momento de distracção escapou-lhe que, caso seja eleito, terá como objectivo "fixar algumas orientações estratégicas", para mais tarde tentar emendar para uma fórmula mais soft mas equivalente, de "tentar consolidar prioridades correctas" [no seu ponto de vista, claro está!..].
Salta à vista que, em vez de se ver como regulador, árbitro e moderador do sistema político -- que tal é a função constitucional do Presidente --, o candidato da direita se vê como protagonista e condutor da política nacional, o que só pode ser uma receita para o conflito político e institucional com a maioria parlamentar e o Governo, a quem está confiada constitucionalmente a definição e execuação das políticas públicas. Definitivamente, está-lhe na massa do sangue!