sábado, 23 de fevereiro de 2008

A favor da descida do IVA

A objecção à descida do IVA, com o argumento de que a sua redução não é habitualmente toda repercutida na descida dos preços, é precipitada, pois havendo concorrência não se vê nenhuma razão para que a prazo isso não suceda.
E a preferência pela descida do IRS, em vez do IVA, com o argumento de que aquela beneficiaria transversalmente toda a gente, choca com um dado incontornável: é que uma descida do IRS não beneficiaria em nada a parte da população, e logo mais pobre, que nem sequer ganha o suficiente para pagar imposto de rendimento, a qual beneficia relativamente mais com a descida do IVA, justamente porque consome todo o seu rendimento (sendo por isso que o IVA é um imposto socialmente regressivo).

Precipitação

Mesmo que a declaração do Presidente da Associação Nacional de Municípios sobre a Lei das Finanças Locais (que provou ser uma boa lei) possa ser considerada descabida, ou mesmo sectária, a ameaça de alguns autarcas do PS de abandonar a ANMP não faz sentido.
A uma declaração precipitada não se pode responder com uma reacção ainda mais precipitada...

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

O "efeito Kosovo"

Como habitualmente, encontra-se disponível na Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe (aproveitando para corrigir um lapso da versão publicada, que referia a conferência de Viena em vez da Conferência de Berlim).

Aditamento
Enquanto o Primeiro-Ministro anunciou uma tomada de posição "para breve" de Portugal sobre a independência do Kosovo (certamente a anunciar o reconhecimento), o Presidente da República veio defender cautela, a desaconselhar qualquer "precipitação". Penso que o Presidente tem razão. Embora a decisão caiba ao Governo, nestas matérias (em que o "poder moderador" de Belém mais avulta) convém considerar seriamente a posição presidencial.

Instrumentalização

A anúncio de página inteira da Ordem dos Notários no Público de hoje (não sei se em mais algum jornal) constitui uma peça da luta dessa organização contra a política de desformalização e de simplificação administrativa e revela bem como as ordens profissionais usam os seus recursos à margem das suas missões públicas, convertendo-se em puras organizações de defesa de interesses corporativos.
O mais estranho é ver três faculdades de direito públicas serem publicamente instrumentalizadas em apoio dos interesses privados de uma classe profissional. Será que alguma decidiu oficialmente tomar partido nesta questão de política administrativa?

BCP

Insistindo no inquérito a presumíveis "falhas de supervisão" no caso do BCP -- tentando transferir para os polícias a responsabilidade que cabe aos malfeitores --, o PSD não pode ignorar que ele se vai transformar necessarimente num inquérito às "falhas" do próprio Banco e às responsabilidades dos seus gestores, incluindo as violações das regras do mercado de capitais e da prudência bancária. Na verdade, vai ser o processo ao principal ícone do capitalismo financeiro na era pós-liberalização do sector em Portugal.
Por isso, sem desvalorizar o impacto negativo sobre o Banco (que o PSD não pode ignorar), o inquérito pode ser virtuoso. Depois dele, dificilmente restará alguma credibilidade -- se é que ainda a têm -- às teorias neoliberais sobre os "malefícios da regulação". O que é pode ser fatal é a falta de regulação ou a fraude à regulação.

Credibilidade

Quebrando deliberadmente os acordos formais que tinha feito com o PS sobre a justiça e a lei eleitoral para as autarquias locais, o PSD põe em causa a sua própria honorabilidade política. Se, por puro oportunismo político, se recusa a cumprir um contrato interpartidário, como esperar dele o cumprimento de qualquer outro compromisso institucional?!
O pior que pode suceder à credibilidade de um partido de vocação governamental é criar a sensação de infidelidade à palavra dada, não sendo "tábua de sustentar prego"...

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Contestação profissional

Os que julgam que a contestação da Ministra da Educação tem alguma semelhança com a contestação que levou ao afastamento do ex-ministro da Saúde devem desenganar-se. A contestação de base profissional, ainda por cima partidariamente identificada -- já que protagonizada pela Fenprof, braço sindical do PCP --, raramente consegue o apoio da generalidade da população, que tende a ver nesse tipo de contestação -- e com toda a razão -- apenas a defesa de interesses de grupo, à custa do interesse geral, ou seja, a escola e os seus alunos.
Por mais legítima que seja a defesa de interesses profissionais (o que não está em causa), não existe nenhuma razão para crer, pelo contrário, que eles coincidem com os interesses das escolas e e dos seus utentes, que cabe ao poder político prosseguir. Como bem diz Paquete de Oliveira, «sem professores não há escola, mas a escola não é dos professores».

Redundância

Mais um vez, no caso do novo regime do emprego público, o Presidente da República entendeu por bem demarcar-se de algumas soluções de um diploma que decide promulgar (que aliás já tinham sido questionadas no pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade do mesmo diploma).
Contudo, a preocupação presidencial em assinalar as divergências é redundante e contraproducente. Por definição constitucional, nem a discordância presidencial impede a promulgação (sendo o veto excepcional) nem a promulgação implica qualquer corresponsabilidade política do Presidente com as soluções legislativas em causa.
Ao reiterar estas explicações públicas quando tem discordâncias, Belém deixa entender, "a contrario sensu", que sempre que o não faça concorda inteiramente com os diplomas promulgados. O que não tem de ser verdade.

Redução de pessoal na função pública

Com a publicação da lei que permite a aposentação antecipada de funcionários públicos (reduzindo o tempo de serviço para 33 anos no corrente ano e para 30 anos em 2009) cria-se um mecanismo adicional para permitir reduzir mais rapidamente o pessoal na Administração Pública.
Sem despedimentos...

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Credibilidade

Agora o PSD de Menezes já nem respeita os compromissos assumidos, como no caso do mapa judiciário.

Portugal imune?

Embora a perspectiva de recessão esteja afastada, as recentes estimativas de crescimento económico foram reduzidas em meio ponto percentual, tanto nos Estados Unidos como na França.
Poderá Portugal fugir ao mesmo destino, como pareceu decorrer da entrevista do Primeiro-Ministro à SIC, continuando a tomar por certo um crescimento acima dos 2%?

Enriquecimento sem justa causa

O BCP vai pagar 80 milhões de euros (16 milhões de contos) de indemnizações e de pensões dos anteriores administradores. É uma verba astronómica, um verdadeiro "enriquecimento sem justa causa", até porque deixaram o banco em estado lastimável. Em vez de serem indemnizados, deviam indemnizar 0 banco. Ora, como entre os accionistas se encontra a CGD, cabe perguntar se o banco público aprovou o regime que deu nesta cornucópia para os ex-gestores...

Separação de poderes

O Tribunal de Contas recusou o visto ao empréstimo decidido pelo Município de Lisboa para pagar as suas dívidas acumuladas a fornecedores até ao início do mandato do actual executivo, o que vem complicar muito a gestão municipal.
O curioso é que, apesar de considerar verificados os pressupostos legais de um empréstimo para "saneamento financeiro" -- corrigindo uma infeliz jurisprudência anterior --, o TC acabou por rejeitá-lo por entender, com base numa apreciação assaz subjectiva, que o "plano de saneamento financeiro" aprovado pela assembleia municipal de Lisboa não é convincente, apesar das medidas de disciplina financeira já tomadas e anunciadas.
Resta saber se uma tal apreciação sobre o mérito do plano municipal, que se traduz num escrutínio jurisdicional sobre as escolhas orçamentais do município, cabe no poder do TC de verificação prévia da legalidade dos empréstimos.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Equívoco (2)

Há quem não queira ver a óbvia diferença entre a saída de Estados-membros da federação a que pertenceram (por exemplo, as antigas repúblicas da Jugoslávia) e a secessão de partes do território de um Estado unitário (caso do Kosovo)...

Equívoco

Há quem julgue que os jornalistas que entrevistam o Primeiro-Ministro devem fazer o que a oposição não consegue...

Ecologia política

Independentemente do partido em causa, devemos saudar a primeira condenação num caso de financiamento ilegal de partidos políticos.
Primeiro, não há nada pior para a legitimidade do sistema democrático do que a impunidade geral de infracções graves contra o Estado de direito que toda a gente sabe existirem, como é o caso do financiamento ilícito de partidos e da corrupção. Segundo, o facto de a punição atingir um grande partido mostra que não existem "imunidades de facto" e que o Tribunal Constitucional terá a mesma mão pesada em relação a qualquer outro partido, sendo caso disso.
Se não ficar como espécie única, esta inédita decisão pode bem constituir um enorme avanço na regeneração da vida política nacional. O financiamento ilícito é um dos cancros que mina a credibilidade dos partidos e das instituições. Tudo o que possa combatê-lo é bem-vindo.

Inquéritos parlamentares (2)

Além de apurar factos e de imputar responsabilidades políticas, os inquéritos parlamentares também servem para ilibar de responsabilidades.
Ora, havendo três alegados intervenientes políticos no caso do casino de Lisboa, todos a protestar a sua "inocência", é de interesse dos próprios a clarificação da responsabilidade de que são acusados. Aliás, deveriam ser os próprios a pedir a realização do inquérito...

Inquéritos parlamentares

Não tem razão, sendo mesmo descabida, esta crítica sobre uma suposta contradição entre a minha sugestão de um inquérito parlamentar sobre a concessão do Casino de Lisboa e a posição por mim expendida num parecer de 1999, onde teria defendido que não pode haver inquéritos sobre actos de governos anteriores, por já terem sido julgados politicamente em eleições.
Primeiro, não defendi tal inibição parlamentar. Embora entenda que "em princípio" e "por via de regra" os inquéritos devem versar sobre actos do Governo em funções (mas isso nem sequer consta das conclusões do parecer), não defendi nenhuma proibição de inquéritos sobre actos de governos anteriores, tanto assim que não invoquei esse ponto como motivo de ilegitimidade ou impertinência do inquérito parlamentar que visava justamente o ministro de um Governo anterior.
Segundo, o caso do Casino de Lisboa é assaz diferente da questão que analisei no referido parecer, pois agora os factos só vieram ser conhecidos depois, pelo que não podem considerar-se cobertos pelo "julgamento político" das eleições de 2005 (um dos factos, o despacho de Telmo Correia, até foi praticado já depois das eleições...).

Jornalistas

Surpreende-me ver notórios défices de informação em jornalistas responsáveis, que não se podem justificar. Ainda hoje na entrevista ao Primeiro-Ministro notei três erros nos entrevistadores:
-- desconhecimento de que os 94 000 novos empregos a que o PM se referia são o saldo líquido entre empregos criados e perdidos, pelo que se trata de um efectivo aumento da população empregada;
-- desconhecimento de que ainda não foi decidido pelos tribunais nenhuma das medidas cautelares introduzidas contra a avaliação de professores, pelo que nenhuma foi deferida;
-- desconhecimento de que grande parte dos muitos milhares de processos fiscais pendentes não são dos contribuintes contra o Fisco, mais sim do Fisco contra contribuintes, designadamente por falta de pagamento de impostos.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Soberanismo

Ao contrário de J. Medeiros Ferreira (se bem entendi o seu argumento), não vejo contradição entre a integração europeia (que se traduz numa limitação da soberania dos Estados-membros) e o soberanismo da declaração de independência do Kosovo às portas da UE (e com o seu apoio). Pelo contrário, o Kosovo "independente" só é viável enquanto protectorado da UE e contando vir a ser membro da UE, de onde receberá grande parte dos seus recursos financeiros. A moeda até já é o euro...
É mesmo de recear que a crescente integração da UE possa facilitar e viabilizar a desintegração dos seus próprios Estados-membros (sobretudo dos multi-étnicos) em vários Estados semi-soberanos (incluindo micro-Estados), para os quais o guarda-chuva da UE -- abrangendo agora a matéria das relações externas e da segurança e defesa -- constitui um meio de dispensar diversos custos da estatalidade e da soberania.

"Diálogo à esquerda"

Mas como é que se pode querer um "diálogo à esquerda" abrangente, se se partir do pressuposto de que estão em curso "políticas de esvaziamento e descaracterização do estado social e dos serviços públicos", contra toda a evidência (como mostrei aqui)?
A verdade incontornável é que existem várias esquerdas, com notórias divergências entre si, nenhum diálogo sendo possível se cada uma delas se arrogar como a "verdadeira esquerda". A exclusão e o anátema da "esquerda governante" não é um bom começo para nenhum diálogo, muito menos para nenhuma influência prática sobre as políticas de esquerda.

Credibilidade

Há pouco tempo o líder do PSD prometeu o "desmantelamento do Estado", entregando tudo ao sector privado. Agora diz que não encerra serviços públicos.
Em que ficamos!?

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Intersindical

A recusa de adesão à Confederação Sindical Internacional e a hostilidade em relação à UE mostram que a CGTP continua sob controlo absoluto do PCP.

"Wishful thinking"

Uns falam em "crise económica e social", outros falam mesmo em "situação explosiva". Porém, a realidade económica e social não confirma nada disso. O crescimento económico é o mais elevado desde há vários anos, o desemprego deixou de crescer há vários meses e dá sinais de inversão, a protecção social contra a pobreza e o desemprego melhorou (suplemento para pensionistas pobres e subvenção social de desemprego) e os sistemas de saúde e de educação apresentam melhores resultados, etc.
Por mais que os média ajudem, é impossível manter durante muito tempo a invenção de uma país à beiro do abismo. Quem está à beira de um ataque de nervos é quem procura à força tomar os desejos por realidades.

Kosovo

«Abkhazia e a Ossétia do Sul querem independência».
De facto, qual é a diferença?

Antologia do anedotário político

«O Governo ainda controla a agenda mediática» (Paulo C. Rangel, ex-deputado do PSD ao Público).

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Trapalhada comprometedora

«Governo de Santana Lopes mudou Lei do Jogo a pedido da Estoril-Sol».
Antes que esta novela se torne deprimente, não seria de fazer um inquérito parlamentar a fim de deslindar esta trapalhada comprometedora e apurar responsabilidades, se as houver?

"Conservadorismo de esquerda"

«Nas críticas da esquerda tradicional ao actual Governo do PS há uma reiterada convergência na acusação de "esvaziamento" ou de "destruição" do Estado social, bem como de "convergência com as políticas de direita" a esse respeito. Todavia, independentemente do juízo político que se tenha sobre a orientação e o desempenho governativo nesta área - que, a meu ver, peca ao invés por alguma inconsistência doutrinária e timidez na execução -, a verdade é que as referidas acusações não são de modo nenhum suportadas pelos factos. Nem esvaziamento do Estado social, nem convergência com os partidos de direita
Do meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe, também disponível, como habitualmente, na Aba da Causa.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Nervosismo e azedume

Ao reler o post anterior dei-me a pensar, face a outros casos de irritação e agressividade, que há por aí muitos autores assaz nervosos e azedos na direita neoliberal. Eu sei bem que as perspectivas políticas não lhes vão propriamente de feição, mas podiam fazer um esforço para ser menos ostensivos no seu mal-estar contra terceiros...

Há dias...

.. em que as pessoas andam tão zangadas com o mundo, que disparam à toa contra o primeiro "inimigo" que aparecer. Só um estado de alma desses pode justificar este disparatado post de Helena Matos contra mim, que revela também que alguma direita portuguesa é mais retrógrada em matéria de separação entre o Estado e a religião do que o liberal-conservador "The Economist", de cuja posição me limitei a fazer eco no post que desencadeou a fácil ira da susceptível autora.
[revisto]