sábado, 14 de abril de 2012

Tratado: Somos os primeiros! Cadê o brinde?

A 10, 13 e 22 de Março fui aqui - e noutros dias na ANTENA 1 e na RR - explicando por que Portugal não devia ter pressa nenhuma em ratificar o "pacto para o desemprego" que é, na actual versão, o Tratado Orçamental assinado na última cimeira europeia. Além de ser perigosamente judicializante da responsabilidade política.
O meu partido, o PS, tem razão nas críticas substantivas que faz ao Tratado; tem razão nas propostas concretas que apresentou para alterar/adicionar o Tratado; e tem razão quando pressiona o governo de Passos Coelho a exigir a mudança/aditamento do Tratado com tudo o que lá não está de políticas para o crescimento e o emprego. Pena foi que nada tenha feito para impedir a apressada ratificação do Tratado.
Pronto, agora aí temos este perverso Tratado ratificado por Portugal. Um Tratado que, a aplicar-se algum dia, tal como está, nos trataria de mandar rapidamente para o caixote do lixo da Europa.
E aí temos Portugal, como Vítor Gaspar tanto queria, em bicos dos pés, a proclamar "urbi et orbe" que foi o primeirinho a ratificar o Tratado.
Um Tratado que, se Hollande ganhar em França, será modificado.
Um Tratado que, tudo indica, terá mesmo de ser modificado, em qualquer caso, porque a actual versão é inconstitucional em termos europeus e, na prática, ainda mais incumprível que o PEC original do Euro.
Mas Portugal esmera-se no zelo cumpridor, para alemão ver. Que os sacrossantos mercados, lá parvos não são e nada ligam...
Portugal excede-se na subserviência acrítica ou apesar da crítica. Invocando o estado de necessidade, ratifica até o Rato Mickey...
Portugal quis ser o primeiro, mesmo na corrida para o abismo consagrada por este Tratado, tal como está.
Aguardemos pelo brinde que tanto zelo certamente nos reserva.

Quem se importa com a Guiné-Bissau?

Mais um golpe-de-Estado na Guiné-Bissau.
Atão, e os 300 militares angolanos que supostamente lá estão para evitar golpes-de-Estado?
E agora, mais paninhos quentes por parte de Portugal, da CPLP, da UE, da UA, da ONU?
Para daqui a algum tempo ser dado outro golpe, num Estado em estado falhado, controlado pelo narco-tráfico, com outros tipos de criminalidade organizada rondando na região, incluindo pirataria e os grupos terroristas AQMI e Boko Haram?
Anuncia-se que zarpam fragatas para salvar portugueses e outros estrangeiros. E os guineenses, que se danem?
Portugal está membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas, não é certamente só para o MENE sempre que possa zarpar para Nova Iorque, a pretexto de ler discursos ao lado da Sra. Clinton e dos Srs. Hague e Juppé.
O mínimo é sacar rapidamente uma resolução ao Conselho a condenar os golpistas, exigir a protecção de civis, a restauração do governo, um processo eleitoral limpo, e a autorizar a UA, CPLP, UE ou quem quer que possa, conjuntamente ou não, a ir lá tratar disso, pondo golpistas e "sus" narco-donos rapidamente com dono.
Portugal está de rastos, mas para isto ainda pode. Tem de poder. Trate-se de accionar já o que se puder: a CPLP tem de servir para alguma coisa, a PCSD da UE também. Portugal que se chegue à frente, mobilize, persuada, exija. Enfim, faça política, política europeia, política externa!
E, de uma vez por todas, percamos complexos coloniais.
A Guiné-Bissau precisa. Os guineenses precisam.
Exerçamos a Responsabilidade de Proteger.
Protegendo-os.
E, no fundo, protegendo-nos a nós.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Oposição responsável

Ao votar o Tratado Orçamental da UE, apesar das reservas ao mesmo, A. J. Seguro declarou que o PS faz na oposição aquilo que faria se estivesse no Governo. Ora, parece evidente que se o PS fosse Governo nao poderia deixar de aprovar o Tratado.
Já escrevi várias vezes que o PS é um partido de governo mesmo na oposição, o que o distingue da oposição de protesto profissional do PCP e do BE.

Divisoria de aguas

A discussão e votação do Tratado Orçamental da UE mostra que existe sempre uma inultrapassavel linha divisória entre o PS por um lado e o PCP e o BE por outro lado, que passa tanto pela convicção na integração europeia como pela questão do rigor e da disciplina orçamental. Pensar que com estas profundas divergências pode alguma vez existir uma aliança de governo à esquerda não passa de ilusão.
No governo ou na oposição o PS não pode contar com as esquerdas radicais.

Boa saida

O PS saiu muito bem da votação do Tratado Orçamental. Um claro triunfo politico de A. J. Seguro, tanto mais importante quanto teve de vencer alguma resistencia no PS.
Por um lado,o PS votou responsavelmente a favor do Tratado, apesar de o consideurar desequilibrado, por convicção europeísta e por respeito ao interesse nacional (visto que os paises que o não ratificarem perdem acesso ao fundo de assistência financeira da União). Por outro lado, apresentou uma proposta de adenda ao Tratado, completando a vertente do rigor e da disciplina orçamental com a vertente do crescimento, do emprego e da coesao social, que tambem sao valores da União Europeia, ultimamente assaz esquecidos.
Seguro tem razão quando diz que quem quebrou o consenso bipartidario europeu entre nos foi o PSD, ao votar contra a resolucao do PS.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Rezando pelo resgate da Espanha

Pela Europa. Por Portugal. Pela própria Espanha.
Para sairmos da crise.
Para que finalmente o ataque especulativo a uma grande economia europeia como a espanhola permita que se faça luz nas cabeçorras quadradas da direita neo-liberal que domina a UE. Que continuam ainda a recusar reconhecer que é desastrosa a receita de austeridade recessiva e de destruição do modelo social europeu que estão a impor.
Foi o que defendi anteontem, no "Conselho Superior", ANTENA 1.

Os amigos da Síria

Na semana passada, a partir de Beirute, expressei no "Conselho Superior" da ANTENA 1 o temor de que o conflito violento entre o povo sírio e o regime assassino de Bashar Al Assad estivesse para durar e se agravar, falhando o plano Annan.
Estamos a horas depois de provocatórias incursões das forças de Bashar contra campos de refugiados sírios em território turco. E a horas antes de crucial teste ao plano, depois de Kofi visitar Teerão e o regime iraniano "aconselhar" Damasco a mostrar-se disponível para lhe dar cumprimento.
O plano é o único visando impedir uma guerra prolongada na Síria.
Mas pode já não a impedir.
Porque, marimbando-se para os interesses e o sofrimento do povo sírio, há quem queira a guerra e use Bashar e os sírios como peões-de-brega.
São duas as "proxy wars" que se travam sobre a Síria, por cima dos cadáveres dos sírios:
- a "fria", que se desenrola em Nova Iorque, no Conselho de Segurança, entre o "Ocidente" versus China e Russia, com Brasis em equilibrismo desconfortável em cima do muro, a pretexto do erro da NATO de não dar cavaco ao Conselho durante a execução do mandato para a Líbia;
- e a "quente", no terreno, entre sunitas sauditas e qataris, que se aprestam a financiar e armar quem resista a Bashar, para realmente derrotar o shiita Irão. Com a Turquia a agarrar-se ao muro, enquanto de cima atiça verbalmente as partes, mas só qb....
Israel, vizinho, sabendo que forças extremistas os dois regimes sunitas poēm à solta, prefere o diabo que já conhece, ainda por cima agora acossado: Bashar.
Os EUA registam: em ano de eleições presidenciais, preferem desmultiplicar-se em "reuniões de amigos", como a declarativa de há dias, em Istanbul.
A Europa, em profunda crise economica/politica - que obviamente tem graves repercussões na sua acção externa - não consegue sequer acordar, dentro ou à margem do CSNU, numa "no fly zone", mesmo só de protecção humanitária, mesmo só em território turco....pois declará-la implicaria a obrigação de a securizar... e a Europa não pode com uma gata pelo rabo, depois da Líbia (e como a NATO demonstrou na Líbia).
Pobre povo sírio!
Com amigos destes, ...

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Austeridade assimétrica

«Mário Soares diz que os mais favorecidos têm escapado à auteridade».
A afirmação de Mário Soares não é inteiramente exacta, mas é-o no fundamental. Na verdade, houve um agravamento da IRC sobre os grandes lucros das empresas e do IRS sobre os altos rendimentos, bem como, sob pressão do PS, um aumento sensível da taxa liberatória sobre os rendimentos de capital, de 20% para 25%. Mas é muito pouco quando comparado com os sacrifícios de rendimentos e de perda de regalias sociais impostos à generalidade dos trabalhadores, para não falar dos custos do desemprego.
Face à dimensão da consolidação orçamental em causa ter-se-ia justificada plenamente um imposto extraordinário sobre as grandes fortunas ou pelo menos sobre certas áreas do património facilmente identificáveis, como segundas casas e segundos automóveis, automóveis de luxo, iates, aeronaves, piscinas, etc. Era também uma ocasião de ouro para restabeelcer o imposto sobre sucessões e doações, em má hora extinto pelo Governo Durão Barroso.
Em vez de batalhar ingloriamente contra a austeridade orçamental, a que nenhum governo poderia fugir, mais valera ter lutado focadamente contra uma austeridade tão socialmente iníqua como a imposta pelo Governo PSD/CDS.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Alvos preferenciais

Os funcionários públicos são os alvos preferenciais dos programas de consolidação orçamental. Assim sucede entre nós, aliás desde antes da crise da dívida pública e da intervenção da troika.
É fácil perceber porquê. Primeiro, eles são pagos pelo orçamento e representam uma factura pesada na despesa pública. Segundo, tradicionalmente beneficiavam de um regime mais favorável do que o do sector privado, como maior segurança no emprego, menor horário de trabalho e mais férias, melhor regime de pensões, melhores remunerações em muitos sectores, etc. Terceiro, a sua relação de emprego pode ser unilateralmente modificada pelo empregador público, ao contrário do que sucede no sector privado, onde valem as regras do contrato de trabalho.
As últimas propostas do Governo na matéria, visando maior convergência do regime dos funcionários públicos com os trabalhadores do sector privado, não pode por isso surpreender ninguém.

Código de conduta

Perguntam-me por vezes por que não respondo por via de regra às críticas e aos ataques de que ocasionalmente sou alvo por parte dos comentadores nos jornais ou na blogosfera, mesmo quando infundados ou malévolos.
A resposta é simples. Ainda quando era deputado do PCP, no final dos anos 70, António Almeida Santos deu-me dois preciosos conselhos que tenho procurado seguir nos ocasionais períodos de desempenho de cargos políticos: (1) não recorrer a ataques pessoais no debate político, porque só se favorece o adversário; (2) não responder a críticas ou ataques de comentadores, porque só lhes damos notoriedade e porque não jogamos no mesmo "campeonato". Na actividade política os políticos respondem perante os eleitores, não perante os comentadores.
Tenho-me dado bem com este código de conduta auto-imposto, que me tem poupado a polémicas inúteis e a incómodos desnecessários. Já bastam as exigências próprias da actividade política...

Regra ou excepção?

Não se pode antecipar quem ganhará a 1ª volta das eleições presidenciais francesas, com Sarkozy a superar a diferença que durante muito tempo o separou de Hollande nas sondagens, as quais contudo continuam a apontar para uma confortável vitória do segundo na 2ª volta. O realinhamento dos votantes dos candidatos eliminados na 1ª volta ditará o vencedor.
Desde o início da crise em 2008, a regra tem sido a derrota dos governos nas eleições (Irlanda, Reino Unido, Portugal, Espanha, Dinamarca, etc.). Houve até casos em que os governos caíram mesmo sem eleições (Grécia, Itália). Quem está no governo, independentemente da orientação política, paga a responsabilidade política pela crise (recessão ou estagnação económica, desemprego, corte na despesa pública e nas regalias sociais, etc.).
Não há razão para a França ser uma excepção, dados os problemas económicos e sociais existentes (estagnação económica, desemprego, défice da balança comercial externa, aumento do défice orçamental, perda do "triplo AAA" no rating da dívida pública, etc.).

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A dificuldade de fazer Europeus

Gideon Rachman, colunista do Financial Times, fala neste artigo da dificuldade da União Europeia em "fazer Europeus", um pouco maior do que a da Itália em fazer Italianos desde a unificação, há 150 anos.
Vale a pena ler.

Entrevista

Recolhi no Aba da Causa a minha entrevista ao jornal "i" no dia 8 do corrente mês.

Como era de esperar

«O PS votará a favor do Tratado Europeu».
Como aqui se defendeu, prevaleceu no PS a responsabilidade europeísta em relação ao chamado "Pacto Orçamental", apesar das reservas em relação ao mesmo. E a ideia de apresentar uma resolução política a acompanhar a votação -- uma proposta de "protocolo adicional" ao Tratado, como lhe chamou Seguro --  é um bom "achado".

sábado, 7 de abril de 2012

"Soberania orçamental"

Rejeitar o novo "Pacto Orçamental"  da UE por ser alegadamente atentatório da "soberania orçamental" dos Estados-memebros pode ficar bem à direita e à esquerda nacionalistas, que sempre se opuseram à integração europeia por razões soberanistas. Mas é um argumento descabido no campo do PS, que sabe bem que toda a integração europeia consiste na partilha de poderes soberanos a nível da União Europeia ou na transferência de poderes soberanos para a União. A "união orçamental" que agora se ensaia não constitui excepção.
O Tratado está longe de ser perfeito ou sequer equilibrado. Mas é seguramente um passo em frentre na integração orçamental, "missing link" da união económica e monetária.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

"Inconstitucionalidade"

Não procede a acusação de que o chamado "Pacto Orçamental" da UE (texto oficial aqui) é incompatível com a Constituição portuguesa no ponto em que obriga os Estados signatários a incorporarem no seu direito interno a regra do equilíbrio orçamental bem como a estabelecerem mecanismos automáticos de correcção dos eventuais desvios, neste caso de acordo com  "princípios comuns" definidos pela Comissão Europeia (art. 3º-2).
Por um lado, esse poder da Comissão só se refere às situações de infracção dos limites ao défice pelos Estados, sendo por isso excepcional e plenamente justificado; por outro lado, o Tratado só permite à Comissão indicar o "carácter" das medidas em abstracto, mas não as medidas concretas a tomar em cada situação, que obviamente competem aos governos e parlamentos de cada País. O mesmo preceito do Tratado garante o integral respeito das "prerrogativas dos parlamentos nacionais".
Por isso, a meu ver, a ratificação do novo Tratado não implica nenhuma alteração prévia da CRP, ao contrário do que se verificou várias vezes no passado, desde logo para abrir caminho à própria adesão de Portugal à então CEE (revisão constitucional de 1982) e depois para permitir a ratificação do Tratado de Maastricht (revisão de 1992).

Decididamente

Há uma coisa que o PS não pode nem deve consentir antes deve combater decididamente: que a ajuda externa e as medidas de austeridade por que passamos sejam apresentadas pelo Governo como uma consequência do "desvario do PS na gestão das finanças públicas".
Entre 2005 e 2008 houve um bem sucedido programa de controlo das contas públicas e de redução do défice deixado pelo PSD. Depois houve a grave crise económica de 2008, a tentativa do governo do PS de minorar os seus custos sociais mediante o aumento da despesa pública, o desencadeamento da crise da dívida pública europeia, o governo minoritário do PS em 2009, o plano do PSD desde o Verão de 2010 para desgastar e derrubar o Governo apostando na degradação financeira do País, a intervenção externa na Grécia e na Irlanda, o equívoco orçamento para 2011 por falta de cooperação do PSD, a persistente resistência de Sócrates em recorrer à ajuda externa, o chumbo do PEC IV, que tinha o apoio europeu, pela coligação CDS+PSD+PCP+BE, a consequente queda do Governo e a degradação da situação política e financeira, a secagem do acesso dos bancos ao crédito externo e a sua chantagem sobre o Governo, por fim o inevitável recurso à ajuda externa para evitar um iminente mal maior. O PSD tinha conseguido o que desde há muito queria...
Não é somente uma questão de verdade histórica, mas também de defesa da honra e da responsabilidade política do Partido Socialista no governo do País.

Adenda
Sobre a hsitória do recurso à ajuda externa e os seus custos vale a pena ler o artigo de Pedro Silva Pereira hoje no Diário Económico.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Onde está a esquerda europeia?

"O modelo social europeu está morto", Mario Draghi dixit.
Tem a vantagem de ser a lapalissada que ninguém na Europa deixa assumir.
Será a pedrada que acorda a esquerda europeia?

De lapso em lapso, a destroçar Portugal

Houve um colossal, mas não assumido:
- no orçamento para 2012, o ministro Vitor Gaspar esqueceu-se de orçamentar a despesa em que o Estado incorrerá por ter de pagar as pensões dos bancários, cujos fundos tratou de assumir, por malabarismo contabilistico.
Agora, com o orçamento rectificativo, cai-nos em cima outro lapso de Vitor Gaspar, monumental na desfaçatez de o assumir, hoje, a pretexto de ter baralhado a data do fim do programa de resgate - desculpa esfarrapada para desferir mais um golpe sobre os portugueses porque que afinal só em 2015 serão - parcialmente- repostos décimo terceiro e décimo quarto mês (ou seja, uma medida adicional das tais que o PM há dias apenas afiançava não ver no horizonte).
Haverá mais lapsos, cada vez mais expondo a má-fé dos governantes e cada vez mais empobrecendo a maioria dos portugueses, cada vez tornando mais injusto e desigual o país.
De lapso em lapso, numa estratégia devastadoramente errada, que não está apenas a destruir-nos a economia: está a destroçar Portugal.

Pacto orçamental

Importa lembrar que a ratificação do novo Pacto Orçamental da UE -- que vai de certeza colher o número de ratificações nacionais suficiente para entrar em vigor -- será doravante condição de acesso à assistência financeira da União. A própria aprovação do Pacto em Dezembro passado foi também condição essencial para permitir ao Banco Central Europeu lançar o programa de financiamento dos bancos a longo prazo, que aliviou decisivamente a pressão nos países sob ameaça de estrangulamento financeiro, evitando o risco de "credit crunch".
No caso de Portugal, um dos países sob assistência financeira, uma recusa de ratificação seria politicamente irresponsável por parte dos partidos de governo entre nós (mesmo quando transitoriamente na oposição). Desde logo porque ninguém nos pode garantir que não voltemos a precisar de assistência financeira no futuro, qualquer que seja o Governo...

Uma nova era

Durante décadas pensámos que o nosso nível de vida e de protecção social só poderia aumentar, nunca diminuir. Os constitucionalistas elaboraram mesmo uma teoria da "proibição do retrocesso social", dando como adquirido cada novo patamar de realização do Estado social.
O longo ciclo de retracção económico-social iniciada com a crise financeira de 2008, logo seguida da crise económica de 2009 em diante e prolongada até hoje na crise das finanças públicas, veio desmentir as esperanças arreigadas e as generosas construções doutrinais.
Não é somente o PIB, o rendimento per capita e o emprego que estão a diminuir, mas também o nivel de efectivação de vários direitos sociais. E mesmo quando, passada a crise, aqueles começarem a recuperar, de um patamar bem abaixo do de antes da crise, o mesmo dificilmente sucederá com os segundos, sobretudo devida a constrição das finanças públicas. Afinal o caminho não era sempre para melhor e as conquistas sociais não eram irreversíveis.
Terminou definitivamente a "era expansiva" do Estado social; passamos à "era da resistência". Doravante do que se trata é de salvaguardar o essencial do Estado social contra um direita radical que quer aproveitar a oportunidade para levar tudo raso e desfazer um século de progresso social na Europa.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Abortado um atentado ao Estado de Direito

Como era de esperar, o Tribunal Constitucional "chumbou" o chamado "crime do enriquecimento ilícito", que em má hora uma fronda populista e "justicialista" promoveu e que uma coligação da direita governamental com a esquerda radical fez aprovar no Parlamento. Como aqui afirmei várias vezes, tratava-se de instrumentalizar o direito penal e o Ministério Público para fins de perseguição política. Na verdade, todas as formas de enriquecimento ilícito já são crime...
Tendo resistido sozinho à pressão política e ao oportunismo mediático, primeiro no Governo e depois na oposição, merece homenagem a firmeza do PS na defesa dos mais elementares princípios do Estado de direito em matéria penal (definição precisa dos crimes, necessidade de prova da acusação, etc.), que vêm desde o início da era constitucional. Especialmente preocupante, no sentido oposto, foi o apoio e o zelo da actual Ministra da Justiça na promoção da lei agora felizmente abortada, o que só a descredibiliza.

Beirute, esta manhã

Igreja de Sao Jorge dos Maronitas e Mesquita Mohammad Al Amin, no centro de Beirute, rua dos Lazaristas.

Os custos da pressa

Houve quem se surpreendesse com o novo pulo na taxa de desemprego, um record de 15%. Na verdade, o que surpreende não é a subida do desemprego, consequência fatal do programa de austeridade orçamental e da consequente recessão económica. O que saiu acima das previsões foi a dimensão da subida. Mas os números limitam-se a reflectir a aposta deliberada do Governo, por razões de estratégia política, em encurtar o ciclo da consolidação orçamental, mediante uma sobredose de austeridade concentrada, rapidamente e em força.
Até que as coisas não têm corrido mal ao Governo, numa parte por mérito próprio (convicção e determinação na aplicação da receita), noutra parte por razões externas (estabilização da zona euro, novo programa de ajuda à Grécia e sobretudo maciça disponibilização de liquidez pelo BCE aos bancos). Mas a sobredose das medidas agrava necessarimente a recessão, não somente com os custos sociais inerentes ao maior desemprego mas também com os riscos de derrapagem das próprias metas orçamentais (menos receita fiscal e mais despesa pública, sobretudo subsídio de desemprego). No final, o resultado pode ser a necessidade de medidas de austeridade adicionais...

terça-feira, 3 de abril de 2012

Teste de oposição

O PS precisa de inclusão e não de divisão, de estabilidade e não de agitação, de serenidade e não de crispação, de paciência e não de frenesim.  É na oposição que se testa a resiliência dos partidos de governo.

Erro de focagem

Como era inevitável, na polémica do corte permanente do 13º e do 14º meses de remuneração não faltou logo quem viesse transformar uma questão essencialmente política numa questão de (in)constitucionalidade. Na verdade, porém, as duas remunerações complementares não gozam de protecção constitucional directa nem pertencem ao "núcleo duro" do Estado social que se deva considerar intocável, como o direito à pensão, ou o direito à protecção da saúde, ou o direito ao rendimento mínimo, entre outros. Nem tudo é constitucionalmente protegido nem muito menos irreversível...

Produções Marcelo

Graças ao avanço da tecnologia, chegaram-me aos confins da fronteira sírio-libanesa ecos de lusas querelas, incomparavelmente menos pungentes que as imagens trazidas pelo ribombar das explosões no bucólico encadeamento das colinas.
Tudo porque o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa resolveu servir, no programa de entretenimento que mantém semanalmente na TVI, mais uma das suas imateriais "vichyssoises", desta vez cozinhada sobre as decisões da ultima Comissão Nacional do PS.
Ligeireza e falta de rigor são apanágio das produções Marcelo, que alguns teimam em designar por "comentário político". Mas desta vez o emérito professor quis atirar-se para altas cavalarias culinárias, confeccionando a "teoria da golpaça" para empanturrar o país, envenenar o PS e enterrar António José Seguro.
Porque estive na Comissão Nacional do PS e votei todas as alterações aos Estatutos que lá foram ser discutidas (e foram mesmo, mesmo depois de meses em debate nos órgãos de base do PS), sinto-me no dever de recomendar aos socialistas e aos portugueses que não se deixem tentar pela apresentação sofisticada das terrinas Marcelo: a mistela foi confeccionada com ingredientes fora de prazo, putrefactos.
Ao contrário do que sugeriu o Prof Marcelo, não houve golpaça nenhuma na Comissão Nacional do PS: por votação democrática foi aprovado o método proporcional para a composição das listas de deputados por escolha directa dos militantes - com o meu voto a favor. E foi sujeita a votação democrática - com o meu voto contra - a proposta de fazer corresponder os mandatos dos órgãos electivos aos ciclos eleitorais.
A "golpaça", tal como a "vichyssoise", parece, de facto, emérita especialidade do emérito Prof. Marcelo.
E com especialidades destas, o país fica de sobreaviso sobre os riscos que corre de o ter como candidato à presidência da Republica, sem duvida o conduto dos seus comentários passados, presentes e futuros.

A foice em seara alheia

É inaceitável, por descabida e impertinente ingerência, a observação do funcionário da Comissão Europeia na equipa da troika para Portugal segundo a qual o corte dos subsídios de férias e de Natal deveria tornar-se permanente.
A troika pode impor condições enquanto se mantiver o programa de ajuste assinada por Portugal. Depois dele, o Governo e o Parlamento recuperam a liberdade de decisão política, incluindo quanto aos meios de conseguir os objectivos de equilíbrio orçamental. Saber se as finanças públicas comportam a recuperação das duas remunerações complementares só se pode saber depois e só ao governo português diz respeito.

Na fronteira sírio-libanesa 2

A paisagem é idílica.
Mas atrás da colina ao fundo fica a martirizada cidade de Homs, apenas a 25 km dali.
As bombas de Bashar Al Assad continuam a devastar. E a assustar as crianças, incluindo as do lado libanês da fronteira: ouvimos as explosões e sentimos o tremor.
E a margem esquerda do rio, tão suave a deslizar sobre os seixos, está pejada de minas, semeadas pelas forças de Bashar Al Assad. Para que os sírios não fujam.
Mas cada semana chegam mais 40 a 50 famílias sírias a este enclave libanês, muito pobre, onde a guerra ao lado fez parar a actividade que mais dava sustento: o contrabando.
Chegam muitos feridos, e todos sem nada, só o que lhes cobre o corpo.
São só 35.000 os habitantes no enclave de Wadi Khaled. E no entanto há mais de um ano que as famílias locais solidariamente acolhem mais de 5.000 refugiados sírios.

Na fronteira sírio-libanesa

Crianças sirias refugiadas no norte do Líbano (Wadi Khaled).
Os miúdos chutavam um saco de plástico cheio de lixo: ninguém se lembrou de lhes trazer uma bola e as famílias não têm nada, nem sequer teabalho, vivem do que lhes é dado.
Fotografei-as hoje numa velha escola recuperada pelo ACNUR para alojar 21 famílias (8 a 11 pessoas por família).
Os relatos das razões porque homens, mulheres e crianças fugiram das aldeias próximas da vizinha Síria são coincidentes.
Uma mulher de uns trinta anos, de incríveis olhos verdes, tão verdes quanto tristes, contou-me: "Queríamos viver em liberdade. Os serviços secretos abriram um posto na aldeia, começaram a desaparecer jovens, o meu irmão apareceu morto, mutilado, fora torturado. Víamos imagens do povo a revoltar-se na Tunisia, no Egipto. Começamos a fazer manifestações, nao pediamos que Bashar caisse, queríamos reformas, liberdade, serviços de água, electricidade, trabalho. Bashar mandou os tanques bombardear-nos, vieram a seguir por fogo às nossas casas. Tívemos de fugir só com as roupas que tínhamos vestidas, para sobreviver e salvar os nossos filhos. Perdi um no caminho, com seis anos, a passar o rio. Corriamos durante a noite, pelo mato. Eles vinham atrás de nós, procurávamos evitar as minas espalhadas ao longo da margem do rio. Vivo atormentada, não sei se se o menino vive! antes esteja morto! Quero voltar ao meu país, mas só com Bashar derrubado. Só o Exercito Livre da Siria nos pode valer, existe para protege o povo. É a nossa unica esperança".