sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Combater a corrupção e a injustiça fiscal

"Fala-se muito em combate à corrupção, por estes dias. Por causa da prisão do ex-PM Sócrates, da condenação a prisão do ex-líder da bancada do PSD Duarte Lima, das prisões de altos quadros do Estado indiciados nos "vistos dourados". E por causa do BES, dos submarinos, do BPN, do BPP  - estes, casos em que estão em causa montantes astronómicos esbulhados ao Estado e, singularmente, não há presos...
Por causa também do Índice de Percepção da Corrupção publicado pela Transparência Internacional que posicionou Portugal estagnado entre Chipre e Porto Rico.  Porque, embora se multipliquem os casos de corrupção expostos, os portugueses não vêem serem punidos corruptores e corruptos -  o que foi confirmado por um relatório da OCDE que põe Portugal no topo dos países onde os grandes subornos no Estado gozam de total impunidade.
Não faltam oportunidades para reciclar a corrupção com a obcessao austeritária do Governo  - dos devedores não importunados do BPN, no BES ainda por avaliar os estragos, nos "vistos dourados", nas privatizações ao desbarato. O Governo gaba-se de combater a fuga ao fisco com as facturas exigidas a cabeleireiras e bate-chapas, mas faz aumentar os investimentos de portugueses em paraísos fiscais - só no Luxemburgo entre 2011 e 2013 duplicaram para 14 mil milhões de euros, segundo o FMI.
Para explorar a prisão de José Sócrates, o Primeiro Ministro trouxe de volta a criminalização do enriquecimento ilícito, que o própria coligação enterrou com  uma formulação toscamente inconstitucional.  Eu, que sempre defendi a consagração na lei do crime de enriquecimento injustificado, penso que o PS deve sem demora apresentar um projecto de lei que o logre, sem inverter o ónus da prova - o que é possível.
Mas combater a corrupção está para além de mais legislação - como há dias observou António Costa: depende de vontade política. Em todos os azimutes.  Desde logo no seio dos próprios partidos políticos e no parlamento - onde é crucial separar os negócios da política, reforçar e controlar incompatibilidades e declarações de interesses. É preciso investir na transparência da administração, na publicitação dos documentos e actos, no escrutínio publico e no apetrchamento e capacitação dos corpos especiais  do Estado - como as policias e as magistraturas. 
Nos últimos tempos, a justiça portuguesa conseguiu reunir meios para lançar grandes operações de busca, apesar de patéticos equipamento e condições. Actuou na base de indícios e de informações a que antes não tinha acesso, mas hoje tem. Designadamente  sobre contas bancárias e activos transferidos para paraísos fiscais, como a Suíça. A cooperação judicial conseguida decorre de legislação europeia (as directivas contra o branqueamento de capitais e a directiva chamada das poupanças)  e também americana: ambas encurralaram a Suíça, forçando-a  a cooperar na investigação de crimes fiscais,  além dos de corrupção.  
No Congresso do PS eu pedi o compromisso de que "amnistias fiscais nunca mais" - esta é uma questão central não apenas de justiça fiscal, mas também da luta contra a corrupção. Os RERT - Regime Especial de Regularização Tributária, introduzidos pelo governo de Sócrates em 2005 a pretexto de atrair capitais parqueados no exterior, revelaram-se um expediente perverso para capturar o Estado e lavar dinheiro ilicitamente adquirido. Em 2005 e 2010 aplicando uma taxa obscena de apenas 5% sobre os capitais repatriados. Em 2012, graças à investigação Monte Branco, o Governo de Passos Coelho e Portas tinha cerca de 4 mil milhões identificados e detidos por portugueses na Suíça e noutros paraísos fiscais. Podia ter accionado mecanismos de confisco ou taxas brutais de imposto, tal como aplicou à classe média em Portugal : mas preferiu subir a taxa para uns módicos 7,5 % e foi mais longe na perfídia ao serviço de corruptos e grandes criminosos fiscais - branqueou-lhes dinheiro e crimes, sem obrigar, sequer, ao repatriamento dos capitais.
A prisão do ex Primeiro Ministro José Sócrates abalou o PS e o país e vai afectar os tempos à nossa frente, para além das legislativas. Se José Sócrates estiver inocente ou não for sequer acusado, enfrentaremos o descrédito, o descalabro, no sistema de Justiça: torna-se mais premente e profunda a reforma a fazer pelo próximo Governo. Se Sócrates for culpado e a justiça for capaz de o provar, o PS, por muito que isso custe a muitos,  terá de exigir punição exemplar - não apenas porque ser antigo PM tem de ser causa de agravamento da culpa, mas porque terão sido traídos o próprio PS e os portugueses.
Seja qual for o cenário, ao PS cabe de tomar a iniciativa, assumir compromissos para o futuro e apresentar propostas que desde já confrontem o Governo com as suas responsabilidades no combate à corrupção, incluindo através do confisco em favor do Estado dos proventos da corrupção e da criminalidade fiscal conexa.
Termino com uma pergunta que tem a ver com aquilo de que falo:
- o MNE anuncia uma visita a Luanda em breve: vai instar o Presidente José Eduardo dos Santos a cumprir a garantia firme definitiva e irrevogável que prestou ao BESA?"

Transcrição da minha crónica desta semana no Conselho Superior, ANTENA 1 (9.12.2014)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Anarcoparlamentarismo


Eis os primeiros parágrafos da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico. Pode uma democracia parlamentar prescindir da disciplina parlamentar?

Tortura

 

O relatório do inquérito do Senado dos Estados Unidos sobre os métodos da CIA na luta antiterrorista a seguir ao 11/9 veio confirmar toda a extensão de brutalidade e crueldade da tortura infligida aos suspeitos reais ou imaginários de terrorismo, que tem de dar lugar a uma amarga reflexão sobre a vertigem autoritária irracional que se pode apossar dos regimes democráticos e espezinhar os mais elementares ditames do Estado de direito.
Em contrapartida, o relatório revela que, apesar do atraso no seu reconhecimento, os serviços de segurança dos Estados Unidos estão sujeitos a um escrutínio do Congresso muito mais exigente do que o da generalidade dos países. Um relatório destes não seria possível em muitas outras democracias ocidentais.
Ao menos que (mais) esta página negra da história dos Estados Unidos sirva pra impedir a sua repetição no futuro.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

domingo, 7 de dezembro de 2014

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Cheira a eleições...


Há nesta benesse governamental dois fatores indecentes: (i) o oportunismo eleitoralista, abusando dos privilégios de empregador público; (ii) a discriminação dos trabalhadores do setor privado, cujos impostos pagam as prerrogativas do setor público.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Leituras


Sem surpresa, o artigo de Francisco Assis no Público de hoje mostra que ele não compartilha da "inclinação à esquerda" que resultou do Congresso do PS.
Mas uma das grandes qualidades do PS é a diversidade e pluralidade de opiniões e posições, mais ou menos à esquerda, sem anátemas nem exclusões. Por isso, não compreendo a sua decisão de ficar fora dos novos órgãos dirigentes do Partido. Nos partidos quem decide ficar de fora deixa de fazer falta.

"Quem guarda o guarda?


Vale a pena ler a carta de Sócrates, hoje no Diário de Notícias.
Se a intenção da prisão preventiva era calá-lo, o tiro saiu pela culatra. Há homens que não vergam nem capitulam.


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

"Economia social de mercado"



Eis os primeiros parágrafos da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico.

Testes de Costa (5)

Observam-me que não introduzi nem o Livre nem o PDR (Marinho Pinto) na equação das possíveis coligações de governo com o PS.
É verdade, e não foi esquecimento. São as seguintes as razões. Primeiro, duvido que com uma forte alternativa política do PS protagonizada por António Costa esses partidos tenham grandes chances eleitorais; meia dúzia de deputados pode não ser suficiente para fazer uma maioria com o PS. Segundo, e mais importante, não aposto nem na viabilidade de uma tal coligação (por exemplo, a oposição de princípio do Livre ao Tratado Orçamental da UE) nem sobretudo na sua consistência e estabilidade, correndo o risco de naufragar à primeira dificuldade política, se não ao primeiro orçamento. Terceiro, como já disse, optar por uma aliança à esquerda e preterir uma coligação ao centro significa prescindir de um conjunto de reformas necessárias que só podem ser feitas com o PSD.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Testes de Costa (4)

Em resumo, na minha interpretação, o que AC pretende é lançar um desafio aos eleitores: se querem uma mudança de política com estabilidade e consistência governativa, o melhor é assegurar uma maioria absoluta ao PS, visto que não podemos contar nem com um compromisso governativo por parte do BE e do PCP nem com nenhuma reorientação política por parte do PSD.
E ao lançar este desafio explícito aos eleitores, AC responsabiliza-os também pelas consequências, incluindo a solução governativa que se tornar necessária, caso não obtenha a ambicionada maioria absoluta.

Testes de Costa (3)

Como já disse muitas vezes em modo de analista político, o que me parece é que, caso o PS não obtenha maioria absoluta, a solução governativa de última instância acabará por ter de ser uma coligação com o PSD, por três razões: (i) por ser de excluir um governo minoritário; (ii) porque não se afigura viável nenhum compromisso do BE ou do PCP numa solução governativa com o PS; (iii) porque há reformas necessárias para o País que só são possíveis com o PSD (na administração pública, na justiça, no sistema eleitoral, na administração territorial, no sistema de governo municipal, etc.).
Por razões óbvias, porém, se quer maximizar as hipóteses de maioria absoluta, AC não pode permitir-se especular sobre nenhum cenário alternativo.

Testes de Costa (2)



Considero precipitada a ideia de que AC rejeitou liminarmente a hipótese de uma coligação de governo com o PSD (na imagem notícia do Público), em caso de necessidade.
Na minha interpretação, o que ele disse sobre matéria governativa foram três coisas: (i) por todas as razões, é preferível um governo de maioria absoluta do PS; (ii) não é de aceitar a noção do "arco da governação" limitada ao trio CDS-PSD-PS, pelo que o BE e o PCP têm de ser desafiados a participar numa eventual aliança de governo; (iii) independentemente da liderança do PSD, está excluída qualquer coligação de governo à direita "que se traduza na prossecução das mesmas políticas do atual governo".
Por consequência, AC não excluiu nenhuma força política de alguma eventual  aliança governativa, tendo excluído, sim, a continuidade de políticas de "austeridade" e de "empobrecimento". Nem era de esperar que dissesse coisa diferente. A única novidade (sem constituir nenhuma surpresa) está na afirmação de que não basta uma mudança de liderança no PSD (de "Pedro" para "Rui") para o tornar um parceiro de governo aceitável.

Testes de Costa

O novo líder do PS tinha de responder a quatro testes fundamentais neste Congresso: o caso Sócrates, a unidade do Partido, a renovação da direção e a afirmação da sua liderança pessoal. Superou-os a todos com galhardia e aparente facilidade.
Mas a caminhada para a conquista do poder só agora começa. Três questões ficaram pendentes de resposta em melhor oportunidade: as políticas concretas para a saída da crise no contexto da incontornável disciplina orçamental (o primeiro orçamento vai ser um teste crucial); a solução governativa em caso de vitória sem maioria absoluta, excluída a hipótese de governo minoritário; a candidatura presidencial a apoiar pelo PS, caso falhe a hipótese Guterres.

sábado, 29 de novembro de 2014

Intervenção no XX Congresso do PS

Camaradas,

Vivemos tempos em que os valores da ética republicana e democrática parecem já não ser respeitados e muitas instituições parecem infiltradas por oportunistas e criminosos, ao serviço de interesses particulares, contra o interesse público e nacional.

A degenerescência não é apenas nossa, é europeia e global:  decorre deste estádio do capitalismo, dominado pelo sector financeiro especulativo, que vive da captura dos agentes políticos e do Estado. Entender isto é fundamental para travarmos o combate e o sabermos orientar estrategicamente pela regeneração do país e da Europa.

Para isso, precisamos mais do que nunca de um PS forte, unido e determinado. Sem o PS não salvaremos Portugal da destruição e venda ao desbarato em que o Governo de Cavaco Silva, Passos Coelho e Paulo Portas se esfalfa. Só o PS pode resgatar o povo português do empobrecimento material, moral e anímico em que as políticas desta troika, e da outra, o enterram.

Vamos prosseguir contigo, António Costa, a regeneração que António José Seguro iniciou, tirando o PS da fossa de 2011. A separação rigorosa e controlada entre actividade política e negócios é  imperativa para credibilizar a política e os políticos.

A alternativa que Portugal exige ao PS implica a construção - e depois a aplicação, quando o PS for governo - de um programa de reformas no Estado que ajude a por a economia a crescer estrategicamente e a criar emprego decente em sectores com futuro - das energias renováveis ao digital, passando pelo mar, sem esquecer o agro-industrial - voltando a dar confiança e esperança aos cidadãos.

E às cidadãs também! Orgulhamo-nos do papel pioneiro do PS na promoção da paridade em Portugal. Não pode haver retrocesso: as próximas listas para as legislativas serão homem/mulher, como foram nas eleições europeias. E o próximo governo PS será paritário.

Central na Agenda para a Década -  e na agenda para o ano que vem, já -, tem de ser a reforma da fiscalidade. O actual sistema é iníquio, fomentador da desigualdade, uma selva propiciadora de corrupção e evasão fiscal, penalizadora de quem trabalha, cria riqueza e inova. O estudo tem de começar já e tem de se articular com o combate pela harmonização fiscal na União Europeia, única forma de esvaziarmos os paraísos fiscais e acabarmos com a corrida para o fundo disputada entre europeus e ilustrada pelo escândalo Luxleaks. Amnistias fiscais como as que foram introduzidas em 2005 e acabaram a  beneficiar evasores fiscais de alto e de baixo coturno - nunca, nunca, mais!

A reforma do Estado tem de ter em conta que vivemos num mundo interdependente mas desresregulado, exposto a novos riscos e ameaças, que não conhecem fronteiras e assentam em tecnologias que subitamente podem paralisar infra-estruturas críticas para a  vida quotidiana e a segurança básica dos cidadãos. Ao contrário do que este Governo quer fazer crer, Portugal não está preparado para se proteger e proteger recursos próprios do terrorismo, da criminalidade organizada, de ataques cibernéticos, de pandemias, etc.. E este Governo tem agravado a impreparação: as Forças Armadas estão a ser destruidas e a floresta de estruturas policiais e de serviços de informação sobrepõe e duplica meios, desperdiça recursos e fomenta perigosas rivalidades - veja-se o "varrimento electrónico" que o SIS se prestou a fazer contra a investigação judicial ao esquema corrupto e criminoso dos "vistos dourados".

Finalmente, uma governação socialista tem de cuidar da nossa capacidade de identificar, defender e promover os interesse nacionais na União Europeia - como bem frisou o  Secretário Geral António Costa. Temos de aprofundar a integração política e económica, reforçar o Euro, o Mercado Interno, trabalhar pela justiça social, os direitos humanos, uma economia verde e inteligente. Temos de trabalhar para potenciar a União Europeia como instrumento da tão  necessária regulação global.

Camaradas,

Tenho a convicção de que o PS há-de sair deste Congresso mais forte e unido, porque nós no PS sempre  soubemos reagir às adversidades que pareciam abater-nos. Sempre soubemos fazer, em momentos difíceis como o que atravessamos, a síntese racional das perspectivas internas diversas que protagonizamos, em razão de uma razão socialista que a todos nos une, fundada na consciência arreigada do bem comum dos portugueses, que nunca atraiçoamos.

Muita, muita força, António Costa!
Vamos fazer a mudança que Portugal exige. Estamos contigo. Avançamos contigo.

Viva o PS! por Portugal.

Viva Portugal!

Ana Gomes
29 de Novembro de 2014

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Modo tablóide (2)


O semanário Expresso também não escapou à vertigem tabloidista em que o deontologia jornalística é a primeira vítima, como nesta peça em que, com um jogo de palavras pouco subtil, se permite adotar no título a tese da acusação sobre a suposta "casa de Sócrates" em Paris.
Salvo a suspeita da polícia posta a correr, o Expresso tem alguma prova concludente de que a casa não pertence mesmo ao titular do registo predial?! Não seria curial, numa postura de jornalismo sério, dizer "Alegada casa de Sócrates..."
Simplesmente lamentável.

Modo tablóide (1)

A febre tabloide no caso Sócrates contaminou mesmo os jornais mais sérios. Só isso pode explicar esta descabida notícia do Público, segundo a qual "Sócrates opôs-se à lei do enriquecimento ilícito", deixando implícito que "o malandro já estava em pensar em como se safar".
Ora, a verdade é que o desatino do PSD em criar um novo tipo de crime era manifestamente inconstitucional, como aqui defendi na altura própria e como depois decidiu concludentemente o Tribunal Constitucional (como, aliás, o próprio Público lembra, porém sem retirar a moralidade desse facto). Afinal, o PS tinha toda a razão na sua oposição ao tal abstruso "crime de enriquecimento ilícito".

[Revisto]

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Leituras


Os fatores da crise, segundo Rui Rio.

Adenda
A observação de Rio que foi selecionada para título da peça merece dois comentários: (i) há democracia porque há eleições democráticas (livres, justas e concorrenciais), pois as ditaduras também podem ter eleições de fachada (ver o Estado Novo); (ii) como alguém disse, a democracia eleitoral pode ser o regime político mais imperfeito do mundo, descontados todos os outros.

Abuso de autoridade (7)

Enquanto Sócrates foi preso preventivamente por alegado risco de destruição de documentos, apesar de ter havido buscas em sua casa e em tudo o que podia mexer à volta dele, o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, que foi mantido em liberdade mediante caução, só agora é sujeito a buscas, passadas várias semanas.
A uniformidade de critérios é justamente apontada como um dos testes da imparcialidade. A duplicidade de critérios do Ministério Publico e do juiz de instrução nestes dois casos é edificante!

"Igual proteção da lei"


Estes são os primeiros dois parágrafos do meu artigo semanal de ontem do Diário Económico, sobre o caso Sócrates (que já vai em mais de 1000 "shares").

Abuso de autoridade (6)

Em mais um frete jornalístico no "caso Sócrates", jornal i informa que o Ministério Público ainda anda à procura dos "corruptores" de Sócrates, ou seja, dos que supostamente pagaram as estratosféricas luvas que a polícia/MP "sugeriu" à imprensa.
Esta notícia confirma o pior que aqui tinha sido aventado em anterior post: a polícia, o MP e o juiz de instrução imputaram publicamente a Sócrates um crime (pelo qual foi detido e pelo qual está em prisão preventiva) sem ter nenhum "corpo de delito". O MP não tem apenas falta de corruptores (sem os quais, aliás, não há corrupção); nem sequer tem nenhum caso concreto em que o ex-PM tenha sido "comprado". Ao contrário de Pirandello, a polícia e o MP inventaram primeiro a corrupção e um autor e agora andam à procura das personagens.
Prender em nome de uma suposição criminal para depois investigar é pôr o processo penal de pés para o ar. E é uma qualificada violação da "constituição penal" da CRP. Uma vergonha!

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Abuso de autoridade (5)

Quer na primeira comunicação pública da PGR sobre a detenção de Sócrates quer no despacho do juiz de instrução, Sócrates é indiciado por crime de corrupção. Todavia, sabe-se agora que ele não foi confrontado com nenhuma imputação concreta relativa a tal crime. O seu advogadpo é perentório:
Isso condiz, aliás, com o facto de a imprensa que tem sido alimentada pelas informações filtradas para fora do processo não tenham trazido nada sobre a matéria.
Isto  é de uma extrema gravidade. Ou a investigação não tem nenhum elemento de prova ou, se a tem, resolveu escondê-la no interrogatório de Sócrates. Seja como for, manter uma acusação pública por alegados factos que se desconhecem e com os quais o interessado não foi confrontado é um ultraje aos direitos processual-penais de qualquer pessoa. Todo o detido por suspeita de um determinado crime (ainda por cima um crime infamante como este) tem o direito elementar de saber em que factos se baseia a imputação de tal crime.
Decididamente o Estado de direito está ser gravemente atropelado neste processo.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Abuso de autoridade (4)

Parece que entre motivos para justificar a aplicação da prisão preventiva a José Sócrates, o juiz de instrução incluiu o perigo de fuga. Lê-se e não se acredita!
Como se não bastasse a arbitrariedade da decisão, junta-se a ela a injúria à vítima!

Adenda
Mesmo que houvesse algum real perigo de fuga, por que é que medidas de coação alternativas, como a detenção domiciliária vigiada ou a caução financeira, não bastavam para evitar tal risco? Parece óbvio que se pretendeu "a outrance" prender Sócrates, com ou sem razões para isso.

Abuso de autoridade (3)

Este anúncio de que a PGR abriu inquérito para averiguar a violação do segredo de justiça no caso Sócrates seria ridículo se não fosse pouco sério. Se há um crime banalizado e sistematicamente impune em Portugal é a violação de segredo de justiça, perante a escandalosa passividade da PGR.
Que meios é que a PGR vai agora utilizar para fazer diferente? Vai utilizar escutas telefónicas? Vai fazer buscas às redações e apreender computadores e documentos? É óbvio que não! Isso são instrumentos que só se usam para os suspeitos de crimes comuns, não para os próprios agentes judiciários que abusam das suas funções para envenenar a opinião pública.

Adenda
A pérola cínica desta notícia é que se refere à "eventual violação do segredo de justiça". Eventual!? Isto é de pasmar! Então a violação não é evidente e manifesta, tanto neste caso como noutros anteriores, constante da divulgação reiterada e pormenorizada de dados que constam da investigação? Então os próprios jornalistas não estão vinculados pelo segredo de justiça? Então essas informações não lhes são fornecidas por alguém de dentro da investigação ou com acesso a ela?

Adenda 2
Acusam-me de só protestar contra a violação do segredo de justiça quando ela prejudica os "meus amigos políticos". É uma acusação totalmente falsa. Sempre tenho denunciado, ao longo dos anos, essa chaga da nosso justiça penal. Ainda há duas semanas o fiz novamente, a propósito dos arguidos no caso dos vistos dourados, aqui: http://causa-nossa.blogspot.pt/2014/11/a-saque.html

A detenção de José Sócrates

Em todo o mundo a notícia da detenção de José Sócrates mereceu destaque nos media. Isso também aconteceu na Tunisia, de onde estou a regressar da observação  das primeiras eleições em que o povo tunisino pode escolher livremente quem vai presidir à sua República. A Tunisia, recordo, foi o país onde o povo se revoltou contra a opressão e a corrupção, dando início à chamada "primavera árabe". E é o único que efectivamente a prossegue, como demonstram as eleições legislativas realizadas no mês passado já num novo quadro constitucional, e agora as presidenciais, que deverão ainda passar por uma segunda volta em Dezembro. Esta Tunisia a percorrer o seu caminho de transição democrática é, compreensivelmente, um vizinho mediterrânico que olha para nós, tendo-se mesmo inspirado na experiência portuguesa para certas soluções constitucionais democráticas que ensaia. Que ironia estar em Tunis e ser subitamente questionada por tunisinos sobre o significado da prisão de José Sócrates!  E que oportunidade de lhes dizer que em democracia ninguém está acima da lei e que  democracia supõe o funcionamento independente da justiça e o respeito de todos por essa independência.
Apesar de estar fora,  graças às redes sociais e aos media fui  seguindo os acontecimentos que abalaram o país nestes dias. Porque é inegável que a investigação judicial com que José Sócrates, juntamente com outros arguidos, está a confrontar-se, abalou o país e abalou, de forma muito particular e contundente, os socialistas, entre os quais me incluo.
Certa da gravidade e do melindre da detenção de quem foi até 2011 Primeiro Ministro de Portugal e Secretário Geral do PS, e a quem foi ontem aplicada pelo Tribunal de Instrução Criminal a prisão preventiva - a medida de coacção mais grave do cardápio das medidas possíveis - tudo me obriga a medir muito bem o que, a propósito, tenha a dizer.
Não pertenci ao círculo de amigos ou colaboradores próximos de José Sócrates, tendo dele ou da acção do seu governo publicamente dissentido em várias oportunidades e circunstâncias. Embora tenha feito - e mantenho - uma apreciação genericamente positiva da sua governação, nomeadamente a desenvolvida no primeiro mandato.
É pela insuspeição, que julgo decorre do que acabo de recordar, que devo sublinhar que José Sócrates ainda não foi acusado e muito menos julgado e condenado, pelo que quer que seja. Tal como todos os portugueses, quero - preciso mesmo - de ver fundamentadamente explicitadas pela Justiça quais as suspeitas de crimes que sobre ele impendem e de ouvir o que tenha  a dizer em sua defesa ou explicação.
Por que me revejo totalmente na posição que foi expressa  no passado sábado pelo Secretário Geral do PS, António Costa, acerca do respeito a manter pela acção da Justiça, guardarei para outra oportunidade, se acaso isso se vier a justificar, as reflexões que me suscitam episódios ocorridos sobre o segredo de justiça, sobre o comportamento de certos órgãos da comunicação social escrita e sobre vicissitudes comunicacacionais dos tribunais...
Quanto às consequências políticas que tudo isto acarretará para o PS, recomendaria a responsáveis de outros partidos políticos que mantivessem a circunspecção a que até aqui se têm atido. Qualquer eventual tentativa de aproveitamento acarretaria riscos de nenhuma força partidária se sair bem deste gravissimo problema, potenciando o completo descrédito do regime democrático aos olhos do povo português. 
Dos socialistas, de todos os socialistas, espero, com base na unidade já demonstrada na eleição de António Costa como Secretário Geral do PS, que canalizem sentimentos, racionalidade e energias para a construção da alternativa de governo com que o PS terá de responder aos anseios de mudança do povo português. O Congresso no próximo fim de semana oferecerá uma oportunidade crucial para o PS não só debater o programa que terá, a seu tempo, de apresentar aos portugueses, como para assumir inequívocos  compromissos de transparência, rigor e ética em próxima governação.


(Minha crónica no "Conselho Superior" da ANTENA 1, esta manhã)

domingo, 23 de novembro de 2014

Exageros

Vai por aí uma grande especulação sobre o impacto político da detenção de Sócrates. Não falta quem vaticine uma forte punição eleitoral do PS e, mesmo, uma crise de regime.
Sem negar algum possível impacto sobre o PS, não compartilho dessa opinião catastrofista, tratando-se de um ex-primeiro-ministro afastado há mais de três anos da vida política. Mesmo que Sócrates viesse a ser acusado e condenado pelos crimes pelos quais foi detido, não creio que isso provocasse um abalo telúrico nem no PS nem, muito menos, no regime.
Já vejo sério risco de golpe profundo na credibilidade do regime de investigação criminal e do Ministério Público, se esta operação de grande escala contra o ex-primeiro-ministro, deliberadamente mediatizada a partir de dentro, se revelar infundada ou, pior do que isso, produto de uma agenda política ou corporativa.

A ver se percebo bem

Na nota da PGR de ontem sobre a detenção de José Sócrates e de outros suspeitos são referidas suspeitas de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal. Desde então a imprensa e a televisão tabloide que têm explorado a tema e que aparentemente estão bem informadas sobre o dossiê (assim vai o segredo de justiça em Portugal!,..) não se têm cansado de referir contas bancárias nutridas (que, aliás, não pertencem a JS) e chorudos movimentos bancários (aliás, não efetuados por JS). Todavia, sobre a principal imputação -- a de corrupção (passiva, supõe-se) -- nem uma palavra.
Ora, para haver tal crime é necessário que o titular de cargo público tenha recebido ou solicitado dinheiro (ou outro benefício) para tomar ou omitir certa decisão. Pessoalmente não acredito que isso tenha ocorrido no caso de JS. Independentemente, porém, da convicção pessoal de cada um, a verdade é que é preciso invocar e provar casos concretos de recebimento de vantagem pessoal no exercício de funções públicas. E tendo em conta as somas de que se fala, devem ser muitos. Onde estão eles?

sábado, 22 de novembro de 2014

Abuso de autoridade (2)

Não basta à PGR anunciar em abstrato os tipos delituais de que Sócrates é suspeito, dando pasto às mais mirabolantes, odientas e assassinas especulações, como está a suceder. É obrigatório saber-se em que tipo concreto de atuações consistem as suspeitas, a que tempo se reportam e nomeadamente se envolvem responsabilidades como governante ou não.
Num  Estado de direito, os suspeitos têm pelo menos o direito a não serem expostos a condenação e lapidação sumária em público, antes mesmo de haver acusação.

Abuso de autoridade

É evidente que num Estado de direito ninguém está acima da lei penal, incluindo ex-primeiros-ministros. Mas também todos têm direito a igual proteção da lei. Era mesmo necessário ir deter José Sócrates à saída do avião? Não era possível esperar que chegasse a casa? E era preciso avisar previamente todas as televisões e arranjar aquele "estardalhaço" no aeroporto de Lisboa?