quinta-feira, 23 de julho de 2015

Privacidade e segurança coletiva

Concedo que no mundo de hoje, com ameaças novas à segurança (nomeadamente o terrorismo internacional), é preciso dar aos respetivos serviços os necessários meios de ação, incluindo a monitorização de comunicações privadas (naturalmente com os necessários meios de controlo para prevenir abusos, incluindo autorização judicial). Por isso, concordo com a proposta de lei agora aprovada de facultar aos serviços de informações o acesso aos chamados metadados das comunicações (identidade, localização e duração), que aliás não incluem o acesso ao respetivo conteúdo.
Todavia, resta saber se essa solução é possível sem revisão constitucional. De facto, nem tudo o que parece razoável sob o ponto de vista da segurança tem cobertura constitucional. Sucede que a Lei Fundamental só admite a ingerência nas comunicações privadas em caso de investigação criminal, o que não é o caso. Ora, parece evidente que, mesmo sem acesso ao conteúdo das conversas e mensagens, os tais metadados fornecem uma informação altamente sensível sobre as comunicações das pessoas. Por isso, é de esperar que o Presidente da República suscite a fiscalização preventiva da constitucionalidade da norma em causa.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Pressão eleitoral

O Presidente da República reiterou enfaticamente a sua convicção no sistema de governo parlamentar (recusando soluções fora do quadro parlamentar e partidário) mas também a sua posição de que o próximo Governo deve ter apoio parlamentar maioritário, pelo que na falta de uma maioria eleitoral devem ser negociadas as necessárias coligações pós-eleitorais.
Cavaco Silva não esclareceu que instrumentos vai usar para "forçar" tal solução e se se recusará a nomear um governo minoritário, caso não consiga levar a sua posição avante. Todavia, a posição do PR vai ter dois efeitos políticos óbvios: (i) as duas forças candidatas à vitória eleitoral (PS e coligação PSD-CDS) vão redobrar a sua postura bipolarizadora ("ou nós ou eles"); (ii) ambos vão ser sujeitos a maior pressão para declararem antecipadamente se estão disponíveis para coligações no caso  de ganharem sem maioria absoluta (como é o mais provável).

Público ou privado?


Abertura da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico. Se se tivesse seguido a minha proposta de há dez anos, quantos milhões não se teriam poupado ao orçamento e aos contribuintes?

Adenda
Há quem me acuse de "traidor" dos interesses comuns dos funcionários públicos. A diferença está em que enquanto muitos só veem os seus interesses próprios eu combato os privilégios de grupo, mesmo quando sou beneficiário deles.

Voltar ao mesmo?

A crise financeira de 2008 -- que desencadeou depois a crise do euro e das dívidas soberanas -- foi em grande parte provocada por falta ou défice de regulação e/ou supervisão do sistema financeiro. Por isso, tanto nos Estados Unidos como na Europa, a resposta à crise incluiu um reforço da regulação e da supervisão.
Parece, porém, que a maré está de novo a mudar. No Reino Unido o presidente da Autoridade de Supervisão Comportamental, que defende os interesses dos consumidores e dos clientes de produtos financeiros, acaba de se demitir (depois de saber que não verá o seu mandato renovado). O Financial Times refere que nem o Governo nem a City gostavam da sua atitude firme e severa contra as prevaricações do operadores. Será que vamos voltar à era da light-handed regulation, de tão má memória e tão nefastas consequências?

terça-feira, 21 de julho de 2015

Apóstolos


Paul Krugman, grande apoiante do Syriza na sua guerra contra Bruxelas, diz agora que pode ter «sobrestimado a competência do Governo grego».
Quando até os apóstolos começam a duvidar da competência dos profetas, as coisas podem começar a descarrilar!

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Sondagens



Desde o princípio que questiono se o PS deve dar apoio a Sampaio da Nóvoa na corrida presidencial. Esta sondagem vai ao encontro da minha tese. Para já, o assunto está adiado (e deve continua a estar) até às eleições parlamentares.

A ler


Desde que conheci esta economista, vai para 15 anos, na ECORDEP -- que elaborou uma proposta de reforma da despesa pública em Portugal (e cujas propostas, a terem sido seguidas, teriam poupado muitos amargos de boca orçamentais) -- nunca mais deixei de apreciar a sua discreta sabedoria e prudência. Mais uma vez, vale a pena ler esta oportuna entrevista no Diário Económico.

sábado, 18 de julho de 2015

Balanço da legislatura


O Jornal de Negócios examinou a veracidade das afirmações do Primeiro-Ministro na recente entrevista televisiva. O resultado não é propriamente positivo em vários pontos e põe em causa a credibilidade do discurso ensaiado pelo chefe do Governo sobre o "processo de recuperação em curso".
Independentemente disso, Passos Coelho tem um problema insolúvel: mesmo que a evolução recente da economia, do consumo privado, do emprego, etc. seja positiva, a verdade é que a comparação tenderá sempre a ser feita com o início do seu Governo em 2011, ou seja, o balanço da legislatura (pelo menos enquanto permanecer a memória dos anos mais duros da austeridade, 2011-2013). E o saldo continua a ser negativo em muitos aspetos (PIB, rendimento das pessoas, emprego, etc.).
Tentar martelar os números e as comparações só agrava as coisas.

ADSE

1. O relatório do Tribunal de Contas sobre a ADSE veio confirmar que para equilibrar as contas do sistema não era necessária uma subida da quotização dos beneficiários para 3,5% da remuneração. Resta saber se o excedente excecional assim criado, após décadas de défices cobertos pelos impostos de todos (que chegaram perto de 50%!), não é transitório face aos riscos de sustentabilidade que o relatório também identifica.

2. O relatório do TdC informa também do calote das regiões autónomas (de muitas autarquias locais) à ADSE. É um escândalo que não pode continuar. Se as duas regiões autónomas retêm as quotas dos beneficiários da ADSE, a solução é obviamente  interromper a sua cobertura. Não há razão nenhuma para que os beneficiários do Continente financiem os beneficios dos funcionários dos Açores e da Madeira, cujas contribuições não chegam à ADSE.

3. O TdC considera que, depois de suprimidos algumas responsabilidades do SNS que ainda estão a cargo da ADSE, esta passa a prosseguir exclusivamente "fins privados, alheios ao Estado", sendo financiada por "fundos privados". Mas sendo assim, não se compreende que ela continue na esfera pública e a ser gerida pelo Estado. O solução está obviamente em privatizar o sistema, retirá-lo das contas públicas e entregar a sua gestão aos interessados, em auto-gestão mutualista ou noutro sistema concertado com os beneficiários.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Sectarismo

Ao decidir alterar a lei da IVG no final da legislatura, colocando um obstáculo psicológico adicional às mulheres, a coligação governamental reabre levianamente uma questão sensível, que pura e simplesmente tinha desaparecido da agenda política e social.
Resta saber se, para ir ao encontro da sua ala "pró-vida" mais reacionária, a coligação de direita não aliena o eleitorado centrista, que abomina o sacrifício da liberdade e da dignidade das pessoas nas aras do fundamentalismo religioso e do sectarismo ideológico.

Voltar ao mesmo?


Não param de se acumular os indicadores de disparo do consumo entre nós, com as pessoas a "vingarem-se" do aperto do cinto dos anos anteriores. Como o aumento de rendimento disponível é marginal, o crescimento do consumo só poder estar a ser feito à custa da poupança e do endividamento das pessoas. O pior é que há quem pense que o consumo deve ser ainda mais estimulado por via orçamental...
Além do risco de aumento do endividamento externo do País, a subida excessiva do consumo arrasta também ao aumento das importações e o risco de degradação da balança comercial externa. Voltamos ao mesmo?

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Insustentabilidade orçamental





Estes quatro gráficos, retirados de um estudo recente sobre a Grécia, mostram o enorme aumento dos encargos financeiros com o sistema de pensões desde 2000 em comparação com a média da UE.
O 1º gráfico, em cima à esquerda, compara a evolução da idade efetiva da aposentação, que diminui na Grécia enquanto subiu na UE. O 2º gráfico compara a taxa de atividade da população entre os 55 e os 64 anos; uma diferença enorme. O 3º quadro mostra a evolução dos encargos financeiros com as pensões, com a Grécia a crescer muito mais do que a UE. E a mesma enorme disparidade se nota no último quadro, relativo à percentagem da verba das pensões na despesa pública.
Só há uma conclusão a tirar: o sistema de pensões grego tornou-se financeiramente insustentável. Justificam-se plenamente as reformas exigidas pelos credores.

Não é acordo. É ultimato.


"Não admira que não haja sentido de "ownership" por parte do Sr. Tsipras ou do Sr. Schäuble relativamente ao acordo. É que não é acordo nenhum: é um ultimato. Na base de um programa económico absurdo, injusto, cruel, inexequível. Uma vergonha, incompatível com os principios fundadores da UE".
Pior ainda, é um ultimato feito sob ameaça humilhante de expulsão da Grécia do Euro. Ora, a saída da Grécia do Euro não tem base legal. A sugestão de "Grexit" feita pelo Ministro alemão Schäuble é monstruosa: além da "mudança de governo" que visa na Grécia, representa uma tentativa  de "regime change" na UE.
Cabe a este Parlamento - com especial responsabilidade para esta Comissão ECON - defender a democracia. Isso implica fazê-la valer, não apenas na monitorização do processo de reformas a empreender pela Grécia, mas na modificação do programa para que seja viável e efectivamente ajude a Grécia a sair da calamitosa situação em que se encontra - isso requer por a reestruturação da dívida no centro do programa. Como se admite que a Comissão Europeia tenha escondido o relatório que confirma a insustentabilidade da dívida grega e que foi divulgado pelo FMI, dois dias antes do referendo grego, por pressão dos americanos?...
Mas onde está a Comissão? Alguns colegas bem sublinharam a importância de ser retomado o método comunitário contra o intergovernamental que produz tão desastrosos resultados.
Apelo a todos os colegas alemães pró-europeus, de direita e de esquerda. Reparem no editorial de hoje do "New York Times", sob o título : "Germany's destructive anger". 
"Timeout" para a Grécia? Não! "Timeout" para o Dr. Strangelove que trabalha para destruir o euro, a confiança dos cidadãos na UE e a própria União Europeia!  
Salvar a Grécia é salvar o Euro, é salvar a União!"

Minha intervenção esta manhã, na Comissão de Economia do Parlamento Europeu, em debate sobre a Grécia.

Duas lições gregas


Cabeçalho do meu artigo semanal de ontem no Diário Económico.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

O acordo (2)

Alcançado o acordo, resta saber se a Grécia vai cumpri-lo. A incerteza não pode ser maior.
Primeiro, porque já falhou os dois anteriores. Segundo, porque este foi acordado pelo Governo Syriza sem convicção e sem nenhuma vontade o cumprir, Terceiro, porque, dada a vertiginosa degradação da situação económica e financeira do país sob o Governo Syriza (prevê-se uma queda de 4% no PIB!), as condições objectivas para cumprir o acordo não são as melhores.
Pode, portanto, suceder que este acordo seja somente deitar mais dinheiro à rua, não sendo mais do que um "trapo quente" para aliviar  a "doença grega", que não tem economia nem Estado para satisfazer as exigências do euro. Mas saber se a saída do euro é uma questão  apenas adiada, depois de queimados ingloriamente mais uns milhares de milhões de euros dos contribuintes europeus, depende mais uma vez somente de Atenas.

O acordo (1)

Não tem fundamento acusar a Alemanha de principal responsável pelo acordo para um terceiro resgate da Grécia, aliás aprovado por unanimidade.
Na verdade, a Alemanha (junto com a Finlândia e a Holanda) foi quem cedeu mais (até porque arcará com a principal responsabilidade pelo novo empréstimo), pois entendia que a Grécia, depois de ter desperdiçado dois resgates, não oferece garantias de cumprir mais um. Por isso, a Alemanha tinha uma clara preferência por uma saída temporária negociada da Grécia do euro, de modo a reconstruir a sua economia em bases mais competitivas, através da necessária "desvalorização externa".
Deve aliás dizer-se que nas negociações a Grécia só teve o apoio claro de Chipre (que é uma espécie de filial grega e está em programa de assistência), da Itália (que tem a maior dívida pública a seguir à Grécia) e da França (que está há anos em défice excessivo); ou seja, só o "clube de prevaricadores" da zona euro é que apoiou a Grécia...
No final vingou um compromisso, em que a Alemanha cedeu e a Grécia conseguiu o dinheiro que precisa para evitar a bancarrota, mas com algumas condições mais exigentes, como era de esperar. Quanto menos fiável é o devedor mais garantias tem de oferecer....

Um pouco mais de rigor sff


A ideia de imputar ao PS o Memorando de maio de 1911 com a troika (como decorre deste titulo do Jornal de Negócios de hoje) é uma óbvia inventona. Primeiro, a intervenção da troika foi querida e desencadeada pelo PSD e demais oposições, unidas na rejeição do PEC IV, a fim de encostar o governo Sócrates à parede (o que conseguiram). Segundo, a memorando foi negociado e assinado não somente pelo PS, nessa altura já demitido, mas também  pelo PSD e pelo CDS.
Se era ou não cumprível, isso é debatível. Mas rever a História do acordo e imputá-lo exclusivamente ao PS para alijar as responsabilidades próprias, isso é uma falsificação política.

terça-feira, 14 de julho de 2015

A questão não é a Grécia...

"O problema não é a Grécia, está longe de o ser e nunca o foi. Nem sequer é o euro,  que era sobretudo um instrumento politico para integrar mais a Europa. O problema é a Europa, esse projecto politico: como lembrou o Presidente Hollande, na noite de domingo, o que está em causa é "a concepção da Europa". A crise grega foi o sintoma, o estado da Europa é a doença. 
A revista alemã 'Der Spiegel', numa capa da semana passada, apresentava Angela Merkel sentada sobre as ruínas da União Europeia. Sob o título "A Senhora das Ruínas", estava a legenda: "Se o euro falhar, a chancelaria Merkel falha também". Com o frágil acordo de ontem, todos se mantêm em jogo, por enquanto. Veremos o que dizem os europeus. Veremos que Europa querem os alemães e que Alemanha aceitam os europeus. A questão não é a Grécia, é a Alemanha! Eu quero a Alemanha na Europa. Mas não quero uma Europa alemã".

(Extracto da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1. Que pode ser lida na íntregra aqui http://aba-da-causa.blogspot.be/2015/07/contra-uma-europa-alema.html)

O silêncio é de ouro

«Ex-Presidentes na comissão de Nóvoa pressionam Costa». Este título do DN é enganador, pois embora o apoio dos três ex-PR a Nóvoa não seja irrelevante, não consta que haja alguma pressão direta para que Costa faça o mesmo.
A meu ver, não há nenhuma razão, pelo contrário, para que o PS altere a posição que definiu quanto às presidenciais. Até às eleições legislativas o PS não apoia, nem deve deixar entender que apoia, qualquer candidato ou protocandidato. E parece evidente que, se nessa altura houver um forte candidato do sua própria área política, não se vê como é que o PS pode tomar partido a favor de um candidato alheio (como é o caso de Nóvoa, oficialmente apoiado pelo Livre), que claramente não goza de consenso entre os socialistas.

Boas notícias

Acordo concluído sobre o nuclear iraniano. Depois de longos anos de negociações, envolvendo o Irão, os Estados Unidos, a Rússia e a UE, é alcançada uma solução equilibrada para a questão, vencendo inúmeros obstáculos, incluindo a chantagem israelita.
Mais uma vitória para o Presidente Obama e para os moderados no regime iraniano. Menos uma ameaça para a paz e a segurança internacional. Nem tudo corre mal no Médio Oriente.

O preço (3)

O terceiro preço da demagogia do governo Syriza foi o descrédito da democracia na Grécia.
Numa iniciativa aventureira, o Governo decidiu precipitadamente convocar um referendo pedindo a rejeição das condições contidas no acordo negociado para prologar o anterior programa de resgate. O Governo recebeu um apoio rotundo dos eleitores gregos. Qual não é a surpresa quando, poucos dias depois, o Governo já estava a propor aos credores condições idênticas às rejeitadas, acabando por negociar um acordo ainda mais duro.
O "não" do referendo foi transformado num "sim", sem que o Governo tivesse sentido necessidade de se demitir ou ao menos de renovar a sua legitimidade parlamentar. Em qualquer outro país europeu o desrespeito por um referendo seria um escândalo democrático. Na democracia à Syriza, brinca-se aos referendos com os cidadãos, como simples instrumento de manipulação política. Depois queixem-se da frustração dos cidadãos!...

segunda-feira, 13 de julho de 2015

O preço (2)

Só a irresponsabilidade política e a falta de seriedade negocial do Governo Syriza é que podem justificar que os credores tenham exigido a aprovação prévia de legislação em Atenas para só depois fechar o acordo, bem como a constituição de um fundo independente de ativos de privatizações para, entre outras coisas, recapitalizar os bancos gregos. Nenhum outro dos países sujeitos a assistência financeira, como a Irlanda ou Portugal, teve de se submeter a estas comprometedoras garantias preventivas.
A aventura syrizista vai custar aos gregos muitos milhares de milhões de euros a mais e uma perda adicional de nível de vida. Mas o preço maior é a perda de reputação e de credibilidade externa da Grécia. Vai demorar muito tempo a recuperar.

O preço

Em seis meses apenas o Governo Syriza paralisou as reformas que começavam a dar frutos e reverteu algumas delas, a economia entrou de novo em recessão, o investimento estrangeiro fugiu, as receitas públicas retrocederam e as contas reentraram em défice, milhares de milhões de euros fugiram dos bancos, entrou-se em emergência financeira com controlo de capitais e limitação de levantamentos, e por último a Grécia falhou um pagamento do FMI, o que nunca tinha sucedido com um país europeu.
Com isto tudo as necessidades de financiamento e de assistência financeira externa aumentaram exponencialmente. Ha seis meses, o Syriza prometia o fim da austeridade e a interrupção do programa de resgate então por concluir. Agora é obrigado a pedir um terceiro resgate, ficando intervencionado por mais três anos e sujeito a mais austeridade do que anteriormente.
Os gregos pagam muito caro a aventura do Syriza!

quinta-feira, 9 de julho de 2015

"Saída ordenada"


Eis o meu artigo de ontem no Diário Económico, sobre a provável saída da Grécia do euro.
Gostaria de sistematizar a questão:
1º - o referendo mostrou claramente a rejeição popular de mais austeridade orçamental, que obviamente vincula o Governo (que, aliás, assim o quis) - e isso muda tudo;
2º - mas um terceiro programa de assistência financeira da UE não pode prescindir de mais reformas e de mais medidas orçamentais, tanto mais que a situação económica e financeira da Grécia se agravou sob o governo do Syriza;
3º - portanto, um novo resgate só poderia ser feito ou desrespeitando o referendo, o que lhe retiraria qualquer legitimidade, ou dando um excecional tratamento de favor à Grécia, o que não se pode exigir à União, desde logo pelo "risco moral" envolvido;
4º - parece ser hoje incontornável que, tendo entrado no euro com as contas "marteladas", a Grécia nunca conviveu bem com as exigências da moeda única e que não há nenhuma certeza de que mais um resgate possa resolver esse défice de cumprimento;
5º- o que põe em causa a autoridade e a estabilidade da zona euro não é a saída de um país que não consegue cumprir as suas exigências mas sim a manutenção "forçada" de um elo fraco, à custa de esforços desproporcionados e sempre à espera da próxima crise;
6º - a própria União ganha em se libertar do espetro grego, que consome enorme capital político e financeiro e que gera demasiados conflitos e tensões, como têm mostrado os últimos meses;
7º - a União não pode forçar a Grécia a manter-se na moeda única nem a Grécia pode exigir permanecer sem cumprir as respetivas regras;
8º- em vez de insistir num casamento falhado, o melhor é mesmo encarar um divórcio por mútuo consentimento, mesmo devendo os gregos saber os pesados custos da sua saída do euro.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Maria Barroso (1925-2015)


A estatura moral, cívica e cultural, humanista e humanitária de Maria Barroso fica como marco na vida pública portuguesa ao longo de décadas, desde a sua intervenção na luta antifascista e na construção do Portugal democrático. A minha admiração pela sua personalidade forte e simultaneamente discreta nunca esmoreceu. Aqui fica a minha sentida homenagem.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Um pouco mais de decência política sff

A referência de um dirigente do PSD à prisão de Sócrates como meio de ataque ao PS não augura nada de bom sobre a decência da próxima campanha eleitoral.
Por enquanto, mais de seis meses depois de ter sido preso, Sócrates continua acusado de nada, ao contrário de vários antigos ministros e dirigentes do PSD, uns acusados e outros condenados por tropelias várias. Sob pena de se poder suspeitar que o PSD torce para que Sócrates continue preso até à campanha eleitoral, um partido com as responsabilidades do PSD não pode cruzar essa linha vermelha da decência política que separa a justiça do combate político.
Pessoalmente, e face à falta de justificação credível para continuar preso sem culpa formada, Sócrates pode defender que só pode continuar preso por motivos políticos. Mas o PSD não pode deixar entender que ele tem razão, ao explorar politicamente a sua prisão...

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Cacos

Depois de ter contribuído decisivamente para o fracasso das negociações para um acordo de assistência financeira, de ter deixado o país em estado de emergência financeira (bancos fechados, economia paralisada) e de ter provocado um referendo que formaliza a agonia económica e financeira do país e a provável saída do euro, Varufakis resolve sair.
Invoca que é persona non grata em Bruxelas e em Washington e que a sua saída pode facilitar as negociações. Mas, na verdade, o que ele faz é lavar as mãos do desastre anunciado que ajudou a provocar e da herança explosiva que deixou aos seus compatriotas. Quem vier que conserte os cacos!...

"Risco moral"

Há duas razões pelas quais o Governo grego não vai poder conseguir assistência financeira externa em condições mais favoráveis que as que estavam na mesa antes do referendo: (i) porque além da vontade dos eleitores gregos há a vontade dos eleitores de todos os outros membros da moeda comum, que não contam menos do que aqueles; (ii) porque, se a técnica do referendo nacional servisse para vergar a União, não tardaria que outros Governos (ou a própria Grécia outra vez) se sentissem tentados a utilizar a mesma chantagem plebiscitária para obter concessões especiais dos demais membros.
Nessa altura começariam a soar os sinos pela morte da União Europeia.

domingo, 5 de julho de 2015

O espetro grego (3)

Para a UE este abalo político é porventura mais profundo e mais difícil de superar do que o risco iminente de desmoronamento da moeda única há cinco anos, já então desencadeado pela Grécia. Desta vez, para além da falta de soluções à vista, há também o perigoso efeito deletério da confrontação e da desconfiança criada entre as instituições e o Governo grego, que a contundente vitória plebiscitária do Syriza só vai agravar.
Quando a crise do euro parecia solidamente ultrapassada e a moeda comum está a ser reforçada pela "união bancária" e pelos novos instrumentos de estabilização postos em prática pelo BCE, a UE vê-se de novo confrontada pelo espetro grego, A União vai ter de resolver rapidamente o dilema entre a tentação fácil de deixar cair a Grécia para fora da zona euro e o risco de abrir caminho a uma dinâmica que pode terminar com a saída grega da União e com uma imprevisível evolução política na Grécia e no mediterrâneo oriental.

O espetro grego (2)

A crise grega, que há cinco anos desencadeou a "crise da dívida soberana" na Europa e que desde então, passados dois resgates e um generoso perdão de dívida, continua a devastar a economia, a sociedade e a política grega e a atormentar a União Europeia, dá mostras de não estar satisfeita com os estragos causados e parece agora, depois do referendo, ainda mais longe de uma solução viável.
O resultado deste referendo pode bem ser um perigoso passo em frente no aprofundamento do sentimento de "cansaço grego" e de vertigem interna e externa para a saída da Grécia da moeda comum. Entre as agruras do presente sem fim à vista e o risco de um desastre mais à frente, uma grande maioria dos gregos preferiu o segundo.
Há momentos em que, tal como os marinheiros antigos, os povos só podem fugir de Sila naufragando em Caribdis.