sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Mãos largas

1. Todos os dias há notícias de mais facilidades orçamentais para grupos determinados de beneficiários. Ainda ontem a imprensa noticiava que o Estado vai passar a assumir os custos dos doentes das regiões autónomas enviados pelos respetivos serviços regionais de saúde para o Continente e que vão ser congeladas este ano as propinas do ensino superior.
Não se sabe onde é que há folga orçamental para mãos tão largas. Há duas perguntas que precisam de resposta: (i) Os ministros dos departamentos em causa (Saúde e Ensino Superior) concordam com este assalto ao seu orçamento? (ii) O  Ministro das Finanças valida essa "corrida geral ao orçamento" por parte de todas as "constituencies" setoriais com voz no Parlamento?

2. Não está em causa somente o impacto negativo dessas medidas sobre os já escassos orçamentos do SNS do Continente e sobre as escolas de ensino superior público, respetivamente. Trata-se em ambos os casos de medidas injustas. Não há nenhuma razão para que os contribuintes do Continente sejam chamados a substituir os das regiões autónomas no financiamento dos respetivos serviços regionais de saúde e para que os estudantes do ensino superior com meios económicos bastantes sejam dispensados de contribuir, nos termos da lei em vigor há muitos anos, para financiar o investimento no seu futuro profissional (contribuição, aliás, que só cobre um ínfima parte dos respetivos custos).

Condecoração indecorosa

A condecoração de Sousa Lara pelo Presidente da República é indecorosa. Não sei que serviços dignos de registo prestou à República. Sei o de-serviço grosseiro e mesquinho que lhe prestou como membro do Governo ao vetar oficialmente uma obra de José Saramago. Premiar uma tal personagem é uma provocação a todos os que se orgulham de ostentar merecidamente uma condecoração da República.

Adenda
Importa esclarecer que não possuo nenhuma condecoração. Mas com comendadores destes fico contente por ter declinado receber uma. 

Jogada arriscada

Há batalhas políticas que não devem ser travadas, já porque é pouco provável ganhá-las, já porque, mesmo sendo ganhas, os custos políticos seriam sempre muito elevados ("vitórias de Pirro").
É que se passa com a guerra aberta publicamente pelo Governo contra o governador do Banco de Portugal, cuja posição está blindada pela independência garantida pela UE aos bancos centrais nacionais. É óbvio que o Governo pode tentar forçar Carlos Costa a demitir-se, mas os custos "reputacionais" dessa operação arriscada de politização do BP poderiam revelar-se excessivamente onerosos para a necessária estabilidade e credibilidade do sistema nacional de supervisão bancária.

Adenda
No caso dos chamados "lesados do  BES", cabe exclusivamente ao BdP, como "autoridade de resolução", determinar o perímetro das responsabilidades a transferir para o novo banco. O Governo não devia imiscuir-se nessa matéria. Se o Governo quiser indemnizá-los à custa dos contribuintes, é um assunto seu (e deles!), em que não deve envolver o BdP.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Boa ideia


Foi boa a medida do anterior Governo de estimular o pedido de fatura no pagamento de bens e serviços. A ideia do atual Governo de substituir o prémio - títulos da dívida pública em vez de automóveis - pode ser menos apelativa mas é política e socialmente mais apropriada.
Num país com baixos níveis de poupança e em que a esmagadora maioria da dívida pública está em mãos estrangeiras -- aumentando assim o risco de exposição a crises de confiança - é importante dar visibilidade e incentivar a poupança interna e apostar nos títulos da dívida pública nacional como meio prioritário de aforro.

Contra a tradição

1. Só vejo uma justificação política plausível para o Primeiro-Ministro convidar o Presidente da República cessante a presidir ao Conselho de Ministros, a saber, obrigar Cavaco Silva a chefiar por umas horas o Governo que ele não quis e que só nomeou porque não tinha alternativa e mostrar-lhe que ele parte e o Governo fica.
Duvido, porém, que haja uma boa justificação institucional para associar o PR a decisões governamentais, tornando-o politicamente corresponsável pelas mesmas.

2. É certo que a Constituição admite explicitamente essa possibilidade, mas não é por acaso que na prática ela não se tem verificado, com uma ou duas exceções cerimoniais ao longo destes quarenta anos.
Trata-se de um resquício do semipresidencialismo da versão inicial da Constituição (1976-1982), quando o Governo era politicamente responsável perante o PR e quando este podia demitir livremente o Governo; nesse quadro constitucional era natural que o Primeiro-Ministro quisesse associar o PR a decisões governamentais, obtendo preventivamente a sua cobertura política. Essa justificação deixou de existir depois de 1982, quando o Governo deixou de depender politicamente do PR e este deixou de poder interferir na esfera governativa.

3. A eventual presidência do Conselho de Ministros pelo PR só obscurece a necessária separação entre o papel de Belém, como árbitro e supervisor imparcial e neutro do sistema político, e o papel do Governo como responsável único pelo condução política do País. O árbitro não pode interferir, muito menos dirigir, o jogo, ainda que ocasionalmente. E tampouco pode ser co-envolvido ou deixar-se envolver na responsabilidade política do Governo perante a AR, visto que ele é politicamente irresponsável.

4. Desde 1976, o PS nunca deixou de combater qualquer deriva presidencialista do sistema de governo ou qualquer ingerência presidencial na esfera governativa e de reivindicar a autonomia dos governos face ao PR e a exclusiva responsabilidade política dos governos perante o parlamento. A presidência do conselho de ministros pelo PR casa mal com essa virtuosa tradição política.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Aliados da onça

O líder da CGTP, que nestas coisas deve considerar-se um porta-voz do PCP, veio declarar que o Governo do PS não é de esquerda e que está mesmo longe de de ser de centro-esquerda,
Já sabíamos que naquelas bandas só é de esquerda o PCP e quem tiver a sua chancela. Mas recusar o simples qualificativo de centro-esquerda ao governo mais à esquerda que temos pelo menos desde 1979 revela bem que o PCP não guardou, muito menos enterrou, o machado de guerra contra o PS e que o acordo de apoio parlamentar ao Governo nem sequer um armistício significa, pelo menos em relação às milícias sindicais, que continuam a disparar contra o Governo quando convém, como mostram as greves entretanto declaradas, apesar de em alguns setores os dirigentes sindicais da CGTP se comportarem como se fossem ministros-sombra ou comissários políticos "controleiros" dos correspondentes ministérios, à boa maneira leninista.
Com "aliados da onça" como estes o Governo não precisa de inimigos.

Perder pela demora

O Governo marcou para abril a apresentação das eventuais medidas orçamentais adicionais que se comprometeu perante o Conselho da zona euro a ter em carteira para aplicar em caso de derrapagem orçamental (o já chamado "plano B").
Compreende-se o interesse em desdramatizar e em adiar politicamente o assunto, que é suscetível de criar algum atrito na base parlamentar aliada Governo. Mas essa espera de dois meses pode revelar-se negativa, por várias razões: primeiro, as autoridades da União e as agência de rating podem insistir na sua apresentação quanto antes, a fim de evitar qualquer incerteza nociva nos mercados da dívida pública nacional; segundo, a imprensa não vai deixar de fazer especulações sobre as possíveis medidas, obrigando o Governo a vir a terreiro desmenti-las ou a confirmá-las pelo silêncio; terceiro, o desconhecimento sobre as possíveis medidas vai prolongar o debate orçamental para além da aprovação do orçamento, o que não é propriamente favorável à criação do necessário clima de estabilidade e de confiança económica e social.
É bom saber que o Governo confia plenamente em que não vai ser necessário recorrer a tais medidas, mas é melhor ter uma rede de segurança para sossegar os céticos de boa fé e para retirar argumentos à oposição.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Dupla discordância

Em relação ao post anterior um leitor pergunta por que não referi a possibilidade de submeter a referendo a autorização da eutanásia.
Há aqui duas questões diferentes.
Primeiro, há quem defenda que essa questão não pode ser sujeita a referendo, com o argumento de que "os direitos não se referendam". Discordo. Salvo as exceções constitucionais (onde não se conta esta matéria), tudo o que pode ser decidido por via de lei pode ser decidido previamente por referendo.
Segundo, há quem defenda que esta questão só pode ser decidida por referendo, e não pelo parlamento, dadas as suas implicações morais e/ou religiosas. Discordo. Ressalvada uma exceção constitucional (a regionalização do continente), não há nada que exija referendo obrigatório. Numa democracia representativa tudo o que não seja inconstitucional pode ser (e em princípio deve ser) decidido pelo poder legislativo. Pessoalmente, não sou adepto dos referendos e não compartilho da referendite aguda que de vez em quando assalta o país.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Deixemos a Constituição em paz

Tal como sucedeu com a despenalização do aborto e com o casamento das pessoas do mesmo sexo, também agora há quem terce armas constitucionais sobre a chamada eutanásia (morte assistida de quem queira pôr fim à vida por padecer de doença terminal e estar em grande sofrimento). Uns são pela sua inconstitucionalidade, em nome do direito à vida; outros, pelo contrário, entendem que há um direito à eutanásia, em nome do direito a não viver naquelas condições.
Tal como nos dois casos referidos também agora penso que a Constituição não fornece uma reposta a esta questão, a qual, portanto, permanece dentro da margem de livre decisão do legislador democrático. Por um lado, não me parece que a Constituição proíba a eutanásia (nas condições acima descritas), porque o direito à vida obriga os outros (proibição de homicídio e da pena de morte) e não o próprio e não implica uma "obrigação de viver"; há muito tempo que a tentativa de suicídio deixou de ser crime. Por outro lado, mesmo que se possa argumentar a favor de um "direito ao suicídio", já não me parece que se possa retirar diretamente da Constituição um direito à assistência de terceiros para terminar a própria vida.
Por conseguinte proponho que retiremos a Constituição do debate sobre a eutanásia. A Constituição não tem de ter resposta para todos os problemas políticos ou sociais, sobretudo quanto eles implicam juízos religiosos ou morais. Deixemos o espaço público debater serenamente a questão e o legislador decidir livremente, quando chegar o momento.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Prudência orçamental, recomenda-se


Eis o lead da minha coluna semanal de ontem no Diário Económico. Ou de como precisamos de prudência orçamental para evitar mais sustos com os juros da dívida como o de ontem...

Antologia do farisaismo político

De qualquer partido ecologista espera-se naturalmente que defenda uma alta tributação dos combustíveis, como maneira de desfavorecer o transporte individual em favor dos transportes coletivos.
Não assim em Portugal, onde um falso partido ecologista, que não passa de uma sucursal política do PCP, se manifesta contra a recente subida dos impostos sobre os combustíveis. Entre os transportes coletivos e oportunismo de apoiar os automobilistas, os pseudo-verdes preferem curtir mágoas pelos segundos. É preciso ter lata!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Boas Fadas que te Fadem!


"Agradeço ao editor das edições "Âncora", António Baptista Lopes, por este relançamento do livro 
"Boas Fadas que te Fadem", que nos deixou o António Monteiro Cardoso - o Toné, para mim será sempre o Toné. E ele, que desapareceu do nosso convívio faz hoje precisamente um mês, queria tanto este relançamento de um livro que escreveu na base de velhos documentos que descobriu no Convento de São Filipe Nery, em Freixo-de-Espada-à-Cinta.
É muito mais que um romance histórico sobre a nossa História, a da "Santa Inquisição" e das suas demoníacas intolerância e perseguições: é voto que nos deixa um Homem que estudou e usou a História e as histórias de cada um para aprender, para tirar lições e para ensinar a tirar lições do que a Humanidade tem de empolgante e de vil, de progressista e de assustador, do que o Ser Humano tem de potencial e de mesquinhez. 
O António formou-se em Direito e doutorou-se em História porque o que realmente lhe interessava era perceber o ser humano em sociedade e tudo o que ele nela podia engendrar, de bom e de mau. Uma das últimas conversas que, por acaso, ouvi o Toné manter com os nossos netos, Frederico e Mariana, já a falar muito baixinho e com dificuldade, foi justamente sobre a importância de distinguirem entre o Bem e o Mal, de como meninos e depois, já crescidos, procurarem sempre estar do lado do Bem e combaterem o Mal.
Essa, no fundo, foi a sua regra de vida - a regra que lhe incutiram Pais, família e as origens transmontanas, judias, de cristão-novo, em Freixo-de-Espada-à-Cinta - terra onde nasceu, que sempre adorou, que claramente também o moldou e onde repousa agora. E também os amigos, que foi escolhendo e distinguindo com o seu convívio. No fundo, foi a regra que apreendeu e aplicou nas diversas comunidades a que pertenceu, em que sempre se integrou sem perder individualidade, originalidade, discernimento e capacidade de crítica e de auto-crítica. 
O António podia ser um intelectual de saber enciclopédico e cérebro acutilante, de curiosidade irreprimível e incrível capacidade estruturante do que apreendia, do que escrevia ou do que explicava. Mas não se distanciava nunca das pessoas, da sociedade em que vivia e com quem comunicava sempre, na linguagem mais adequada para realmente "estar em comunhão". Incluindo quando praguejava - e como ele, por vezes, praguejava e precisava de praguejar!
Não era um intelectual diletante, nem um historiador encafuado - adorava bibliotecas e livrarias, passava horas na Torre do Tombo, mas não era um rato-de biblioteca. Nem jurista mercenário - dinheiro e bens materiais nunca lhe interessaram: era frugal, bastava-lhe o conforto mínimo. Em contrapartida, as pessoas contavam para ele, cada pessoa à sua volta e todas no seu conjunto, tanto afectiva como intelectualmente, como actores e fazedores de histórias, da História. Interessou-lhe o Direito e sobretudo interessava-lhe a História, porque lhe interessava a vida da comunidade, da sociedade, do País, do mundo, da Humanidade. 
Porque era de esquerda, pensava à esquerda, sentiu sempre à esquerda - os outros, homens e mulheres, contavam. Interessavam-lhe as causas que faziam mover a Humanidade e que explicavam o País que somos e porque somos como somos. Não era de saber apenas livresco: ele entregava-se a causas, dava couro e cabelo, sacrificava o que fosse preciso, sacrificava-se. 
Quando o conheci arriscava tudo, a própria liberdade, a própria vida! Estávamos no final de 1972, nos anos duros do estertor da ditadura. Éramos estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa, eu no primeiro ano, ele no quarto, ambos inconformados com a mordaça do regime colonial-fascista, ambos desejosos de o contestar por todos os meios, sem medir consequências. O António particularmente ferido, enraivecido, pelo assassinato pela PIDE de José António Ribeiro Santos, um dos seus mais chegados amigos e colegas de Faculdade, membro como ele da Direcção da Associação de Estudantes, que a ditadura fechara. Ele estava lá, naquele anfiteatro de Economia, no Quelhas, quando o PIDE disparou. Ele esteve lá no Largo de Santos, um dos que pegou no caixão e pôs a multidão a urrar contra o regime. Ele nunca mais parou de conspirar, escrever panfletos e organizar acções, legais e clandestinas, contra o regime, incluindo pinturas murais contra a guerra colonial e as manifs "flash" que os CLACs - "Comités de Luta Anti-Colonial" improvisavam, do Cais do Sodré à Praça do Chile. 
Foi numa destas manifestações na Praça do Chile, no dia 21 de Fevereiro de 1974, dia de Solidariedade para com os Povos das Colónias (porque efeméride do assassinato pela PIDE de Amílcar Cabral) que mais nos ligámos. Eu fiquei a sangrar da cara por ter apanhado uma vergastada de um PIDE, ele cobriu-me com um casaco, puxou-me, guiou-me por umas ruelas, fez-me entrar num prédio, onde aguardamos horas pingando de sangue a escada, até ser noite e arriscarmos sair, para ir ter com companheiros que nos levaram ao Hospital de Santa Maria, a um médico de confiança que providenciava tratamento em segurança, sem nos referenciar à polícia política.
Ambos tínhamos já sido suspensos da Faculdade por "actividades subversivas" em Janeiro de 1974 -  éramos 11 alunos suspensos, o João Soares, o Pedro Palhinha, o Garcia Pereira, a Liliana André, o Manel Pitta  e outros. A defesa, organizada conjuntamente, e as actividades políticas clandestinas a que nos entregávamos já mostravam termos muito em comum. Mas, como é óbvio, aquele episódio da Praça do Chile em que o António fora meu salvador, mais nos aproximou - tornou-se um herói, o meu herói!
Bom, dois meses depois, no dia 25 de Abril, dia em que eu ia entregar na Conservatória os papéis para o casamento - não fui!  Às 7 horas da manhã, um telefonema do Toné estremunhou-me: havia um golpe de Estado e desta vez é que era mesmo ( já tinha havido um gorado 16 de Março, nas Caldas da Rainha...). Ele ia já sair para a Praça do Comércio/ Rua do Arsenal para junto dos militares revoltosos. Eu que fosse ter, logo que pudesse, ao Cineclube, na Almirante Reis, encontrar-nos-íamos lá ao fim da manhã. Naquela altura não havia telemóveis, mas assim aconteceu mesmo. Dali seguimos para o Largo do Carmo, onde estivemos horas entre os populares a exigir o render do regime. Ao fim da tarde arrancamos em manif "espontânea" pela rua Garrett acima: à PIDE, fora com os carrascos! Estávamos na multidão ululante na Rua António Maria Cardoso, quando os carrascos dispararam rajadas de metralhadora. Na confusão esgueirei-me por uma porta, caímos muitos no apertado vão do prédio onde funciona hoje o Centro Nacional de Cultura, uns soluçantes, outros gemendo, devia haver feridos, não sei se algum dos que morreu. Algum tempo depois, já noite cerrada, afoitei-me a sair: metros adiante encontrei o Toné, que arriscava procurar-me pelos vãos de escada da rua. Juntamo-nos à nossa malta, na Brasileira, havia um ferido, o jornalista Adriano, baleado num pé.
Dali fomos para Caxias - era urgente libertar os presos, antes que os carrascos se vingassem neles. Aguardamos horas nas matas, noite escura - estava por ali muita gente, como nós ansiosa por recuperar os seus. Um dos primeiros libertados que abracei foi o Tó Luis Cotrim - que no dia 20 de Maio de 1974, na Conservatória de Alcântara, havia de ser um dos nossos padrinhos de casamento, junto com o Manuel Gavião Carvalho Costa, que hoje aqui está connosco.
Não vos vou contar as peripécias da vida aventurosa de ambos no MRPP, depois do 25 de Abril - nem das rondas que o Toné fez pelo país na nossa "Diane" amarela a fazer ver "O Couraçado Potemkine" por recônditas aldeias; nem nas viagens loucas dele a distribuir o "Luta Popular" pela periferia de Lisboa; nem dos seus trabalhos como advogado para libertar as catrefas de MRPP's que os MJTs e a 5a Divisão do MFA levavam presos... Nem do dia em que eu decidi afastar-me do MRPP, em Janeiro de 1976,  e em que o António me disse que se fosse obrigado a escolher entre mim, a nossa filha e a "Revolução a todo o vapor", nos escolhia a nós. Não foi forçado a escolher, mas um ano depois afastou-se ele, desapontado com o fosso entre a retórica e a prática dos dirigentes e compreendendo que valia a pena tentar aproveitar a abertura política para trabalhar pela democracia no país. Foi uma entrega genuína e altruísta, a dele, a minha e de tantos outros ao MRPP e a toda a actividade clandestina e perigosa que a precedeu: o António nunca tolerou aquela conversa maledicente dos que atribuíam o MRPP a esquema da CIA, para escamotear a sua própria impotência na luta contra o fascismo e o colonialismo.
Sete anos e sete dias dias depois de nos casarmos, divorciamo-nos de comum acordo, civilizadamente, ficando amigos e dando-me sempre ele, seus Pais, Manuel e Nair, sua Irmã Madalena, sua dedicada empregada/ama Celeste e toda a sua Família, todo o apoio na minha vida profissional atribulada para criar a nossa filha, Joana. Lembro-me como tirou uma semana de férias e veio passá-la connosco em Genebra só para tranquilizar a Joana que, ao saber que vinha lá um irmão, o João, temia pela perda do estatuto reinante de filha, neta e sobrinha única... O Toné foi um pai dedicado e atento, embora não tivesse sido formatado para por fraldas nem aquecer biberões... Mas tornou-se ainda mais presente quando começou a poder ter conversas sobre História e sobre a vida com a Joana adolescente, Joana que já na Universidade viria morar com ele, na Junqueira. Joana e João que, na doença que o levou, se uniram terna e desveladamente a cuidar dele, como ele sempre se desvelara como Pai de ambos.
Uma das maiores penas que tenho - que todos temos, de certeza - é termos perdido a possibilidade de estar horas a conversar e ouvir o Toné desfiar histórias e História, com a graça, o sentido de humor, o riso inteligente, o saber erudito salpicado de saborosa "petite histoire"... Resta-nos a consolação de que muita da capacidade de observação e de criatividade sarcástica e inteligente que o João plasma nas suas "produções fictícias" foram herdadas do Pai... Como a Joana é, em tanta coisa, muito, muito, Pai e Avó Nani.
Resta-nos também a consolação de que os netos do António, os nossos netos que ele adorava e pelos quais sempre se pelou por fazer o que não tivera, tantas vezes, ocasião de fazer pela filha -  (por exemplo, ir buscá-los à escola) ainda tiveram a sorte de o poder ouvir, de viva voz, contar histórias da guerrilha do Remexido, das lutas entre miguelistas e liberais, dos portugueses e timorenses "abandonados" mas resistentes em Timor. E manterão assim viva a imagem de um Avô muito querido, muito presente, inteligente, culto, divertido e, sobretudo, muito bonzinho e advogado do Bem contra o Mal.
Têm eles, e nós todos, outra fortuna: a de que sempre poderão voltar a recuperar ânimo na obra que o António deixou, toda ela impregnada dos valores que nortearam a sua vida, pessoal, profissional e política. Quando o conheci, já ele tinha escrito e publicado com o Alberto Arons de Carvalho e o Nuno Godinho de Matos, um livro arrojado no tempo da ditadura sobre "A Liberdade de Imprensa" - um estudo jurídico-científico que era um libelo contra as perversidades censórias da ditadura que amordaçava os portugueses.
O António adorava dar aulas. Pouco depois de casarmos, já depois do 25 de Abril, foi um dos organizadores, professor-assistente e escritor das sebentas das aulas de "História Económica e Social de Portugal" na Faculdade de Direito de Lisboa. Tinha uma capacidade incrível de estruturar o pensamento, de escrever rapida e afincadamente e de falar simplesmente, descontraidamente, para interessar, ensinar e passar a outros o tanto que sabia. Sei que adorou dar aulas na Escola Superior de Comunicação Social, imagino que os alunos ali estariam particularmente despertos para absorver tudo o que eles lhes procurava incutir.
Julgo que o que ele ali aprendeu com os seus alunos - como a sua Mãe, o Toné era um genuíno professor, que quanto mais ensinava, mais aprendia também e avidamente - foi decisivo para aquela que eu considero a sua obra mais refinada e com potencial de chegar a mais gente: uma obra que poucos ainda conhecem, sou uma das privilegiadas que pude já ler o argumento que ele escreveu sobre o seu livro "O diário do Tenente Pires" para o filme que o Francisco Manso há-de fazer em Timor Leste, sobre a heróica resistência de timorenses e portugueses, como o Tenente Pires e Cal Brandão, contra os ocupantes japoneses na II Guerra Mundial e contra a ditadura de Lisboa que os abandonara. Lê-se o guião e estamos a ver o filme: é prodigiosa a capacidade do intelectual que desenterra a História e a consegue transpor para o écran, contando através das histórias emocionantes dos personagens que anima, e dos que inventa, a gesta dos que em Timor se mobilizaram contra os invasores - a gesta universal dos que lutam pela liberdade contra a opressão. Esse filme tem de ser realizado, o guião escrito pelo António é fabuloso! E eu prometo aqui, em sua memória, que farei tudo o que estiver ao meu alcance para podermos desfrutar um dia, numa sala de cinema ou em casa, do  filme "Abandonados".
O que o António mais gostava de estudar, de ensinar e de falar era de História, porque a história é a vida, e sem História, sem histórias, a vida não tem sentido. A dele teve, para todos nós os que aqui estamos: eu e a Cristina, mães dos seus filhos; para a Joana e o João, seus filhos; para os netos; para a irmã Madalena; para  a mãe, Sra. D. Nair; para os primos, primas e amigos e amigas, alunos e professores, colegas e velhos camaradas.! E para muito mais, que hoje aqui não estão e nem sequer tiveram a sorte de o conhecer pessoalmente, como nós, mas que vão poder ter o prazer de ler a obra que ele deixou. 
O António fadou-nos com a sua vida e com uma obra que tão benfazejamente continuará a fadar as nossas vidas!  "Boas fadas que vos fadem!" A todos!"

(Intervenção ontem, 11.2.2016, na Livraria Férin, no relançamento do livro "Boas Fadas que te Fadem!" e tributo ao Autor, António Manuel Monteiro Cardoso, nascido em Freixo-de-Espada-à-Cinta em 8 de Setembro de 1950, falecido em Lisboa, em 11 de Janeiro de 2016).





Legitimidade

1. A direita tem pouca ou nenhuma legitimidade para acusar de falta de credibilidade as metas orçamentais do Governo PS.
De facto, no exercício orçamental de 2015 (e nos anteriores), o Governo PSD-CDS falhou rotundamente as suas próprias metas orçamentais. Em vez dos prometidos 2,7%, o défice nominal ficou em 3,1%, impedindo assim a saída do procedimento défice excessivo (mesmo que não tivesse havido o resgate do BANIF, que o Governo da direita meteu debaixo do tapete); e em vez de descer como devia, o défice estrutural subiu, violando grosseiramente as regras orçamentais da UE.

2. O problema para o Governo PS é que a falta de legitimidade da direita para criticar o orçamento não lhe dá legitimidade para reiterar a prevaricação. Os mercados financeiros costumam ser menos complacentes com governos de esquerda, habitualmente tidos como mais propensos para a indisciplina orçamental.

Imposto verde

É justificada a subida do imposto sobre os combustíveis quando o preço destes desce substancialmente em consequência da queda da cotação do crude nos mercados internacionais. Há uma incontornável dimensão ambiental nos impostos sobre os combustíveis, destinada, por um lado, a compensar os danos causados ao ambiente e, por outro lado, a reduzir o consumo de combustíveis.
Não tem razão de ser a objeção das empresas quando argumentam com o aumento de custos provocado pela (aliás ligeira) subida do imposto, pela simples razão de que esta representa uma pequena margem da redução do preço dos combustíveis.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Um pouco mais de rigor, sff

Há quem defenda que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa pode vir a "forçar" a sujeição da eutanásia a referendo. Mas, mesmo que quisesse, não pode fazê-lo.
Um eventual referendo nessa matéria só poderia ter lugar sob proposta da própria Assembleia da República, antes da votação da lei, não por iniciativa de Belém. O PR pode obviamente sugerir, pedir, recomendar, instar a realização do referendo. Porém, depois de eventualmente aprovada uma  lei nesse sentido, só resta ao PR, além da possibilidade de suscitar a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade, optar entre promulgá-la ou vetá-la, sujeitando-se neste caso a ter de a promulgar se ela for depois confirmada na AR.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Carga tributária

1. Os partidos da direita e a imprensa que lhe é afeta estão fazer um grande aranzel com a subida de alguns impostos no orçamento para 2016, quase todos impostos indiretos.
Ora é preciso anotar duas observações (i) a subida desses impostos é mais do que compensada com a descida de outros, a começar pelo IRS, o que até torna o sistema fiscal um pouco menos injusto; (ii) Portugal continua com uma carga tributária (impostos mais as contribuições para a segurança social) inferior à média da UE, como mostra a tabela junta relativa a 2013.


É certo que a nossa referência nesta matéria deveriam ser países como a Irlanda e a Espanha, que têm uma carga tributária inferior. Todavia, mesmo assim, não se pode dizer que ela seja insuportável entre nós.

2. Mais preocupante deveria ser o facto de a consolidação orçamental, ou seja, a redução do défice orçamental, estar ser feita quase exclusivamente à custa do aumento das receitas, com pouca ou nenhuma contribuição do lado da diminuição da despesa.
Sabendo-se que temos de continuar a reduzir substancialmente o défice orçamental (nominal e estrutural) e a aumentar o "saldo primário" (saldo orçamental descontado dos encargos da dívida pública), o mais provável é continuar a pressão para o aumento da carga fiscal nos próximos anos.

Equivoco (3)

Ainda em relação a este post, outro leitor argumenta que se eu tivesse razão quanto à gestão comercial da TAP, também as empresas de energia, por exemplo, só forneciam eletricidade a quem lhes conviesse comercialmente. Mas não tem razão.
A EDP - Distribuição é concessionária da rede de distribuição, que é um serviço público, e não opera num mercado concorrencial; além disso, a EDP - Serviço Universal,  como "comercializador de último recurso", está obrigada contratualmente a fornecer um serviço básico de energia elétrica aos consumidores que não estejam em condições de se abastecerem no mercado. Algo de semelhante ocorre nos demais "serviços de interesse económico geral" liberalizados (como o gás, as telecomunicações, etc.).
Ora, salvo a ligação aérea para os Açores e as demais condições contantes do acordo de privatização (onde não se conta a manutenção de um hub no Porto), a TAP não tem mais "obrigações de serviço público".

Equívoco (2)

Em relação ao post precedente, um leitor questiona a minha afirmação de que a TAP não recuperou a sua qualidade de empresa pública depois do recente acordo do Governo com os acionistas privados, pelo qual o Estado recuperou 50% do capital da empresa. Mantenho, porém, a minha posição, salvo melhor opinião, obviamente.
Primeiro, é o próprio texto oficial do acordo que diz expressamente que a empresa mantém o estatuto de empresa privada. Segundo, a TAP não é empresa pública nem na definição do direito da UE nem do direito interno português (que aliás são coincidentes). A gestão da TAP fica inteiramente nas mãos dos acionistas privados e o Estado não fica com nenhuma posição dominante no governo da empresa, já que não tem a maioria do capital, nem dos direitos de voto, nem tem o direito de nomear a maior parte dos membros do conselho de administração (muito menos da comissão executiva). (Nestas condições, o que se pode questionar é a legitimidade do direito de veto do Estado no conselho de administração...)
Acresce que a TAP não integra o conceito constitucional de setor público empresarial, que exige a titularidade e a gestão públicas; ora, o Estado não fica com a maioria do capital nem muito menos com a gestão da TAP.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Equívoco

O Presidente da CM do Porto quer que o Governo imponha à TAP a manutenção de alguns voos que a companhia quer descontinuar de/para o aeroporto de Pedras Rubras.
Saúda-se a militância de Rui Moreira pelos interesses da sua cidade e região, sendo de esperar que a empresa reanalise a sua decisão. A verdade, porém, é que a TAP já não é uma empresa pública - qualidade essa que perdeu com a privatização e que não recuperou com o recente acordo entre o Governo e os compradores - nem é uma empresa concessionária de serviço público, à qual o Governo possa dar ordens ou impor condições. De resto, mesmo enquanto empresa pública, a TAP era uma empresa que operava num mercado concorrencial, pelo que a sua gestão devia guiar-se por critérios comerciais. Impor a empresas públicas que operam no mercado a realização de operações contrárias à gestão comercial sempre constituiu uma das piores pechas da gestão pública, com pesados encargos para os contribuintes.

Adenda
Como era de prever, o Governo não vai interferir nesta matéria.

Voltar ao mesmo

Voltou a tolerância de ponto para os funcionários públicos no Carnaval.
Contando a mesma dispensa de trabalho na véspera do Natal e do Ano Novo, são mais três dias de férias do que no setor privado. Se a isso somarmos a recuperação das remunerações, o retorno às 35 horas de trabalho semanal e o fim da possibilidade de despedimento, estamos a assistir a uma cornucópia de boas notícias para a função pública.
O problema vai ser quando os trabalhadores do setor privado, invocando a Constituição e a equidade política, reclamarem o mesmo tratamento.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Aliados da onça

Os três partidos da extrema-esquerda parlamentar que apoiam o Governo do PS já anunciaram todos que vão apresentar propostas de alteração ao orçamento, sendo de temer que vão consistir quase todas em aumentos de despesa, que poriam em causa o delicado equilíbrio em que assenta o orçamento resultante da negociação com Bruxelas.
Ora, tal como o PS fez questão de salvaguardar lealmente os compromissos que tinha com esses partidos no acordo que fez com a Comissão Europeia também eles deveriam respeitar agora esse compromisso, abstendo-se de apresentar propostas que aumentem o défice acordado com Bruxelas. Se o não fizerem, obrigam o PS a votar contra essas propostas, tornando-se o "mau da fita", ou, pior do que isso, pode acontecer que o PSD vote alguma dessas propostas de despesa dos infiáveis aliados do PS, só para "encalacrar" o PS...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Sob vigilância (2)

A principal virtude do compromisso com a Comissão Europeia que salvou o orçamento está na necessária tranquilização dos mercados da dívida e das agências de rating, perante um temido relaxamento da disciplina orçamental ou subida do risco da dívida pública portuguesa.
De facto, Portugal não pode de nenhum modo deixar criar um clima de incerteza orçamental que ponha em causa a (única) notação de rating positiva, a da DBRS canadiana, que é a garantia imprescindível do financiamento exterior do Estado e dos bancos nacionais a juros baixos.
Por isso, é essencial agora não deixar descarrilar a execução orçamental, deixando entrar pela janela aquilo que a Comissão Europeia não deixou entrar pela porta. Desnecessário será dizer que ainda mais importante do que a vigilância da Comissão Europeia em Bruxelas é a da delegação da DBRS em Lisboa.
Esquecer isso pode ser fatal.

Sob vigilância (1)

Como ontem aqui se previra , a Comissão Europeia deu passagem ao orçamento apresentado por Lisboa - consideravelmente corrigido quanto às metas do défice nominal e estrutural -, embora com uma forte advertência sobre o risco de incumprimento das regras orçamentais da UE e sobre a necessidade de monitorização de Bruxelas sobre a execução orçamental.
O laborioso e bem-sucedido compromisso poupou o País a um choque de consequências imprevisíveis com as instituições europeias e e o orçamento a que se chegou mantém Portugal na rota da consolidação orçamental, da redução do desequilíbrio das contas públicas e da contenção da dívida pública.

Fraudes

Aplauso para esta medida que visa um maior controlo das baixas por doença, que diminuem ilicitamente a assiduidade laboral e pesam muito nas finanças da segurança social. Infelizmente há muitos médicos que continuam a colaborar impunemente nesta fraude às obrigações laborais e à segurança social.
Mas há outra área que deveria exigir também maior rigor é o das aposentações por incapacidade, quer na definição dos seus pressupostos quer na verificação destes.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Receitas alternativas


Abertura da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico. Ou como arranjar receitas públicas alternativas sem mais impostos.

Quando o que separa não desune

O Jornal de Negócios resolveu inventariar as divergências entre as minhas posições e as do dirigente nacional do PS Porfirio Silva sobre alguns temas da atualidade (por vezes misturando alhos com bugalhos). Nesse exercício o jornal refere também algumas caraterísticas que compartilhamos. Faltam, porém, duas essenciais: somos amigos e vivemos bem com as nossas divergências políticas (que certamente não vão ficar por aqui...).
Felizmente, no PS, por via de regra, é assim!

Cartão amarelo

O mais provável, e desejável, é que a Comissão Europeia não rejeite a nova versão (muito) corrigida do orçamento que hoje vai ser aprovado pelo Governo.
Em vez de penalizar o facto de ele ficar aquém da meta preestabelecida quanto ao "défice estrutural" (mesmo assim recalculado e reduzido em 0,4%) e quanto à contenção da dívida pública, a Comissão deve premiar o esforço de aproximação feito pelo Governo, mercê da receita adicional criada pelo aumento de vários impostos, que também reduz o défice nominal para 2,4% (era 2,8% no primeiro draft). Por isso, a Comissão deve abster-se de uma cartão vermelho, que pareceria excessivamente punitivo, e limitar-se a um cartão amarelo, com advertências sérias sobre as insuficiências remanescentes no orçamento aprovado, como fez em relação a outros países.
Resta esperar que a execução orçamental não venha a descarrilar e que não cheguemos a setembro a necessitar de um orçamento retificativo...

Adenda
No entanto, as arrasadoras perspetivas da Comissão Europeia desta manhã sobre Portugal fazem duvidar sobre se existem condições para leniência de Bruxelas em relação ao orçamento que está em via de aprovação no Conselho de Ministros...

Adenda 2
Também muito pessimistas as perspetivas do FMI. Decididamente, o exercício orçamental de Lisboa complica-se.

Os que têm e os que não têm

1. É de aplaudir duplamente esta medida do novo orçamento relativa ao valor da dedução fiscal por cada filho em sede de IRS: primeiro, porque a dedução vai ser significativamente aumentada; segundo, porque ela passa a ser igual para todos os contribuintes, independentemente do rendimento de cada um e do número de membros do agregado familiar, ao contrário do "quociente familiar" estabelecido pelo anterior Governo.

2. Resta, porém, o defeito de todas as deduções fiscais, que só beneficiam quem tem rendimento suficiente para pagar IRS, deixando de fora justamente as muitas famílias de menores rendimentos e que por isso mais necessitam de apoio para criar os filhos. Afinal, nem toda a gente tem direito ao prémio financeiro por ter filhos. Como em quase tudo, há os have e os have nots.
Por isso, como há muito defendo, em vez de benefícios fiscais, era mais justo um subsídio de valor equivalente para todas as famílias.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

"Soberania orçamental"

Ao contrário do que tantas vezes se ouve e lê, a UE não controla previamente os orçamentos nacionais antes dos parlamentos nacionais. Só verifica o cumprimento das regras da União sobre o défice orçamental, nos termos dos Tratados.
O montante das receitas e despesas públicas, bem como a origem das primeiras e a aplicação das segundas - ou seja, toda a política orçamental em sentido próprio -, continua a ser inteiramente da responsabilidade dos governos e dos parlamentos nacionais.
A União monetária e a moeda comum implicaram obviamente a perda da política monetária e da política cambial pelos Estados-membros que integram a zona euro, mas só afetaram a política orçamental quanto ao défice e ao endividamento, não quanto às opções e prioridades substantivas em matéria de receitas e de despesas públicas.

A UE e a situação na Líbia

União Europeia e Estados Membros falharam em agir como Europa coesa e coerente para ajudar os governos de transição líbios na tarefa que devia ter sido prioritária, sem a qual era óbvio que não funcionariam Estado, nem governação: a construção de forças de segurança sob comando nacional, o que implicava desmobilizar as milícias, não deixar que fossem infiltradas por redes criminosas e terroristas, explorando os arsenais de Khadafi no "bazar de armas" que ainda aqui hoje denunciou o Presidente da Nigéria.

UE e Estados-Membros continuam a enterrar a cabeça na areia, tudo reduzindo a lutas tribais entre líbios: continuam em denegação da "guerra por procuração" conduzida em terreno líbio por potências rivais sunitas -  Egipto e Emiratos, atrás da Arábia Saudita que financia os grupos salafistas,  contra Turquia e Qatar, que apoiam a Irmandade Muçulmana. "Guerra por procuração" que organiza a desintegração da Líbia e a expansão do Daesh e outros grupos terroristas no terreno.

 O Acordo Político Líbio que o Representante do SGNU Martin Kobler conseguiu negociar oferece uma oportunidade que o povo líbio,  a UE e a região não podem desperdiçar: é uma oportunidade "in extremis" para impedir a escalada da violência. Um ataque terrorista organizado a partir da Libia contra europeus não ficará sem resposta. E ninguém saberá controlar os impactos de uma  intervenção militar externa.

Para o Acordo  Político Líbio e o Governo de Acordo Nacional vingarem é vital que a UE imponha imediatamente  sanções direccionadas contra qualquer indivíduo ou organização, líbio ou estrangeiro, que boicote o Acordo e o governo.

A Europa tem de assumir que é sua obrigação e interesse vital investir na segurança da Líbia. A erradicação de santuários terroristas implica trabalhar na desmobilização, desarmamento e reintegração de qualquer milícia, no combate ao tráfico de armas e de seres humanos, e na formação de forças de segurança líbias sob comando  unificado. Sem  se restabelecer segurança, não haverá transição democrática na Líbia, nem capacitação para a governação, nem respeito pelos direitos humanos, nem gestão dos recursos petrolíferos, nem controlo de fluxos migratórios. 

A UE tem de se empenhar na Líbia  e interessar-se pelo povo líbio. Só assim assegurará a sua própria  segurança e a segurança da região.


(Minha intervenção em debate esta tarde no PE sobre a situação na Líbia)