Ignoro, como toda a gente, qual irá ser a decisão final de Jorge Sampaio: se aceita Santana Lopes como primeiro-ministro com, segundo consta, um ministro das Finanças credível (mas o que será, no fundo, inquestionavelmente, um ministro das Finanças credível?); ou se dissolve o Parlamento e convoca eleições antecipadas. Permito-me até duvidar se Sampaio saberá já qual a melhor decisão a tomar. Certo é que nenhuma será boa e satisfatória e qualquer delas o enredará numa teia de responsabilidades políticas directas na gestão da crise, com prejuízo do seu estatuto e da sua autoridade.
O que parece certo é que o dilema do Presidente foi, em grande parte, criado por ele e pela sua incapacidade de ver claro desde o momento em que se tornou evidente a apetência de Durão Barroso em fugir para Bruxelas. Ora, imagine-se que o Presidente, em vez de deixar-se aprisionar na sua habitual indecisão e ambiguidade, colocava desde o início Durão Barroso perante as suas responsabilidades e não lhe facilitava o abandono da chefia do Governo.
Imagine-se que Sampaio dizia a Barroso o seguinte: «Senhor primeiro-ministro, compreendo que o convite que lhe é feito constitui uma honra para si e para o país. Não ponho isso em causa nem a legitimidade da opção que entender tomar. Mas a sua saída do Governo numa altura tão crucial, a meio do seu mandato, interrompendo o objectivo que se propôs de recuperar a confiança nas finanças públicas e na economia nacional, abre uma grave crise política e institucional que provocará uma enorme instabilidade no país. Por outro lado, não há memória de que nenhum outro primeiro-ministro em funções na Europa (até em países que não atravessam uma situação tão difícil como a nossa) tenha aceite demitir-se das suas responsabilidades políticas internas para aceder a convite tão honroso. Peço-lhe que reflicta nisso e nas suas responsabilidades, sendo certo que não deixarei de tomar a decisão que melhor salvaguarde os interesses nacionais e de dar conhecimento imediato dela aos portugueses».
Não acredito que se Sampaio tivesse tido um comportamento tão claro com Barroso, este alimentaria as ilusões que se conhecem sobre a aceitação pacífica do Presidente de uma sucessão ao gosto pessoal do primeiro-ministro cessante (ou de uma alternativa Santana Lopes). Além disso, Sampaio e Barroso deviam desde logo ter concertado a necessidade de ambos explicarem imediatamente ao país o que estava em jogo, assumindo cada um deles as respectivas posições e responsabilidades. Como nenhum deles o fez, Sampaio ficou prisioneiro das notícias entretanto divulgadas pelos media e Barroso tratou de apressar a sua fuga para Bruxelas.
Finalmente, não se compreendem os critérios selectivos das personalidades convidadas por Sampaio a deslocar-se a Belém para consultas (porquê Rui Machete, João Salgueiro, Miguel Cadilhe ou Artur Santos Silva, por exemplo, e não outros com semelhante estatuto?) Porquê tanto tempo para ganhar tempo e arrastar uma (in)decisão que poderia ter sido evitada se o Presidente tivesse ideias claras e não mostrasse um comportamento tão errático desde o início da crise?
Agora, com o país político dividido a meio e o país económico entregue a estados de alma contraditórios, qualquer solução será sempre uma má solução. Tudo porque Sampaio não confrontou visivelmente Durão Barroso com as suas responsabilidades. A partir de agora, o Presidente ver-se-á enredado e fragilizado na opção que acabar por tomar. O que se traduzirá inevitavelmente num enfraquecimento da sua autoridade institucional, com reflexos preocupantes na grave situação em que o país se encontra e na parte final do seu mandato em Belém.
Vicente Jorge Silva