A 15 de Janeiro introduzi no CAUSA NOSSA um texto cifrado (às cruzinhas), "Novas fronteiras e as mulheres". Com a nota de que, depois das eleições, poderia decifrar... Confesso que esperei que não viesse a ser preciso. Mas é. Lamentavelmente é. E, por isso, aqui vai:
Fiquei chocada com o número e o posicionamento das mulheres nas listas eleitorais do PS. E alarmada com o facto de várias terem sido incluídas por conveniência instrumental (preencher a quota estatutária de 33%) e por critérios alheios a competências ou especial activismo partidário ou outro.
Chocou-me particularmente o tratamento dado a Sónia Fertuzinhos, eleita pelas militantes do PS (e mais de 4.000 socialistas participaram em 2003 nessas eleições) para presidir ao seu Departamento de Mulheres. Ela é inteligente, progressista, competente, trabalhadora, dedicada ao Partido, tem invulgares e demonstradas qualidades de liderança e capacidade de iniciativa, bom-senso, experiência como deputada, sólida preparação académica, é jovem, mãe de filhos pequenos, sabe comunicar (e em várias línguas) - enfim, a "dream female young leader" que qualquer Partido socialista ou social-democrata por essa Europa fora se pelaria por exibir. Mas no PS português prevaleceu o machismo anacrónico que, por um qualquer pretexto, excluiu das listas a Presidente eleita do Departamento de Mulheres.
Caberia ao Secretário-Geral do PS - de quem se espera modernidade, liderança estratégica e autoridade corajosa - arbitrar e colocá-la em lugar cimeiro (afinal de contas, que outro dirigente do PS foi democraticamente eleito com mais votos, depois do próprio Secretário-Geral?). E o Secretário-Geral arbitrou - deixando-a em 12º lugar na lista distrital de Braga. Arbitrou mal.
Várias vozes, de homens e mulheres, de dentro e da orla do PS, criticaram publicamente. Eu, com muito custo, calei-me (ficaram-me as cruzinhas como bóia de salvação...). Deliberadamente. Para não prejudicar a campanha eleitoral do PS. Para que ninguém me acusasse de prejudicar as possibilidades eleitorais do PS.
Mas não me calei dentro do Partido. Porque senti a responsabilidade militante de protestar para que o erro fosse corrigido. Não me movia - não me move - qualquer interesse pessoal: não fui, não sou, nem serei candidata a nenhum cargo governamental ou outro de âmbito partidário, incluindo os lugares abertos na delegação ao PE pela saída de António Costa. Só me interessa desempenhar o mandato de deputada europeia para que fui eleita. E justamente pelas responsabilidades que assumi perante os eleitores, entendi não dever calar-me junto dos dirigentes do PS.
Fiz mesmo uso da lealdade e franqueza que prometi a José Sócrates no Congresso em que foi eleito Secretário-Geral do PS: no dia 9 de Janeiro, na abertura das "Novas Fronteiras" no Porto, fui dizer-lhe que a composição das listas no que respeitava a mulheres e o tratamento dado a Sónia Fertuzinhos, em particular, me desgostavam, porque não revelavam nenhuma modernidade, nem sintonia europeísta, nem progressismo, nem "novas fronteiras" nenhumas. Referi o exemplo de Zapatero e frisei as suas especiais responsabilidades como Secretário-Geral - este era um teste à qualidade da sua liderança. Apreciei como dominou o "animal feroz" que lhe luziu no olhar ...
Entretanto, o PS ganhou por maioria absoluta - e José Sócrates tem a seu crédito boa parte do mérito por isso (goste-se ou não do estilo e substância da campanha que encabeçou). Julguei que não desperdiçaria a oportunidade de compensar o mau-passo político quanto à composição das listas, com um elenco governamental mais equilibrado em mulheres (competentes, evidentemente) - ao menos respeitando a quota partidária (como sugeriu quando veio ao Grupo do Partido Socialista Europeu, em Bruxelas, durante a campanha eleitoral, respondendo a perguntas de uma deputada alemã).
Enganei-me: Ministras são apenas 2 - 12,5 %. Espero que com as Secretarias de Estado, ainda a anunciar a esta hora, a percentagem de mulheres no Governo suba substancialmente. Para que, ao menos, o governo socialista não fique atrás dos governos de direita de Durão Barroso - que, de Bruxelas, não perdeu já a oportunidade de esfregar mais um pano encharcado na cara do PS, a este respeito.
No Parlamento Europeu inúmeros colegas - homens e mulheres - interpelam a delegação portuguesa, incrédulos, desapontados, confusos "Como é possível? E ainda por cima com o PSOE ali ao lado a mostrar o caminho?!".
O que se responde? Que Portugal e o PS estão nas mãos de dirigentes que não compreendem os desafios da modernidade e da globalização? que não compreendem sequer o que é o país hoje ?
Enfim. Uma vergonha para Portugal e para o PS! E uma ofensa para as mulheres portuguesas. E sobretudo para as numerosas mulheres capazes e experientes, que, por todo o país, o PS conta como valiosos quadros e como apoiantes em todos os sectores profissionais, sociais, académicos e autárquicos.
Que governação PS iremos afinal ter: Novas fronteiras? Ou velhas amarras ?