segunda-feira, 8 de agosto de 2005

Robin Cook: I do miss him

No início dos anos 90, quando trabalhei na Embaixada em Londres, ele era o «gnomo» para a imprensa britânica. À conta da sua parecença física com aqueles bonecos «kitsch» que polvilham os jardins das casas da classe média na Grã-Bretanha. Mas também porque se destacava, como um dos principais porta-vozes do Partido Trabalhista, na marcação ao desastroso governo de John Major, explorando em particular as revelações do «Scott Inquiry» sobre a indecência, o comportamento doloso dos governos conservadores da Sra. Thacher, que durante os anos 80 foram vendendo secretamente armas ao Iraque. Do ditador Saddam Hussein, claro.
Quando se tornou Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Tony Blair em Maio de 1997, Robin Cook afirmou uma política externa baseada em considerações éticas, em especial na necessidade de coerência na defesa dos direitos humanos. Era preciso coragem e determinação - não bastava a convicção, porque ia ser preciso afrontar persistentemente poderosos interesses comerciais e outros: os detrás das vendas de armas a Saddam ou a Suharto (720 milhões de dolares em contratos de venda de armas à Indonésia só no último ano do governo Tory, baixaram para um milhão em 1998). E em Setembro de 1999 Robin Cook declarou a suspensão das vendas de Hawks e outro material bélico a Jacarta para, assumidamente, fazer ver ao governo e ao Exército indonésios que a violência em Timor-Leste suscitava internacionalmente «horror and disgust».
Antes disso Robin Cook já fizera uma grande diferença em relação a Timor-Leste: a presidência britânica da UE liderara uma missão da Troika a Timor-Leste, em Junho de 1998 (Suharto acabara de cair), que produziu um marcante relatório onde, pela primeira vez, não se escamoteavam os sentimentos dos timorenses contra a ocupação indonésia. E durante o ano de 1999, em Jacarta, nunca eu poderia ter contado com o valioso apoio do meu velho amigo Robin Christopher, embaixador britânico ali, se ele não se sentisse inteiramente respaldado pela direcção política do Foreign Office. E a rapidez com que veio a luz verde para Xanana Gusmão, libertado da prisão, ficar alojado na Embaixada britânica até poder sair da Indonésia, em 6 de Setembro de 1999, escassas horas depois de eu e a Paula Pinto termos ido pedi-lo ao Robin Cristopher, atesta como Robin, o Ministro, entendia bem e depressa o que estava em causa.
Vim a lidar pessoalmente com ele só mais tarde, com o Iraque em pano de fundo. No âmbito do PSE, Partido Socialista Europeu, onde ele exercia a Presidência e onde eu passei a representar o PS desde que assumi funções de Secretária Internacional em 10 de Fevereiro de 2003. Admirei-lhe primeiro a autoridade cosmopolita, a perícia a dirigir reuniões e a habilidade negocial. Apesar dos resultados serem nulos - em Março era impossível chegar um acordo entre os partidos socialistas europeus, tão grande era a fractura criada pela iminente invasão do Iraque. A mais encarniçada oposição ao consenso que Robin tentava vinha do seu compatriota que ali representava o Labour e o governo britânico - Dennis Mc Shane (entretanto Secretário de Estado para a Europa no Foreign Office), com um comportamento confrontacional arrogante, em tudo oposto ao de Robin.
Dias depois Robin demitia-se de líder do Labour nos Comuns, em protesto contra a posição governamental de invadir o Iraque, a reboque da Administração Bush e sob falso pretextos. Com a intervenção fundamentada conhecida e a persistente intervenção posterior denunciando as desastrosas consequências a invasão. Que ele tinha razão, é hoje indesmentível.
Dos contactos que regularmente tivemos no ano seguinte, enquanto ainda liderou o PSE (ele decidiu não se recandidatar nas eleições de Abril de 2004), confirmei todas as primeiras impressões, mais a extrema afabilidade pessoal. Quis trazê-lo à Convenção Europeia do PS em 28 de Fevereiro de 2004 - a agenda não lho permitiu.
Robin Cook fez diferença neste mundo. Ele teve a lucidez de articular e procurar pôr em prática uma política externa com coerência e fundamentação ética. Nem sempre conseguiu resultados. Mas tentou. E sempre que não concordou, no mais essencial, não transigiu. No mundo em geral e nos partidos socialistas, de ontem como de hoje, integridade pessoal e política fazem diferença.