No Professorices Daniel Bonhorst («Doentes de primeira e de segunda (III)») volta à questão dos hospitais SA, revelando alguma informação preocupante sobre a nova gestão. Ainda bem que há quem esteja atento.
Quatro comentários às suas observações:
(1) Aplicar métodos de gestão empresarial não significa necessariamente sujeitar os serviços públicos a uma lógica lucrativa. A empresarialização - que aliás pode revestir diversas formas jurídico-institucionais -pode implicar tão só a racionalização de certos procedimentos, de modo a fomentar a eficiência e a responsabilização na gestão dos dinheiros públicos. Naturalmente, tem de ser compatibilizada com a lógica própria do serviço público em questão, sem esquecer a vertente da investigação e da formação nos hospitais onde ela existe;
(2) Também eu sou utente do SNS e também eu não o trocaria por nenhuma clínica privada. Mas isso não significa que não me tenha espantado, numa altura em que por lá andei, com serviços e equipamentos que são utilizados apenas umas horas (muito poucas) por dia, apesar das listas de espera. E, por favor, não me respondam que não há médicos ou enfermeiros para os ocupar por mais tempo. Mesmo que seja essa razão, não esqueçamos de quem é a responsabilidade. Há muito que no Senado da minha Universidade me indignei com o apertado "numerus clausus" existente na Faculdade de Medicina e lembro-me do que me responderam os seus professores então lá representados: que havia médicos suficientes, uma posição sempre secundada pela Ordem. Até os compreendo: defendem os seus interesses profissionais. O que eu nunca entendi foi a tolerância dos Reitores e dos Governos (até ao final da década de 90) perante tão descarado malthusianismo profissional. Agora, qualquer reforma de tipo empresarial vai ter de enfrentar esta grande dificuldade.
(3) Perfeitamente de acordo com a sua ideia de que antes de reformar é preciso saber se o serviço funciona mal (e critérios quantitativos não bastam para este efeito). Mas mais do que isso. Mesmo que a avaliação seja negativa, é preciso verificar se algumas correcções internas não podem resolver os problemas. E, por último, nos casos em que os cidadãos confiam no serviço (como parece ser o caso do SNS), evitar que reformas mais radicais afectem essa confiança. É que ela é muito fácil de destruir, mas muito difícil de recuperar.
(4) Até por isso, qualquer reforma, particularmente esta de serviços tão sensíveis (a saúde é a primeira prioridade dos portugueses em todos os inquéritos de opinião) deve ser avaliada e acompanhada por entidades independentes. A informação para esse efeito tem de ser disponibilizada de forma transparente, com escrutínio das fontes e dos métodos da sua recolha. Ora, não parece ser isso que está a acontecer. Ontem no Público, António Correia de Campos - que está longe de ser alguém com preconceitos contra a empresarialização -, desmontava os números pomposamente publicitados pelo Ministério da Saúde sobre o sucesso dos hospitais SA. Confesso que já desconfiava de tanta e tão dispendiosa publicidade! Espero que não tenha sido para justificar o generoso aumento de remunerações, com retroactivos, concedido aos seus gestores!
[Na imagem: John Lavery: Doentes num hospital de Londres, 1914]
Maria Manuel Leitão Marques