Tenho recebido variados mails e comentários-posts sobre a malfadada matéria das regiões administrativas. Ainda bem que o tema suscita a inquietação dos cidadãos, bloguistas ou não, já que não podemos deixar que a organização administrativa do País nos passe ao lado sem discussão.
(1) Uma crítica
Do blog Liberdade de Expressão, de João Miranda, transcrevo uma opinião contrastante com a que aqui produzi na semana passada:
"No fundo, o que Luís Nazaré defende é que o melhor mapa é aquele que é planeado por técnicos qualificados e que torna possível uma administração racional.
O problema é que nenhum técnico, por mais competente que seja, dispõe da informação e capacidade de previsão necessárias para criar um bom mapa. O mapa das 5 regiões é um mapa que ignora completamente as afinidades das populações locais. Limita-se a satisfazer os interesses, o modo de pensar e os vícios dos tecnocratas.
A alternativa ao mapa planeado por burocratas é um mapa que resulta da evolução ao longo do tempo das relações entre entidades políticas mais pequenas. Se o mapa das 5 regiões é mesmo bom, então os municípios acabarão por descobrir isso mesmo. Mas se for mau, os municípios acabarão por descobrir um melhor.
(...)
É curioso que Luís Nazaré chame a este mapa um mapa administrativo. É que o que pode resultar de tudo isto não é um mapa administrativo. É um verdadeiro mapa político em que cada unidade é formada por municípios com afinidades e com interesses comuns. O que pode resultar de tudo isto é um verdadeiro autogoverno".
Em apoio da sua tese, João Miranda insere um conjunto de mapas, dos mais "racionalistas" - como o dos Estados Unidos (mas não o do Próximo Oriente, como supõe) - aos mais "históricos" - como o suiço. A este propósito, salienta que "O mais pequeno cantão suiço tem 37 km2. É mais pequeno que o concelho do Porto. Regiões demasiado pequenas é coisa que não existe. O tamanho ideal de uma região depende das suas condições locais, conhecidas apenas pelos habitantes."
(2) A minha resposta
Registo a posição, interessante e tonificante, de João Miranda. Infelizmente, não creio que o optimismo que revela quando afirma que "o que pode resultar de tudo isto é um verdadeiro autogoverno" conheça melhores dias do que os da ilusão auto-gestionária das décadas de 60 e 70. Do mesmo modo, recuso-me a aceitar a primazia da legitimidade e do conhecimento das populações locais sobre o interesse geral e a razão dos portugueses (todos os portugueses). Faltam-me provas da capacidade dos autarcas em ultrapassar, eles sim, constrangimentos paroquiais e conveniências duvidosas. Duvido das intenções de quem retalha o Norte em sete pedaços e o Alentejo em quatro, para não ir mais longe. No limite da boa-vontade, estaremos perante um puro exercício de reformulação das fronteiras distritais, inconsequente, despesista e gerador de mais confusão e burocracia.
Repare-se que não houve - nem se prevê que venha a haver - transferências de recursos e competências do poder central para as putativas "regiôes". Assim, cada uma não será mais que o menor múltiplo comum dos jogos inter-municipais, um patamar de eficiência duvidosa entre os (mesmos) poderes centrais e os dos municípios, um patamar a mais na já intrincada malha orgânica do Estado - CCRs, distritos, comarcas, associações de municípios, além das lógicas díspares de distribuição regional dos serviços centrais. É muito interessante delegar a construção de um edifício nos trolhas, mas nada se faz sem engenheiros e sem projectos. Que incentivos terão para disponibilizarem recursos e agregarem competências? Quem pagará? E que varinha de condão fará das novas sete (!) "Grandes Áreas Metropolitanas", desprovidas de recursos e de uma matriz orgânica comum - um desiderato provavelmente demasiado "tecnocrático"... -, um instrumento menos inútil que as actuais Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto? Ou que golpe de asa "basista" fará da "livre" organização dos municípios uma malha mais racional (lamento o termo, mas não me ocorre outro) do que a das actuais Regiões de Turismo, fruto da mesma lógica de conveniências bairrísticas?
Um último comentário para as referências cartográficas internacionais, especialmente a suíça. A Confederação Helvética sempre assentou num poder central ténue e numa forte diversidade de comunidades, largamente ditada pelas condições particulares do relevo. Além disso, possui uma assinalável heterogeneidade cultural e linguística, com quatro idiomas principais e uma infinidade de variantes dialectais, quase uma por cada comunidade de altitude. Razões suficientes para explicar a "inestética" repartição cantonal da Suíça. Mas não creio que o exemplo se possa comparar com qualquer outro da União Europeia. Atente-se na geometria de divisão regional de países como a Alemanha, o Reino Unido ou a França. Acima de tudo, comparem-se as regras e vejam-se as diferenças para este pobre exercício lusitano.
Luís Nazaré