1. Perguntas certas
Até Luís Delgado as faz:
«O erro está em quem a pôs lá [a carta anónima no processo Casa Pia], e aí sim, o PR, na sua qualidade constitucional, já deveria ter tomado medidas urgentes. Este processo ameaça implodir pela mão dos que deveriam zelar pelo seu bom andamento e fim justo. E é tanto mais vergonhoso quanto a imagem interna e externa do país começa a bradar aos céus. Ninguém assume responsabilidades? Ninguém é culpado de nada?»
(Sublinhado meu, VM).
2. Esclarecendo uma confusão
De um leitor recebi um mail discordante sobre o meu post acerca do texto de Helena Matos:
« (...) Sabe que não foi esta a leitura que fiz do artigo. As cartas anónimas sobre Irene Lisboa foram mandadas arquivar por Salazar ou pela PIDE, e o paralelo de Helena Matos pareceu-me ser esse. Muito pelo contrário da opinião expressa no vosso Blog, ela denuncia e procura explicar o estado psicológico que leva à proliferação de cartas anónimas em situações específicas e para determinadas pessoas, salientando a irrelevância da carta em causa. Sobre o que deveria ter sido o seu destino, julgo que ela o diz no parágrafo:
«E nos outros casos, aqueles em que, à semelhança da denúncia sobre Irene Lisboa, essas cartas se limitam a lançar um manto de infâmias sobre alguém? E se esse alguém for Presidente da República? Ministro? Dirigente partidário?... Pior do que uma carta anónima sem uma linha de verdade apensa a um processo será fazer de conta que a carta anónima nunca existiu. Ou, como acontece nas ditaduras, guardá-la. Para nada ou para o que der e vier. Mais insidioso ainda, destruir umas cartas e deixar outras consoante o objecto ou a personalidade denunciada.»
A justiça não pode fazer de conta que a carta não existiu, não deixando de investigar quem lança essas cartas; guardá-las para o que der e vier é próprio das ditaduras, e mais insidioso do que esta recolha "para o que der e vier" é o destruir umas e guardar outras, como aconteceu agora. Não vejo nisto confusão nenhuma, e se algum paralelo Helena Matos faz é entre o procedimento da PIDE ou de Salazar (que não devia ter intuitos de arquivo histórico) e o actual procedimento que guardou a carta caluniosa (para o que der e vier ou para aparecer na altura em que politicamente fosse conveniente, digo eu).
Cordiais saudações
Luís Jorge Matos»
Não excluo a possibilidade desta leitura alternativa do texto em causa. Mas importa desfazer uma manifesta confusão. Se a tal carta era penalmente irrelevante para o processo da pedofilia, como se concluiu e era evidente, então é uma enormidade ela estar nesse processo, pois ela é tudo menos irrelevante quanto ao ultraje nela contido. Não consigo concordar com a tese da "irrelevância" dessa inclusão. É evidente para mim que misturar o Presidente da República nessa história é uma leviandade irresponsável ou uma provocação. Por outro lado, se a carta pode configurar, como parece óbvio, o crime de difamação do PR - aliás um crime qualificado -, então deveria constituir ela mesma um elemento desse crime, mas num outro processo autonómo. Ora não consta que o MP tenha aberto esse processo ou desencadeado qualquer averiguação para apurar o autor do crime. Limitou-se a deixar a carta no processo errado (aliás contra lei expressa, tratando-se como se trata de documento anónimo irrelevante para aquela causa), sabendo que mais tarde ou mais cedo ela viria a público, para pasto de todas as especulações, permitindo a associação infame do PR aos crimes de que ele trata.
A conduta do MP neste ponto é, portanto, indefensável. E alguém tem de ser responsabilizado!
Vital Moreira