O processo Casa Pia ameaça pôr à prova os limites da imaginação conspirativa.
A propósito da fuga da notícia das cartas anónimas constantes do processo, citando entre outros o nome do Presidente da República, há agora a teoria da conspiração por conta dos acusados e do PS. Como essa notícia só podia beneficiar a defesa, desacreditando a acusação, estão encontrados os culpados...
Nesta linha J. Pacheco Pereira, ontem no Público e depois no Abrupto, procedeu a uma meticulosa montagem de dados para reconstruir esta alegada conspiração socialista destinada a descredibilizar a acusação. Porém, como mostra hoje Miguel Sousa Tavares, no mesmo Público, a fuga só pôde existir porque as cartas estão lá, escritas e enviadas por alguém e, depois, colocadas no processo pelo Ministério Público, sabendo que elas haveriam de vir a público mais tarde ou mais cedo. A nova teoria da conspiração - destinada obviamente a contra-atacar a "teoria da cabala" do PS - está portanto fatalmente incompleta. A não ser que os defensores dela dêem o passo que até agora não tiveram a coragem de dar, mas vão deixando nas entrelinhas, ou seja, a de que as próprias cartas se poderiam dever também aos autores da cavilosa conspiração. E retrospectivamente seria de supor também que já teria sido o próprio PS a contratar o depoimento que envolveu Ferro Rodrigues. Tudo somente para lançar a confusão!
A teoria da conspiração socialista tem ainda a vantagem de ilibar as fugas de informação que ao longo do processo saíram contra os arguidos, bem como as operações de contra-informação cirurgicamente lançadas, como a que recentemente se referia aos alegados sinais biológicos que comprometeriam o deputado Paulo Pedroso.
Outro efeito da teoria da conspiração é o branqueamento do Ministério Público e das deficiências da investigação, que podem comprometer, elas sim, o êxito da acusação. O director do "Público" José Manuel Fernandes - insuspeito de simpatias com o PS nesta questão - escreve hoje a respeito deste ponto:
«(...) torna-se cada vez mais evidente que a forma como a investigação foi conduzida, sob a responsabilidade do Procurador-Geral da República, criou um monstro processual que é uma inesgotável "caixa de Pandora". Não me surpreenderia pois que tudo um dia acabasse como o processo da FP-25: com uma juíza a mandar os réus em liberdade dizendo-lhes que está convicta da sua culpabilidade mas sem provas no processo para os condenar. A incompetência e a leviandade são, para nossa desgraça, defeitos generosamente distribuídos por amplos sectores do aparelho judicial e, se no passado assistimos a tantos casos lamentáveis, o mediatismo do actual e o horror dos crimes cometidos não é garantia que termine melhor. Pior: os sinais que há muito venho denunciando de uma excessiva concentração de poder no Ministério Público, associado a manifestações de justicialismo anti-classe política, são hoje ameaças ao nosso Estado de Direito. »
Vital Moreira