Uma coisa são os factos que são notícia - porque são significativos e de relevante interesse público. É o caso da anexação ao processo da Casa Pia de cartas anónimas visando o Presidente da República e o comissário Vitorino. É também o caso da apresentação às testemunhas de fotografias de importantes figuras do Estado e da Igreja. Nenhum segredo de justiça justifica, por razões técnicas ou outras, a ocultação destes factos e abusos judiciais. Todos temos o direito de conhecê-los.
Outra coisa, porém, é o aproveitamento alarve e eivado do sensacionalismo mais inqualificável - como é prática habitual nos noticiários da TVI - de declarações de testemunhas, com a descrição pormenorizada de actos sexuais que teriam sido praticados por alguns dos acusados no processo. Qualquer mente minimamente esclarecida, sabe distinguir perfeitamente as duas coisas e não confunde aquilo que é notícia com aquilo que é mero vómito informativo, sem qualquer relevância e interesse público.
É óbvio que aos novos aspirantes a censores não convém fazer a destrinça entre uma coisa e outra, no que são acompanhados, naturalmente, pelos produtores dos vómitos informativos. As recentes declarações de José Eduardo Moniz, director da TVI, em defesa da liberdade de informação são, por isso, de uma revoltante hipocrisia. Mais: são um nojo equiparável ao nojo que ele faz passar nos seus noticiários, em busca de audiências.
Combater a deriva do sensacionalismo nos media não passa por um qualquer aparelho censório. Sabe-se onde começa a censura mas não se sabe onde é que acaba. Aqui impõe-se, pelo contrário, a existência de uma entidade reguladora com poderes eficazes e transparentes (como não é o caso da actual Alta Autoridade para a Comunicação Social). E impõe-se, como é evidente, uma celeridade maior na aplicação das leis existentes - uma vez que se trata de crimes abrangidos também pela legislação geral. Se essas leis forem aplicadas com a severidade indispensável, os exploradores do lixo televisivo e impresso encontrariam motivos para pensarem duas vezes. Uma vez que, como está definitivamente comprovado, nenhuma auto-regulação será praticada por quem vive do exercício impune da desregulação selvagem.
Vicente Jorge Silva