terça-feira, 20 de janeiro de 2004

A falsa inocência do Expresso

O editorial do último "Expresso" e a coluna "O que eles dizem", assinada pelo director-adjunto José António Lima, reflectem preocupações oportunas acerca da deriva sensacionalista dos media portugueses. Lima aponta a TVI e o "24 Horas" como exemplos característicos de "populismo degradante", enquanto no editorial - com a marca inconfundível de José António Saraiva - se desenvolve uma penetrante teoria sobre a origem do mal: a internet.

O mais sintomático, porém, é que Saraiva e Lima convergem num ponto essencial: a chamada imprensa de referência foi também atingida pelo vírus da tabloidização. Só que os directores do "Expresso" são omissos quanto ao alvo desta crítica - e, muito menos, admitem tratar-se de uma auto-crítica. O "populismo degradante" tem nomes apontados, mas não os jornais de referência que cedem à vulgaridade comercial e ao sensacionalismo serôdio para aumentar as tiragens. É fácil apontar o dedo à TVI e ao "24 Horas". Esses, pelo menos, não enganam ninguém. E o "Expresso"?

Basta ler algumas manchetes (a do recente "convite" a Niemeyer para projectar a futura catedral de Lisboa é digna de antologia) ou constatar a gritante falta de correspondência entre os títulos e as notícias (caso do "Partido Comunista apoia Carrilho", na última edição) para verificarmos até onde chega a imaginação editorial do nosso primeiro semanário de referência. E que dizer de certas peças memoráveis de "voyeurismo" sensacionalista sobre o processo da Casa Pia? Ou da forma como, em geral, se "embrulham" as supostas "cachas" sobre a actualidade política? Ou do estilo de bisbilhotice pimba que invade o jornal, designadamente a sua actual revista?

É excelente que os directores do "Expresso" estejam preocupados com a degradação generalizada da imprensa portuguesa e a necessidade de combater essa deriva. Mas como a moral deve começar por casa, seria de toda a conveniência que praticassem o exemplo no seu próprio jornal. A não ser que desejem passar por hipócritas ou falsos moralistas, apontando aos outros as culpas que não desejam assumir. A internet pode ter culpa de muitas coisas, mas, por favor, não abusem do álibi do pecado original.

Vicente Jorge Silva