quinta-feira, 1 de janeiro de 2004

Indignação

"Chapadas de lama", foi assim que o Bastonário da Ordem dos Advogados qualificou com propriedade o aparecimento nos autos do processo da Casa Pia de uma carta anónima que pretende conspurcar nada menos do que o actual Presidente da República e o actual comissário português na União Europeia, para além de um depoimento que refere o actual secretário-geral do PS (como já se sabia desde há meses) e o ex-Ministro Jaime Gama do mesmo partido (como se ficou agora a saber). Veio nos jornais de hoje. A estupefacção não se fez esperar.
Mesmo que tais elementos sejam absolutamene inverosímeis e não tenham tido a mínima valoração processual, o simples facto de eles estarem no processo só pode causar a maior indignação. A honra e dignidade pessoal dos titulares de cargos políticos não pode estar à mercê da aleivosia ou da demência de qualquer sujeito que se lembre de implicar alguém num crime nefando. No caso da carta anónima, a questão é verdadeiramente revoltante, tanto mais que torna impossível fazer pagar a calúnia ao cobarde responsável por ela. Por isso causa espanto que ela tenha sido junta ao processo pelo Ministério Público. Dá para imaginar se alguém se tivesse lembrado de implicar mais meio mundo da política por meio de uma carta anónima? O PGR deve prestar contas por esta ostensiva tentativa de enlameamento dos visados.
Mas a chocante revelação das incríveis denúncias só pode enfraquecer a investigação e a acusação em geral. Parecem agora evidentes duas notas: (i) a referência a mais estes nomes mostra que afinal houve mesmo uma tentativa de assassínio político de um grande número de altos dirigentes do PS; (ii) a escandalosa inverosimilhança de tais denúncias leva a admitir que a mesma má fé pode estar também por detrás das "provas" que sustentam a acusação do deputado Paulo Pedroso, mesmo que pareçam menos atrabiliárias. Como pode alguém, depois disto, dar crédito ao que consta do processo?
Uma outra pergunta se impõe: perante esta provocação a dois eminentes titulares dos mais altos cargos políticos do País vai o primeiro-ministro manter o silêncio e a distância de "vestal" que até agora tem adoptado? E se uma caluniosa denúncia anónima tivesse incluído algum dirigente do PSD ou do Governo?
Ao contrário dos que pensam (e porventura com isso folgam) que o caso só atinge o PS (que está a passar por uma verdadeira ordália), o processo Casa Pia corre o risco de se transfromar num inquietante abalo da credibilidade das instituições políticas e judiciais. Penso que ninguém tem o direito de não se preocupar.

Vital Moreira