sexta-feira, 2 de janeiro de 2004

Feliz ano novo. Espero que não chegue a tua vez.

Ontem, alguns comentadores meteram os pés pelas mãos para tentarem criticar sem criticar a decisão do MP de incluir cartas anónimas (sem qualquer facto objectivo investigável) no processo Casa Pia. Outros foram mais directos ao assunto e mencionaram o destino devido a tais papéis. Depois de ouvir um deles (um Juiz que esteve na RTP 1), ficam-me duas perguntas por responder:

1. Se pareceria verosímil admitir que as ditas cartas servem apenas para desqualificar a investigação e lançar poeira sobre as acusações, então por que razão as juntou o MP a este processo? Não está o MP interessado em levar a sua avante e fazer condenar os arguidos que efectivamente acusou? Não é o MP, em nome das vítimas e de todos nós, o principal interessado em velar pela solidez e credibilidade da sua acusação?

2. E mais uma vez, se as referidas cartas não servem mais do que servir-se de nomes e personalidades conhecidas, onde ao boato não pega, para obscurecerem os fundamentos de outras acusações, então por que razão tais aleivosias atingem sempre pessoas estimáveis do Partido Socialista? Não seria até mais eficaz, do ponto de vista de uma suposta estratégia da defesa, espalhá-las por outros partidos, sei lá mesmo senão envolvendo o primeiro-ministro, o ministro da defesa, etc., etc.?

Seja qual for a resposta a estas perguntas intrigantes, uma certeza me fica: as cartas não são inocentes, a sua inclusão no processo não é irrelevante e o seu efeito na honorabilidade das pessoas referidas não é desprezível. É isso que me deixa também indignada. Profundamente indignada. E sobretudo preocupada: não tanto com este ou aquele processo (espero que a devido tempo a justiça desempenhe o seu papel), mas com a democracia e as suas instituições, mais uma vez tão pouco valorizadas. E antes de tudo, com as pessoas, elas mesmo. Neste início do ano, com muito humor negro e bastante arrepiada, só me ocorre desejar a alguns amigos muito queridos: feliz ano novo, espero que não chegue a tua vez.

Maria Manuel Leitão Marques