Empresarializar ou não a gestão de alguns serviços públicos, como os hospitais, tem suscitado, por um lado, as críticas mais radicais, sem qualquer abertura para eventuais vantagens desta reforma, e, por outro, a adesão sem restrições às opções tomadas pelo Ministro da Saúde, sem concessão aos seus riscos.
Creio que qualquer das posições pode ser perigosa. A primeira, porque ignora que há um problema a resolver, o da eficiência da gestão pública. E a segunda, porque corre o risco de desvalorizar que é preciso avaliar a bondade da solução. Ambas as posições partem de dogmas e preconceitos que é preciso ultrapassar. Fazê-lo significa admitir que a gestão pública, nos formatos tradicionais, nem sempre tem constituído a forma mais conveniente de organizar a prestação de serviços públicos e que o seu custo é por vezes desproporcionado em relação à qualidade do serviço prestado. E, ao mesmo tempo, implica não esquecer que a gestão empresarial não é uma receita mágica, económica e eficiente por definição, e que pode não ser sempre a solução mais adequada aos objectivos dos serviços públicos.
Mas para além disso, reformar ou não os serviços públicos, escolhendo um modelo empresarial ou qualquer outra solução, implica previamente responder a uma questão básica - mais difícil do que se pensa -, que é a de saber: «quando é que os serviços públicos estão a funcionar mal?»
No Público de ontem Ralph Dahrendorf tocava no essencial desta questão. O conhecido sociólogo germano-britânico refere que há serviços públicos, como a saúde ou a educação, que devem ser «avaliados de forma mais complexa do que através da obtenção de objectivos mensuráveis» e sublinha a importância da avaliação por parte dos interessados, feita por associações de utentes, mesmo que «fracas e vistas como maçadoras pelos profissionais». O retorno ao espírito de serviço público - a qualidade e o espírito dos que gerem e trabalham nos serviços públicos, não apenas por «interesse próprio ou por caridade», como se ensinava nas grandes escolas francesas - também é sustentado pelo autor.
Eis uma excelente proposta para ser discutida. Afinal, a reforma dos hospitais é somente um exemplo de um paradigma que já foi experimentado em outros serviços públicos (alguns institutos, no final dos anos oitenta) e irá provadamente ser ensaiado em outros casos.
Maria Manuel Leitão Marques