Só agora tive oportunidade de ler na íntegra as conclusões da iniciativa “Compromisso Portugal", realizado há dias.
Vistas em conjunto, não é caso nem para louvor hagiográfico nem para anátema condenatório. Adoptando uma perspectiva manifestamente "neoliberal", favorável à diminuição do papel do Estado na economia e na prestação de serviços públicos, há lá de tudo: propostas ousadas no campo financeiro e fiscal que a esquerda não hesitará em aplaudir, quase todas; propostas de liberalização do mercado de trabalho (nomeadamente liberalização dos despedimentos), que fazem parte da receita patronal desde sempre; propostas deveras indigentes em matéria de “coesão social”, que lá estão só para prestarem “lip service” a essa noção; e finalmente propostas muito pouco pensadas e mesmo contraditórias com o próprio espírito do programa geral.
Entre elas últimas contam-se seguramente as que dizem respeito às escolas em geral e universidades em particular, como já assinalou no seu blogue o sempre atento João Vasconcelos Costa. Em especial quanto ao governo das escolas e universidades, os autores propõem o seguinte:
«Definir para cada Escola e Universidade conselho de “trustees“, nomeados pelo Estado / Administração Local (com participação mínima de cidadãos independentes, conhecedores da região respectiva e seus problemas, bem como da natureza dos cursos ministrados e com experiência de gestão relevante) que em conjunto com o Ministério da Educação e ouvindo os representantes das Escolas ou Universidades nomeiem as equipas de gestão destas instituições de ensino para mandatos bem definidos, acompanhando anualmente o seu desempenho.»
Ora está bom de ver que isto não passa da importação acrítica do modelo de governo universitário norte-americano, mas aplicado somente às escolas e universidades públicas e com uma inegável e surprendente marca governamentalista, que poria em causa o próprio conceito de autonomia universitária. Para além de inconstitucional e impraticável, por falta do necessário “environment” cultural e institucional entre nós, esse modelo implicaria voltar a entregar a responsabilidade pelo governo das universidade ao Estado, por intermédio do tal "conselho de trustees", abolindo qualquer dimensão de auto-governo, o que se afigura verdadeiramente despropositado na tradição europeia. Par além disso, esse conselho ficaria com o duplo papel de escolher os gestores das escolas e fiscalizar o seu desempenho, com os previsíveis problemas de informação e de controlo sobre os gestores.
Francamente era de esperar melhor reflexão e mais ponderação.
Vital Moreira