terça-feira, 3 de fevereiro de 2004

Desfocado na fotografia

E por cá? Que contas a pedir ao governo que embarcou Portugal no apoio a uma guerra ilegal no Iraque ? Escrevi há meses num artigo publicado na imprensa que Durão Barroso, afirmando ter visto provas das armas de destruição maciça em Londres, mentiu ou foi enganado e «quem se deixa enganar assim não merece governar».
Ainda na semana passada, na AR, o PM rejeitou insinuações de que teria mentido, reiterando que se teria baseado em informações passadas pelos aliados americanos e britânicos. E a verdade é que, mesmo antes da guerra, pressentindo que as justificações das armas de destruição maciça e das ligações de Saddam à Al Qaeda poderiam esfumar-se, o PM invocou também a «justificação» das violações dos direitos humanos por que Saddam era responsável. Argumento que não impele o PM a mexer um dedo para ajudar os birmaneses a depor a junta militar, africanos a livrarem-se de ditadores «amigos» e que não o impede de passar atestados de bom comportamento ao terrorista Khadaffi (Lockerbie, o voo da UTA, a discoteca em Berlim...). Admirem-se, se ainda viermos a ver DB gabar-se de ter sido instrumental na reabilitação do Coronel junto de Washington e Londres, com a cartinha que o ex-MNE Martins da Cruz lhe foi no ano passado levar à tenda...
Mas, e quanto à decisão de DB de apoiar uma guerra com fundamento numa ameaça não comprovada de existência de armas de destruição maciça? Serviria de alguma coisa uma Comissão de Inquérito? Que a maioria de direita gostosamente se entreteria a inviabilizar ou desacreditar na AR, desviando atenções de outros gravíssimos problemas que os portugueses enfrentam por causa da governação de DB?
Não se põe aqui, sequer, a questão de apurar como funcionam os nossos serviços de ‘inteligência’: eles não funcionam, não servem, pura e simplesmente. É o que demonstra o comportamento do PM, que os dispensa e se fia acriticamente na informação que lhe é servida por aliados.
O homem não se limitou a confiar nas informações dos aliados, que afinal se vieram a revelar infundadas. Decidiu e a decisão foi política: decidiu apoiar uma guerra ilegal, com fundamentos (duvidosos na factualidade ou não) que nunca, nos termos do direito internacional, justificariam uma guerra. O homem decidiu juntar o país às forças apostadas em arrasar o trabalho dos inspectores da UNMOVIC, às forças encarniçadas em desrespeitar a ONU.
A verdade, nua e crua, aí está, à vista desarmada de todos os portugueses. O homem não tem princípios, tem um fraco pelos fortes e manda às malvas a lei, interna ou internacional. Esconde, mistifica, baralha, mente, engana e deixa-se enganar - tudo o que for preciso para se aguentar no poder e ficar, mesmo desfocado, num canto da fotografia dos grandes.

Ana Gomes