A chuva de acusações ao relatório Hutton por branqueamento do governo e o clamor em defesa da BBC (como teria eu sobrevivido nos sítios mais estranhos sem o aconchego da BBC a ligar-me ao mundo?), acabaram por forçar Blair a aceitar um novo inquérito, esta manhã. Bush na América, sob pressão do Congresso e da opinião pública, já teve também de anunciar uma Comissão de investigação sobre o funcionamento dos serviços secretos, na sequência das devastadoras declarações de David Kay, concluindo que as armas não existiriam afinal.
Um novo inquérito em Londres deverá apurar o que Lord Hutton atirou para debaixo do tapete: se Blair e os seus ‘boys’ capitaneados no ‘spin’ por Alastair Campbell, não inventaram o argumento dos 45 minutos bastantes a Saddam Hussein para accionar as armas de destruição maciça e se tal argumento teria sido inventado ou sido acriticamente comprado pelos serviços de ‘intelligence’ do Governo de Sua Majestade ?
Em ambos os casos, o Governo de Blair terá contas a prestar. Não apenas pela decisão política de ir para a guerra, mas pelo mau funcionamento dos serviços secretos ou da digestão política da informação por eles recolhida. É que quem manda soldados para a guerra com base em informação falsa ou errada, sem extremo cuidado na confirmação prévia, presta-se a acusações de embuste e mentira e, no mínimo, faz prova de leviandade e incompetência. No caso, os soldados foram para a guerra e afinal não se encontram armas de destruição maciça. Igualmente, na mesma base, poderiam ser mandados para a guerra pensando não defrontar armas de destruição maciça e, afinal, acabarem dizimados por elas. A mentira enfurece os britânicos. A incompetência alarma-os.
Tony Blair tem com que se preocupar: há um ano atrás, Colin Powell afirmava no Conselho de Segurança, enfaticamente empunhando uma colher, que Saddam Hussein não tinha prestado contas nem sequer de uma ‘colher de chá’ do urânio enriquecido que adquirira ao Niger. Onde vai a desmontagem dessa fabricação e a demarcação pronta da Administração Bush, que não se ensaiou nada em logo mandar as culpas para a ‘inteligência’ britânica! Imaginem-se agora os pruridos solidários de um Presidente cada dia mais pressionado pela corrida eleitoral a encontrar bodes expiatórios e a enrolar o tapete no Iraque.
Ana Gomes