Ora o episódio em causa só revela a excepcionalidade da BBC como órgão de informação independente e responsável. A agora comprovada falta de um dos seus jornalistas seria totalmente irrelevante, de tão banal e corriqueira nas televisões em geral, se não estivesse em causa essa estação. E a sua direcção só foi acusada de não ter “verificado” a história, não de ter deliberadamente encoberto a distorção da verdade factual. Apesar disso, ela demitiu-se, numa atitude de responsabilidade que seria de todo improvável em qualqer outra latitude.
Ao pé da generalidade das televisões norte-americanas – e nem sequer é previso falar na cadeia Fox, esse modelo de falsificação militante dos factos em defesa das “sociedades livres” –, a BBC não tem de receber lições de objectividade, isenção e independência. Incluindo a independência em relação ao governo em funções (coisa bem difícil nas televisões públicas) e aos ideólogos da guerra que gostariam de a ter, tal como tiveram as outras televisõoes, ao serviço da propaganda bélica, incluindo a mais desavergonhada manipulação da informação. Não é seguramente por acaso que nos Estados Unidos mais de 80% da população acreditava nas patranhas sobre o arsenal iraquiano das armas de destruição maciça, que lhe eram diariamente servidas nos média, havendo mesmo uma forte percentagem a acreditar que elas foram usadas na guerra!
É por isso que Bush & Blair, bem como os seus ideólogos, estão a ser impiedosamente desmentidos pelos factos (e, mesmo assim, não se demitem...), enquanto a BBC, como ontem refere no El País o insuspeito Mário Vargas Llosa, permanece como um padrão de referência na isenção informativa, na independência política e na responsabilidade perante o público, mesmo quando um dos seus jornalistas se engana e ela é fundadamente acusada de ter falhado numa situação concreta.
No meio da histeria guerreira da generalidade dos média em relação ao Iraque, a BBC foi uma das excepções reconfortantes, em que o "respeito pela verdade dos factos" levou a melhor sobre o alinhamento na doutrinação belicista oficial. A hostilidade dos partidártios da guerra é por isso um elogio.
Vital Moreira