sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004

A morte

Num intervalo de pouco mais de 20 dias avolumam-se as notícias e, com elas, os receios. O país não está melhor, a morte de um jovem húngaro merece exéquias nacionais, honra que qualquer outro jovem, das obras à IP5, não merece.
Há, quanto a mim, uma explicação: o público já começava a ficar fatigado do processo da Casa Pia e reflectir sobre assuntos sérios ( o Orçamento, a Justiça, a nossa condição fiscal) era fastidioso para qualquer opinion maker.
Então as televisões assumiram-se entre o açougue e a agência funerária. Sabiam, à semelhança da decadente Roma, que a morte gloriosa, na arena, de um gladiador de luxo, ainda por cima louro como um trácio e soberbo como um gaulês, provoca mais emoções que a distribuição de trigo e vinho.
Os efebos na antiga Roma não eram notícia embora fossem objecto de prazer, concupiscência e alarde.
Os gladiadores eram disputados pelas melhores escuderias, sabendo que, em cada entrada na arena, arriscavam a vida ou arriscavam-se à fama.
Este país, hoje um pequeno resquício do decadente Império Romano, está mais interessado na fama do que na vida, no sucesso do que na realização. Este país multiplicou as arenas – dos campos de futebol, novos e antigos, aos estúdios de televisão, sofisticados ou kitsh, escondendo os estaleiros nauseabundos de ucranianos e negros, os escravos das minas romanas.
Ninguém é indiferente ao imediato.
O instante feliz é corrosivo e a justiça banalizada como um espaço lúdico no mal estar português. E escrevo espaço lúdico porque alimenta a morbidez e o voyeurismo que nos são, diria, ancestrais. Eu bem sei que a História não se repete, mas o nosso processo histórico é repetitivo.

Rogério Rodrigues