segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004

O casino

Passo a vida a dizer aos meus alunos que os mercados não mentem. Prego-lhes os méritos da concorrência, do raciocínio estratégico e da teoria do valor accionista. Explico-lhes que existem mecanismos e indicadores tecnicamente inquestionáveis sobre a performance empresarial e que as cotações bolsistas reflectem a valorização presente e futura das sociedades. Tudo muito científico e transparente.

Volta e meia, não consigo evitar um desabafo pessoal e lá debito um comentário sobre as perversões, as contradições e as fragilidades do sistema. Mas depressa me lembro que sou pago para transmitir as mais modernas técnicas de gestão, de ciência certa, e não para atemorizar ou crivar de dúvidas os meus inexperientes alunos. E assim retomo o fio normal, by the book, na esperança de ter aberto uma nesga de perplexidade junto dos espíritos mais críticos e de os ter conseguido alertar para as armadilhas do mundo real.

No último fim-de-semana encontrei, no Porto, um antigo aluno meu do ISEG. Lançara-se, com razoável sucesso, num negócio ligado às novas tecnologias e estava esperançado em ultrapassar mais um mau ano económico sem ter de sacrificar activos ou fechar a empresa. A meio da breve conversa, atirou-me: “O que me diz desta valorização anómala do papel da Sonae Indústria [mais de 90 por cento nas últimas quatro sessões]? Alguém mudou a fórmula de determinação do valor accionista sem que me tenha apercebido?”. Falho de informação precisa sobre os últimos episódios do mercado bolsista, prometi responder-lhe mais tarde, logo que reunisse os elementos suficientes.

Uma vez em campo, percebi que o fenómeno era, afinal, encarado com toda a normalidade pelo mercado financeiro (investidores, analistas, bancos, imprensa económica e outros agentes dinâmicos da nossa praça). As cotações tinham disparado devido a rumores de reorganização industrial no grupo Sonae. Fiquei esclarecido. O meu ex-aluno é que não.

Luís Nazaré