Enquanto Durão Barroso multiplica os gestos de vassalagem a Aznar, o Governo a que preside parece aproximar-se do estado de implosão. Um jogo interessante seria descobrir qual é o ministério onde o titular da pasta não anda de candeias às avessas com o(s) respectivo(s) secretário(s) de Estado, já que os choques de narizes e fulanismos serôdios electrizam todo o Executivo, transformado numa espécie de “gaiola das malucas”. Nem a novel ministra do Ensino Superior se entende com o “boy” que lhe saiu na rifa para secretariá-la “estatalmente”.
Tudo isto ilustra às mil maravilhas o brilhante sentido de “casting” (e de Estado) e a invejável capacidade de liderança de Durão Barroso. Em vez de ter descentralizado competências e responsabilizado os ministros pela formação das respectivas equipas, preocupou-se em assegurar pessoalmente os famosos equilíbrios e jogos de cadeiras que satisfizessem todas as baronias partidárias. O resultado está à vista. Como também estão à vista as turbulências intestinas do CDS-PP, com a queda em desgraça da ministra da Justiça (será porque Nobre Guedes decidiu ter chegado a sua hora?).
Durão Barroso ficou famoso pela frase “Sei que serei primeiro-ministro, só não sei é quando”. Consumado prematuramente o desejo, o que agora importa é apenas a aparência exterior do cargo, a satisfação do ego pessoal, por mais gritante que seja a sua total falta de controlo sobre a deriva política do seu Governo e do seu partido. Entretanto, outro incontinente do egocentrismo e do fulanismo político, Santana Lopes, ameaça partir ainda mais loiça na cozinha da família desavinda.
Se já era um pouco ridícula, a novela das presidenciais transformou-se de vez numa ópera bufa. Enquanto o professor Cavaco persiste no tabu que lhe é característico, o campo de batalha vê-se ocupado por Santana Lopes e Marcelo Rebelo de Sousa (que ameaça candidatar-se também, se Santana persistir na dele e o desencantado Cavaco acabar por atirar a toalha ao chão). A este respeito, a entrevista que o ainda presidente da Câmara de Lisboa concedeu ontem à noite à SIC-Notícias deveria ser incluída numa antologia do grotesco.
Mas, pelos vistos, é a isto que se chama política. Um show-off de pequeníssimos figurões, pavoneando-se nos telejornais e na imprensa, esgrimindo as suas pessoalíssimas aversões e os seus insignificantes ódios de estimação, como se tudo isso constituísse matéria grave, propícia a um debate político relevantíssimo. Como o país vai mal, muito mal, resta-nos este circo do Portugal dos fulanitos para nos entretermos – e rirmos de nós mesmos.
Vicente Jorge Silva