Não posso ser acusado de “guterrismo”, tendo sido não poucas vezes muito crítico da governação do antigo primeiro-ministro. Mas nunca acompanhei os que dentro e fora do PS condenaram António Guterres por ter “fugido”, ou “ter abandonado o barco”, ao demitir-se no seguimento da pesada derrota do PS nas eleições locais do final de 2001. Penso que, sendo esse desaire antes de tudo uma derrota pessoal dele mesmo e sendo evidente que depois dela as dificuldades de governar sem maioria (como era o caso) se agravariam e se tornariam incontornáveis, levando inevitavelmente à paralisação do governo e ao seu fatal afundamento, a sua continuação sem mais seria o caminho para o desastre. Por isso, julgo que a demissão foi justificada, sendo aceitável a explicação agora dada pelo próprio, nessa linha.
Resta saber se, em vez da demissão “incontinenti”, deixando o PS subitamente desamparado, sem primeiro-ministro e sem líder, como sucedeu, não teria sido preferível forçar previamente uma moção de confiança parlamentar, ou mesmo tentar um governo com outro primeiro-ministro (caso fosse aceito pelo Presidente da República), transferindo para as oposições, caso chumbassem uma ou outro, como seria previsível, a responsabilidade pela crise política daí decorrente, em vez de esta recair sobre o PS, como aconteceu, ainda por cima dando o flanco à acusação fácil de ter “fugido à crise por ele mesmo criada”, de que tanto se aproveitou desde então a oposição de direita.
Por isso não é ocioso perguntar se com outra resistência moral e força anímica não teria sido possível outra solução que não fosse, como foi, a retirada pessoal imediata.