terça-feira, 2 de março de 2004

O assassinato de Ribeiro Santos

Recebido de Henrique Manuel Nunes Miranda, em 5/2/4
«(...) referência o artigo de Maria José Oliveira “Da Luta Maoísta para a Guerra Santa no Iraque” - Público, 2 Dez 2003 (...) e entrevista de Ana Gomes à Antena Um, (com uma versão do) homicídio do jovem Ribeiro Santos que não corresponde à que eu presenciei. (...) Por respeito à sua memória, passo a relatar o que na altura vi (mais ou menos a dois metros da ocorrência).
O agente da PIDE/DGS (possivelmente chefe de brigada ou inspector), estando sob a “molhada” a levar pancada, consegue sacar da arma. Num ápice os estudantes desapareceram do estrado refugiando-se na parte superior do anfiteatro. O autor destas linhas refugia-se na 1ª fila, protegendo o corpo. No estrado ficou somente o Pide e o Ribeiro Santos que o tentava imobilizar pelas costas e controlar (???) a mão armada. O “grandão” vai disparando tentando alvejar quem o agarra. É tudo muito rápido. Numa das voltas e reviravoltas o estudante cai de barriga para o chão. É, de imediato, alvejado nas costas. Tudo se passa em segundos. O Ribeiro Santos não se mexe mais nem nada diz. Estou na 1ª fila a uns dois metros da ocorrência. Estou por detrás da secretária onde, no chão, à sua frente, está (ou estava) o buraco de uma das balas. Vi tudo porque mantive sempre a cabeça de fora.
Logo após o tiro que se revelou fatal entra, de rompante, um estudante (Lamego) no anfiteatro. Depara-se com um homem que lhe aponta uma arma ao peito. O estudante fica quieto, estático – foi o que o safou. A distância que os separa ronda os três metros. O Pide, perante a passividade do alvo, controla-se; redirecciona a arma para a coxa e dispara. Sai a correr e de arma em riste passando ao lado do estudante da coxa baleada que se mantinha de pé no mesmo sítio.
Da sala só saiu um estudante a correr atrás do Pide e sou eu. Já cá fora encontro outro estudante no cimo das escadas que o esbaforido Pide consegue descer “a galope” mas sempre de arma apontada para nós e sob chuva de pedrada por nós os dois (azelhudos) arremessadas. Conseguiu o impossível – descer a correr, olhando para trás e escapando ileso sem um trambolhão sequer.
A impressão que na altura tive é que tinham sido disparados cinco tiros, incluindo o da coxa e que, portanto, ainda sobrava pelo menos uma bala (calculava que a arma levaria 6 balas no carregador mas não tinha a certeza se poderia levar pelo menos mais uma).
Ao regressar ao anfiteatro está o Ribeiro Santos a ser carregado. Investigamos onde estaria o raio da perfuração pois não se via sangue – deparamo-nos com algo parecido com uma baba de picada de insecto.
(...) no funeral do Ribeiro Santos, após os confrontos com a polícia, o povo anónimo da zona, bairro do actual Largo Ribeiro Santos, nos abria a porta de suas casas, escondendo-nos e oferecendo-nos de comer e beber. Sentados no chão da sala e a dona da casa a controlar os movimentos na rua...
Não me interessam polémicas nem aproveitamentos de qualquer tipo. Esta é a versão dos meus olhos. “Desculpem qualquer coisinha...”.
Aos pais do Ribeiro Santos um público pedido de perdão por não se ter evitado a morte de um filho teso. »