Como era previsível, o último “Senhor dos Anéis” funcionou como um rolo compressor na atribuição dos Óscares deste ano. Ganhou quase tudo o que havia para ganhar. Para minha magra consolação, restaram o Óscar justíssimo do argumento original concedido a Sofia Coppola (por “Lost in Translation”) e os Óscares do actor principal para Sean Penn e do actor secundário para Tim Robbins (pelas suas interpretações em “Mystic River” de Clint Eastwood).
Penn e Robbins são efectivamente magníficos no belíssimo filme de Eastwood. E há muito que Penn, um dos mais extraordinários actores contemporâneos, merecia ver o seu talento consagrado pela Academia de Hollywood. Em todo o caso, se fosse eu a escolher, o Óscar do melhor actor seria para Bill Murray, absolutamente fabuloso, num registo próximo de Buster Keaton, no filme de Sofia Coppola, o meu favorito absoluto para melhor filme e melhor realizador. Há muito tempo que um filme americano não me havia tocado tanto pela sua inteligência e subtileza, pela capacidade de exprimir emoções e sentimentos secretos – e que, por isso, são “lost in translation”. Embora goste muito de “Mystic River”, o seu classicismo quase fordiano é mais previsível e menos inovador, além de me parecer que Eastwood não resolve bem a sequência final.
A ditadura dos efeitos especiais
Quanto ao grande triunfador, confesso que ainda não o vi. Fui sensível ao lado feérico e fantástico do primeiro filme da saga dos anéis, mas acabei por ficar atordoado pela pirotecnia dos efeitos especiais que quase nos obrigavam a lançar sucessivas exclamações de espanto (Ah, como é incrível! Como é possível atingir tal perfeição técnica!). A dimensão lírica e exuberante da fábula era de algum modo asfixiada pelo prodígio das proezas tecnológicas. A ditadura do grande espectáculo impunha-se à dimensão iniciática da viagem proposta por Tolkien.
Depois de um tempo em que Hollywood parecia ter começado a ser sensível a filmes de carácter intimista, onde o peso dos orçamentos e dos efeitos especiais deixara de constituir um passaporte automático para a consagração, o grande espectáculo triunfou de novo. Triunfou em toda a linha e com rufar de tambores, sobre o “anti-espectáculo” de filmes tristes ou melancólicos como os de Eastwood e Sofia Coppola, centrados sobre as angústias e perplexidades contemporâneas. “O Senhor dos Anéis” corresponde à necessidade que a América tem hoje de viajar para fora de si mesma, numa fantasia fora do tempo – dos tempos turbulentos em que mergulhou. A vitória rutilante da saga dos anéis deixou-me, porém, um sabor a melancolia – àquela melancolia da previsibilidade que é o contrário da melancolia encantatória do filme de Sofia Coppola. Por isso, os Óscares estiveram melancolicamente “lost in translation”.
Vicente Jorge Silva