domingo, 4 de julho de 2004

Confissão para Sophia

Tu nunca soubeste, mas foste santo-e-senha, ponte e porta, abrindo para intimidades e cumplicidades. Os rostos ganhavam outra proximidade quando nos diziam que também frequentavam a tua poesia. Olhares que nunca retivéramos fixavam-se na nossa memória, só porque, inesperadamente, encontrávamos neles a recordação dos teus poemas. Mais do que qualquer outro, tu eras a graça da amabilidade do mundo. E tornavas amáveis todos os que de ti se reclamavam.
Como não amar a mulher que se diz, mostrando o traço a lápis com que se detivera aqui:

MÃOS
Côncavas de ter
Longas de desejo
Frescas de abandono
Consumidas de espanto
Inquietas de tocar e não prender.


Como não me socorrer de ti, lendo:
PROMESSA
És tu a Primavera que eu esperava,
A vida multiplicada e brilhante,
Em que é pleno e perfeito cada instante.


[Sabes que não gaguejo quando recito poesia?]

Como evitar o desafio daquele que "no tempo da selva mais obscura, na noite densa dos chacais" te diz:
(...)
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E começo a busca
Dum país liberto
Duma vida limpa
E dum tempo justo


Que outra resposta senão:
Na clara paisagem essencial e pobre
Viverei segundo a lei da liberdade
Segundo a lei da exacta eternidade.


Combates, amores e amizades, tu os permitistes, tu os iluminastes.
Jorge Wemans