domingo, 4 de julho de 2004

Conversa com Sophia

Sabes, o mundo estragou-se, estragou-se muito nestes últimos anos. No Uganda os homens tornaram-se abjectos lobos. Os horrores da limpeza étnica regressaram à Europa. Dos céus voltam a cair em território europeu bombas mortíferas que rebentam com cinco décadas de paz. Manhattan sucumbe debaixo de um ódio cego, traiçoeiro, velhaco e assassino. No Iraque instala-se a guerra. Um muro iníquo, vergonhoso e violento cresce impunemente todos os dias, dividindo, qual sinal de todas as derrotas, a Palestina. A Europa envelhece e os outros morrem de fome. O Planeta protesta exangue, mas ninguém o ouve. O mundo porta-se mal.
Sabes, por vezes toma conta de mim aquela melancolia adolescente dos finais de tarde de Setembro, quando a tranquilidade do cair da noite nos avisava do fim de um tempo. Quando se tornava claro que as férias iam terminar, que nunca mais voltaríamos a ser os mesmos - mesmo que aos mesmos locais regressássemos. "Nos derniers baisers". Voltaríamos, é verdade. Mas mais velhos, mais perros de sentimentos e mais presos a realidades que não eram dali e nos roubavam o sonho.
Ao olhar o mundo, sinto por vezes regressar essa melancolia: um certo modo de pensar, construir e viver a civilidade, a democracia, a justiça e a paz vai transformar-se num adolescente sonho de Verão? Num passado de cuja realidade passaremos a duvidar? Numa memória repudiada?
Preciso de te reler:

És tu que estás

És Tu que estás à transparências das cidades
Vê-se o Teu rosto para além dos bairros interditos.

O mal palpável próximo insistente
Parece tornar-Te evidente.

Sobe do destino uma sede de Ti.
Não somos só isto que se torce
Com as mãos cortadas aqui.


Jorge Wemans