A sua demissão é um singular momento dramático na história política portuguesa. Ao demitir-se da liderança do PS acto contínuo à comunicação presidencial, considerando-a como uma intolerável "derrota pessoal e política", Ferro Rodrigues agiu claramente sob o império da emoção e da indignação. Devemos respeitar a atitude e admirar o seu sacrifício, mesmo que não acompanhemos a radicalidade do gesto. Mas quem conhece a sua forte personalidade e percebeu a ordália que foi a sua luta contra a sórdida conspiração que o tentou liquidar no ano passado (com a infame tentativa de envolvimento no caso Casa Pia) dificilmente pode censurá-lo por ter deixado decidir o coração em vez da razão.
Com a sua demissão o PS não perde somente um líder que não recusou "pegar" no partido numa situação particularmente difícil, a seguir à saída de António Guterres, e que conseguiu em apenas dois anos, apesar de todas as contrariedades pessoais e políticas, recolocá-lo na senda das vitórias eleitorais, com fortes perspectivas de voltar ao poder na próxima oportunidade. Perde também uma certa maneira despojada e exigente de fazer política, fiel a princípios e a normas de ética pessoal. Não é preciso ser seu amigo nem concordar com ele em tudo para lastimar profundamente o seu abandono, sobretudo nas condições em que ocorre. Pessoas deste calibre fazem sempre falta à República e à esquerda.
Vital Moreira