1. Jorge Sampaio
Confesso que a decisão de Sampaio não me surpreendeu. Também não me senti defraudado nem traído. Tive ocasião de escrever aqui e no Diário Económico da última sexta-feira que qualquer que fosse a solução escolhida seria sempre uma má-solução, porque a forma como o Presidente geriu a crise só serviu para agudizá-la. Sampaio não começou por confrontar Durão Barroso com as suas responsabilidades políticas e deixou arrastar a situação até perder o controlo sobre os respectivos efeitos perversos. Favoreceu objectivamente o clima de rumores, não falou ao país quando devia (ou seja, logo que a crise se desencadeou), criou falsas expectativas, mostrou-se errático e sem uma ideia clara, desde o início, sobre as implicações da demissão de Barroso. Alienou assim o seu campo político, independentemente do que possamos pensar sobre a maior ou menor justeza da decisão. Se se faz o caminho caminhando, o problema de Sampaio foi não ter sabido para onde e como caminhar.
2. Ferro Rodrigues
Compreendo que se tenha sentido defraudado e traído. Só que deu sempre a entender que respeitaria a decisão do Presidente, fosse ela qual fosse, o que torna a sua reacção incoerente, emocional e precipitada. No fundo, Ferro acabou prisioneiro do isolamento que criou à sua volta no PS (e que levou quase toda a gente a sentir-se marginalizada da vida do partido e frustrada com a sua direcção, incluindo muitos que se identificavam com ele e nele haviam depositado grandes esperanças quanto à renovação partidária). Apenas isso explica a situação inverosímil que se seguiu às eleições europeias: a de o líder que conduziu o PS à maior vitória eleitoral de sempre acabasse tão vulnerabilizado e dependente da realização de eleições antecipadas para sobreviver politicamente. A minha simpatia e estima pessoal por Ferro nunca estiveram em causa. A sua capacidade de resistência à campanha miserável que contra ele foi desencadeada a pretexto do processo Casa Pia mereceu sempre a minha solidariedade e admiração. Mas Ferro fechou-se dentro do seu casulo e ficou refém do autismo e da desconfiança que o paralisaram. A consequência previsível é que, a partir de agora, o PS poderá vir a ter a direcção mais à direita desde o 25 de Abril. E que à deslocação para a direita da maioria governamental corresponderá uma simétrica deslocação para a direita do PS (uma espécie de «blairização» retardada e quando já ninguém acredita na estrela de Blair).
3. Maria de Lourdes Pintasilgo
Conhecia-a, admirei-a, votei nela na primeira volta das presidenciais ganhas por Soares (em quem votei na segunda volta). Era uma força da natureza e de uma generosidade de convicções como raramente se terá encontrado nas personagens políticas que emergiram desde o 25 de Abril. Mas há muito que o seu missionarismo me parecia deslocado no terreno que torna a prática política e cívica verdadeiramente frutífera e eficaz. E é certo que nunca conseguiu traduzir o conteúdo da sua «democracia participativa» em vivência concreta, tal como não fundamentou a articulação desse conceito com as formas de democracia representativa (de que, de resto, visivelmente desconfiava). Havia uma nebulosa ideológica no seu pensamento que a conduzia a uma região etérea, quase celeste, própria, aliás, da sua formação religiosa. Era, assim, apesar do seu aparente e inesgotável optimismo, uma personagem trágica. E isso emprestava-lhe uma dimensão suplementar (mas menos evidente) da grandeza que a caracterizava como ser absolutamente único na nossa história contemporânea. Ela fez-nos sonhar. Não soube e não pôde, porém, dar forma continuada a esse sonho sobre a terra.
Vicente Jorge Silva