É indiscutível que a insólita extensão e proeminência que tinha o comentário político de Marcelo R de Sousa na TVI em nada justifica nem o abstruso "direito ao contraditório" reivindicado pelo Governo (por um ministro do mesmo partido do comentador!...) nem muito menos legitima o "saneamento" do comentador pela estação, quando ele se tornou incómodo para os seus interesses, tenha havido ou não pressão governamental directa ou indirecta. No entanto, à margem disso, o programa de MRS levantava um problema que não deve ser escamoteado no justo protesto contra o ataque e afastamento de que foi vítima o político-comentador.
Quem tiver alguma familiaridade com as questões da liberdade de opinião nos meios de comunicação social sabe da distinção entre pluralismo externo -- aquele que se observa entre uma pluralidade de órgãos de comunicação social, cada um deles podendo ter a sua linha de orientação própria -- e pluralismo interno, ou seja, aquele que deve existir dentro de cada órgão de comunicação social. Os órgãos de comunicação social públicos estão obviamente obrigados a um reforçado pluralismo de opinião interno (sendo essa uma das razões para a sua existência), sendo obrigados a dar expressão às diversas correntes de opinião relevantes, o que não se impõe aos órgãos de comunicação privados, onde existe sempre a liberdade de criação de novos órgãos.
No entanto, o pluralismo interno também se deve considerar imperativo para os órgãos de comunicação privados como as televisões de sinal aberto, visto que utilizam um bem público (o espectro hertziano) mediante uma licença pública, desde logo porque o seu número é muito limitado e não existe liberdade de criação de novas estações.
Ora parece evidente que existe uma infracção deste princípio quando uma televisão confere a uma determinada corrente de opinião política, por meio de um seu representante qualificado, um lugar manifestante privilegiado, sem contrapartida equitativa para outras correntes. Tal era manifestamente o caso da TVI com o programa de MRS, com a agravante de que o programa ia para o ar mesmo em períodos eleitorais, durante os quais a obrigação de isenção e de pluralismo interno mais se justifica.