quinta-feira, 4 de novembro de 2004

Causa Aberta: A causa do desassossego

«As minhas causas estão cada vez mais curtas, acho que foram minguando com a idade. Já não sei muito bem o que me determina e por que me determino. Se tivesse alguma propensão para a tragédia, até poderia escrever que as minhas causas estão pela hora da morte. Não: estão pela hora do riso. Cada vez tenho menos paciência e menos catadura para a videirice lusitana -- se calhar, é uma boa causa (patriótica)... Perdi o rasto, quase completamente, aos meus colegas de curso. Só uma vez, em quase trinta anos, desci a Coimbra para me encontrar com eles. Não repeti a experiência: achei que não sobreviveria a uma segunda dose de coimbrice aguda, com muito faduncho e salamaleque, missa, praxes várias e outros nojos. (...) Senti-me no meio daquela rapaziada e daquela raparigada como um estranho, uma espécie de lobisomem (as barbas também ajudavam). Lembro-me de, na altura, me ter perguntado discretamente o que fazia ali, que causas poderiam ainda associar-me àquele extraordinário painel de promessas tribunícias ... Poderia ter-me convertido ao cinismo (uma causa, desde então, muito em voga), mas não: optei pela irreverência talvez poética de ladrar à matilha, sempre que a matilha, contra natura, me parecia mais inclinada ao encarneiramento... Podes crer que é uma excelente causa: a militância do desassossegador. É, nesta altura, confesso, a única causa que ainda me determina... Desassosseguemos, pois...»

Ademar