Gosto das pessoas que tiram e coleccionam fotografias. Das pessoas que guardam em gavetas especiais os álbuns com as memórias de uma vida.
Eu não gosto de fotografias ou, por outra, não tenho álbuns. Nem álbum sequer. Tive um, há vários anos, ao qual sucedeu o mesmo que à minha única tentativa de diário. Ficou pelo caminho. Acabei por oferecer a maioria das fotografias; nem sei bem onde ficou esse álbum esventrado, destituído de sentido, que perdeu a dignidade.
Desde muito novo que decidi assim. Sinto-me inevitavelmente estranho quando um clic se prepara sobre mim. Talvez como os índios que acreditavam que as máquinas fotográficas aprisionavam as almas e, por isso, as temiam.
Resisto a que me tirem o boneco. Penso sempre que, ao contrário do sorriso aberto e alegre dos outros, aquele é um momento para a minha tristeza acordar. Uma fotografia é, invariavelmente, o fantasma fugaz de um momento que desaparece. Um atestado de velhice. Uma prova de que somos mortais e nada, mesmo nada, se repetirá.
Não quero por isso que me peçam sorrisos rasgados, imaginar passarinhos, dizer "queijo" em línguas estranhas.
Mas acedo a aparecer nas fotografias - porque sei que elas estão destinadas aos álbuns nas gavetas especiais das pessoas que adoram tirá-las e coleccioná-las.
Conforto-me, na altura do clic, com a terna certeza de que, se porventura quiser rever aquele passado, revisitar o fantasma feliz, poderei sempre caminhar entre casas, estacionar a várias portas, e subir à casa de amigos para me encontrar.
Gosto das pessoas que tiram e coleccionam fotografias porque elas levam-me consigo para um lugar melhor: o esconderijo das suas próprias alegrias. As gavetas que nunca abrirei.