Não quero acreditar! Dizem-me que as ONGs portuguesas que se voluntariaram para ir prestar ajuda de emergência ao Aceh mal o Governo português indicou estar a organizar uma missão (o avião que ontem partiu), foram afinal dispensadas, deixadas em terra! Aparentemente porque o IPAD (MNE) organizou o voo, mas o Ministério da Saúde era quem pagava a missão, logo era quem "mandava" - e preferiu enviar pessoal médico e enfermeiro dos seus quadros, em vez de financiar a deslocação de médicos e enfermeiros voluntariados por ONGs portuguesas. (É evidente que a equipa que partiu também é composta por voluntários e são de louvar a sua imediata disponibilização e a dedicação e competência de que certamente vão deixar provas na Indonésia.)
Mas em todos os países europeus, a ajuda de emergência, a reabilitação na fase seguinte e a ajuda para o desenvolvimento, a longo prazo, fazem-se sobretudo com ONGs e através de ONGs no terreno. Os IPADs de outros países existem para estimular as ONGs, organizar as ONGs, optimizar as ONGs, financiar as ONGs, direccionar tanto quanto possível as ONGs. E controlar as ONGs, também (designadamente sobre como gastam o dinheiro e a eficácia e utilidade política dos respectivos projectos).
Se Portugal quiser algum dia ter uma Política de Cooperação a sério, se quiser inclusivé aproveitar devidamente os financiamentos europeus para o efeito, se quiser ter mais portugueses a intervir em ONGs e agências internacionais que coordenam a intervenção em ajuda de emergência e também na ajuda ao desenvolvimento (designadamente no âmbito da ONU), precisa de apoiar e financiar as ONGs portuguesas, precisa de ajudar a estimular os voluntários que elas organizam e formam.
Em Portugal, em 2005, sob a desgovernação PSD/PP voltou a ser dominante o principal entrave a uma verdadeira política de cooperação do Estado português, já há muitos anos diagnosticado e combatido pela governação PS (graças a Luís Amado, sobretudo): continua a vigorar o espírito das capelinhas, cada Ministério com dinheiro decide das "suas" acções de cooperação, a coordenação política - que deve evidentemente caber ao MNE/IPAD - reduz-se a organizar a logística das deslocações, quando muito tolerando-se que o MNE poise para a fotografia no aeroporto....
Também grave, neste caso, é que na Indonésia não se trata apenas de uma intervenção que se resolva num mês (tempo previsto para a missão da equipa do M. Saúde). Trata-se do Aceh - um território que esteve trinta anos praticamente vedado à presença internacional, por causa do conflito político. No momento em que o Governo indonésio o abre ao exterior, não está apenas em causa o alívio imediato dos sofrimentos da população que sobreviveu - importa contribuir para usar a oportunidade criada pela tragédia para ajudar a resolver o conflito. O que implica presença internacional sustentada, por longo tempo. Através de ONGs, evidentemente. A presença de voluntários de ONGS portuguesas deveria, assim, ser uma prioridade.
Ana Gomes