sexta-feira, 28 de janeiro de 2005

Um problema auditivo

A maior parte dos europeus acha que Bush é surdo - esta, a conclusão do jornalista americano Tom Friedman em artigo no NEW YORK TIMES, ontem, sob o título "READ MY EARS", sugerindo que Bush deveria apurar o ouvido e escutar o que os europeus têm a dizer-lhe. Friedman, recém regressado de uma viagem de 10 dias pela Europa, aconselha mesmo Bush a não falar, quando se deslocar a este lado do Atlântico em Fevereiro. Devia escutar primeiro e só falar depois de regressado aos EUA e de ter ouvido tudo o que os europeus têm para lhe dizer: "All it would take for him (Bush) would be just a few words: "read my ears". I have come to Europe to listen, not to speak. I will give my Europe speech when I come back home - after I've heard what you have to say".
Talvez por isso Tony Blair tenha agora querido falar mais alto. Por receio de mais uma vez Bush não o ouvir. Blair, com a voz amplificada do palco de Davos, disse claro, bem e em bom som: "Se a América quer que o Mundo participe nos objectivos que ela fixou, então ela deve, pelo seu lado, participar nos objectivos do Mundo". E disse ainda "é absurdo ter de escolher entre a luta contra o terrorismo e contra a pobreza. A luta anti-terrorista, a propagação da democracia e a paz no Médio Oriente são objectivos interligados que não podem ser dissociados da ajuda à Africa no combate à miséria e pandemias como a SIDA ou o paludismo, nem da luta contra o sobreaquecimento do planeta, gerador de catástrofes". Poderia muito bem ter sido um discurso francês da velha Europa da direita oportunista de Chirac ou da Europa progressista e socialista "principled" (logo, não "blairista") em que me integro. Mas não, foi do aliado mais fiel de Bush, Tony Blair.
Ainda há pouco mais de uma semana Robin Cook tinha aludido às dificuldades de audição de Bush. O ex-MNE de Blair, que se demitiu do Governo para se demarcar do enfeudamento de Blair a Bush na invasão do Iraque, comentava do seguinte modo o recente anúncio unilateral de Washington de dar por finda a procura de armas de destruição maciça naquele país: "Não obstante o Reino Unido ter empenhado um terço das suas tropas na invasão do Iraque, ninguém na Casa Branca se deu ao trabalho de pegar no telefone e avisar o Governo britânico dessa decisão unilateral". E concluía: "Talvez esta última facada cure finalmente Tony Blair da sua ilusão de que a Administração Bush algum dia o ouvirá em compensação pela sua lealdade." (GUARDIAN, 14.1.05).
Terá Blair ficado curado? Ou afinal Bush, como sugerem Tom Friedman e Cook, além de todas as outras diminuições, tem mesmo um problema auditivo?