Bush na Europa: as televisões mostraram palmadinhas nas costas, gargalhadas e sorrisos, a ementa escolhida (french fries e vinho da Califórnia) - reflexos de novo clima nas relações transatlânticas. Bush a querer parecer simpático para com a "velha Europa". Timothy Garten Ash, citado no Financial Times de ontem, precisa os limites da simpatia: "Bush mudou ao reconhecer a Europa como parceira; mas o seu discurso traz também uma lista das tarefas para a Europa executar". Talvez por isso, inconscientemente, Bush tivesse visto no Presidente francês um possível "cowboy para o seu rancho".
O Iraque continua no centro de tudo. Depois das eleições de 30 de Janeiro, parecem criadas condições para um relacionamento transatlântico mais construtivo. Os EUA sabem que as eleições foram apenas um primeiro passo e que muitas incógnitas surgem no processo democrático (-teocrático?). Sabem que o que se avizinha será, porventura, o mais difícil. Perceberam que, sozinhos, não poderão assegurar a estabilização e pacificação do Iraque. Precisam, cada vez mais, do contributo da comunidade internacional. E a Administração Bush parece pronta a aceitar estratégias de saída que até há pouco rejeitava liminarmente. Como o "grupo de contacto" sob supervisão da ONU, sugerido pelos republicanos Henry Kissinger e George Shulz, em artigos no Washington Post de Novembro e Janeiro passados.
Mas não basta que se entendam os parceiros de ambos os lados do Atlântico. É preciso que os iraquianos queiram e acreditem. E para isso há que mudar, desde logo, a percepção que eles têm sobre as forças militares estrangeiras. Vistas até aqui, como forças de ocupação.
Dois estimulantes para que a percepção mude: um calendário para a saída das tropas estrangeiras do país, dependente das condições de segurança no terreno e da vontade do Governo transitório iraquiano; e um papel central efectivo da ONU na estabilização política e na reconstrução. O anúncio de uma data para a saída das tropas da actual coligação e a atribuição de papel central à ONU no enquadramento de uma força de manutenção da paz (em que forças americanas se poderiam naturalmente incluir), com o acordo do Governo transitório, sossegaria receios de ocupação estrangeira interminável. Em especial, se, tal como sugere Kissinger, essa força fosse também integrada por países muçulmanos. E, acrescento eu, por países não conotados com o esforço de guerra levado a cabo pela coligação. As forças da coligação decresceriam, conforme o calendário, à medida que crescessem, em preparação e número, as forças militares e de polícia iraquianas.
A UE decidiu agora participar na formação, fora do Iraque, de quase um milhar de funcionários , na magistratura, polícia e administração penitenciária. Decidiu ainda criar um "Gabinete de ligação" no Iraque. No quadro da NATO deu-se luz verde ao treino, nos arredores de Bagdad, de 1000 militares iraquianos por ano. Chirac, por seu lado, decidiu avançar com acções de treino de militares iraquianos, embora fora do território iraquiano e fora do âmbito da NATO. 1500 - mais, em número, do que a NATO. Quem é que não gostaria de ter este "garçon des vaches" a trabalhar no seu rancho?