Numa cândida entrevista à revista alemã DER SPIEGEL de 7 de Junho, o astuto embaixador americano em Bagdad, Zalmay Khalilzad, descreve as dificuldades em pôr de pé um Estado de direito no Iraque. Depois da Secretária de Estado Condi Rice ter admitido que os EUA «cometeram milhares de erros tácticos» no Iraque, Khalilzad lembra também que Washington «cometeu erros terríveis [some terrible mistakes] na fase de planeamento» da guerra.
Os EUA nunca admitirão que a guerra no Iraque foi um erro, grave, estratégico. Mas esta nova modéstia (também afivelada no recente arrependimento de Bush por ter usado retórica de índios e cowboys no contexto da «guerra contra o terrorismo» - o fanfarrão «bring them on !...») representa a capitulação de um estilo, de uma maneira de estar nas relações internacionais.
Apesar dos actos de contrição, não é fácil à Admnistração Bush abandonar velhos hábitos. E, de facto, internamente a Casa Branca procura dar a ideia de que está inabalável e que manterá a todo o custo o rumo ('stay the course') no Iraque, afastando qualquer sugestão de calendário para retirada das tropas.
Mas tudo indica que, na realidade, a diplomacia americana se prepara para entregar o Iraque às Nações Unidas.
Quem o sublinha é Richard Holbrooke, ex-embaixador americano na ONU na era Clinton. Num interessante artigo publicado no WASHINGTON POST, de 28 de Junho, («Turning to the UN, again»), Holbrooke conta como dois enviados de Bush se encontraram com o Secretário Geral Kofi Annan e o Sub-Secretário-Geral Mark Malloch Brown para lhes pedirem apoio na organização de uma conferência internacional sobre o Iraque no Outono, numa acção que garanta ampla participação da comunidade internacional na criação de um novo 'Iraq compact' para assegurar o desenvolvimento daquele país.
Todos nos lembramos da campanha de deslegitimação da ONU levada a cabo pelos EUA e pelo Reino Unido antes da invasão de 2003. Recordamos a histeria artificial de Washington e Londres, a quererem convencer-nos de que a iminência da ameaça das armas de destruição maciça iraquianas não deixava ao 'mundo livre' outra opção que não invadir aquele país e à ONU nenhuma alternativa senão legitimar tamanha loucura. Não esquecemos de que a 'relevância' da ONU foi posta em causa neste contexto por Bush e Blair, porque os restantes membros do Conselho de Segurança - por variadas razões - decidiram não se juntar ao delírio intervencionista. E de que, segundo um memorando encontrado em Downing Street (transcrito no livro 'Lawless World' escrito pelo advogado britânico Philippe Sands QC), num encontro com Blair a 31 de Janeiro de 2003, Bush admitia enviar um avião americano pintado com as cores da ONU para sobrevoar e ser derrubado por Bagdad, provocando a invasão e a legitimação da mesma pelo Conselho de Segurança...
Enfim, não será certamente fácil à comunidade internacional esquecer o que se passou.
Mas, segundo Holbrooke, agora confrontados com a dura realidade do pântano iraquiano, os EUA redescobriram as virtudes da modéstia e do multilateralismo.
Bem-vindos! Mais vale tarde do que nunca!