Como resolver o "imbroglio" resultante do referendo irlandês?
Aprecio em particular a proposta de sufragar - por ocasião das eleições ao Parlamento Europeu em Junho de 2009 - o projecto de um acordo entre aqueles Estados Membros (24?, 25?, 26?) que nessa altura já tiverem ratificado o Tratado de Lisboa, no sentido de a UE ir em frente: nada impede que a esmagadora maioria dos Estados que disse (e ainda vai dizer) SIM ao Tratado continue a pugnar pela sua adopção. Mas, atenção, sufragar um tal acordo não significa referendar este Tratado: neste cenário, caberá aos partidos políticos nacionais apresentar programas eleitorais para as europeias de 2009 que os vinculem claramente a uma Europa estruturada pelo Tratado de Lisboa. Para que, por exemplo, os eleitores portugueses saibam que, ao votar no PS nas eleições europeias, estão a votar em candidatos a eurodeputados que defendem a aplicação do Tratado de Lisboa - se necessário a 26.
E, na minha opinião, tudo deve ser feito para dar nova oportunidade aos irlandeses para reconsiderarem - como fizeram em 2002 relativamente ao Tratado de Nice - eventualmente através de um protocolo que os tranquilize quanto aos aspectos de soberania que não querem ceder - e que o Tratado de Lisboa, de resto, não prevê que tenham de ceder... Resta saber qual virá a ser a contribuição irlandesa para que isso possa acontecer.
Outra alternativa - que seriamente se perspectiva entre os países fundadores do projecto europeu - é a de permanecer dentro do âmbito dos Tratados existentes, mas tentar salvar o mais possível do conteúdo do Tratado de Lisboa através de cooperações reforçadas entre os países que querem aprofundar o processo de integração europeia. Seria a institucionalização da "Europa a duas velocidades"... Seria outra Europa... Que não seria melhor e, sobretudo, não seria melhor para Portugal, por muito que nos esforçássemos por ficar dentro...
Há ainda mais lições a retirar do caso irlandês e dos outros referendos à defunta "Constituição para a Europa": referendos sobre a Europa só devem ser feitos à escala da União, em consultas populares (como propõe o meu colega socialista espanhol Carlos Carnero), para evitar que o destino de um documento que diz respeito a todos os cidadãos europeus fique à mercê de um ou outro eleitorado nacional e de processos de ratificação popular assíncronos e reféns das querelas nacionais. O referendo é só um dos métodos possíveis para medir o pulso da vontade popular e não é necessariamente mais democrático que outros. Não convém fetichizar: a mim, confesso, o ultimo referendo em Portugal - e não era sobre um complexo tratado internacional, mas sobre uma pergunta clara e singela, respeitante a um tema humanamente pungente - o aborto - ensinou-me a não fetichizar os referendos. É que nem 50 por cento dos portugueses se deram ao trabalho de ir votar... Como que a lembrar aos responsáveis políticos - "vocês são eleitos por nós para decidir". Eu, por mim, assumo essa responsabilidade.