quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Coerência e demagogia

1. Entre 2012 e 2014 o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais os cortes nas pensões e nas remunerações do setor público acima de determinado montante, na parte em que eles se aplicavam às pensões e remunerações já em pagamento (e não apenas para o futuro), com o argumento de que isso violava o princípio da confiança dos cidadãos no Estado, na medida em que eles tinham a sua vida organizada contando com essas prestações e, portanto, não poderiam ver defraudadas as suas legítimas expetativas.
Essas decisões do TC foram em geral aplaudidas e celebradas como justíssimas, com poucas exceções nesse coro (como foi o meu caso).

2. Há poucos dias, o mesmo Tribunal, seguindo explicitamente a sua jurisprudência anterior, declarou inconstitucional o corte (aliás geral e muito maior) determinado em 2014 nas subvenções de que beneficiavam os ex-titulares de cargos políticos à data da extinção legal dessa subvenção em 2006, e que foram então salvaguardadas justamente com o argumento de que os beneficiários tinham exercido funções e organizado a sua vida posterior contando com essa prestação, pelo que a sua eliminação iria lesar a sua justa expetativa.
Ora, os mesmos que antes tinham rejubilado com as primeiras decisões do TC condenaram agora veementemente a última.  De bestial o TC passou a besta, quando se limitou a ser coerente com a sua jurisprudência. Quem substituiu a coerência pela demagogia foram os que mudaram de opinião, onde se incluem lamentavelmente alguns conspícuos candidatos presidenciais.

Adenda
Para evitar equívocos, é óbvio que mantenho as reservas que antes expus à aplicação ilimitada do princípio da proteção da confiança quanto à intocabilidade de prestações públicas já em pagamento, Os princípios constitucionais não são o mesmo que as normas do Regulamento de Disciplina Militar e têm em geral de ser ponderados em conjunto com outros princípios constitucionais.