sexta-feira, 14 de julho de 2017

O estertor

1. Neste meu post de 2010, quando estava em curso o "namoro" económico e político entre Lisboa e Caracas, tive a oportunidade de me manifestar contra o «estabelecimento de uma relação política privilegiada com o actual regime venezuelano», acrescentando que, «como todos os populismos, mesmo quando "socialistas", o "bolivarismo" de Chávez não vai acabar bem, incluindo em termos económicos».
Sabemos o que ocorreu desde então, quanto ao descalabro económico, incluindo a desesperada falta de alimentos e medicamentos, ao caos social instalado, à corrupção generalizada e à crescente repressão política e social do regime, depois de definitivamente perdido o encanto popular inicial e de esgotados os efeitos das políticas sociais para as camadas mais destituídas da população venezuelana. A última e desesperada tentativa de Maduro de se manter no poder, convocando uma fictícia "assembleia constituinte", só para se desfazer do parlamento em funções, que lhe é hostil, constitui um óbvio estertor terminal do regime.

2. Com o inexorável desastre à vista, aproxima-se o fim do pretenso "socialismo do século XXI" que Chávez proclamou ainda na fase ascendente dos regimes da esquerda populista latino-americana, que o chavismo encabeçou. Durou bem menos e foi ainda menos bem-sucedido do que o socialismo do séc. XX, caído desamparadamanete junto com o muro de Berlim em 1989. Sem o total controlo da economia e do Estado que caracterizou o comunismo soviético (e cubano), o "socialismo do século XXI" do hemisfério sul rapidamente revelou a sua congénita incapacidade para gerir a economia e para manter o Estado de pé.
O que surpreende é que a "revolução bolivariana" tenha conseguido atrair a admiração e o apoio da nova e de alguma velha esquerda europeia, como o Syriza na Grécia e o Podemos na Espanha, incluindo entre nós o PCP e o BE. Como é evidente, o iminente colapso do "socialismo" venezuelano vai ser atribuído, como é habitual, ao "cerco imperialista", à "ingerência estrangeira"  e à "sabotagem interna". É escusado, nunca vão mudar...

Adenda
Um leitor objeta, indignado, que o Bloco sempre se demarcou do regime "bolivariano". Mas até há poucos anos há vários registos de apoio e elogio político explícito, como este aqui, de 2013, onde  o Partido da Esquerda Europeia, que integra o Bloco, lembrava que, «enquanto que na Europa a democracia está a falhar [sic], na Venezuela a democracia participativa tornou-se num sinal de identidade».

Adenda 2
Como sucede com todas as revoluções falhadas, que acabam no descalabro económico e na repressão social, também na Venezuela há uma "burguesia bolivariana" bem sucedida nos negócios à sombra do Estado.