Acho bem este desafio a que o Governo se pronuncie sobre a anunciada greve de juízes. Eu próprio já o fiz aqui várias vezes.
Todavia, as declarações do vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura não distinguem apropriadamente os vários planos em que se coloca juridicamente a questão da greve dos juízes. São as seguintes as questões que importa separar:
a) A Constituição reconhece o direito à greve de juízes?
A resposta é obviamente negativa, pois o direito à greve na CRP só está diretamente reconhecido aos trabalhadores propriamente ditos, incluindo os funcionários públicos, não aos titulares de cargos públicos, como são os juízes. A distinção entre uns e outros é clara na Constituição.
b) A Constituição admite que a lei estenda o direito às greve aos juízes?
A resposta não é unânime. A Constituição admite a extensão do âmbito dos direitos fundamentais por via de lei, restando saber porém se o direito à greve faz sentido fora de uma relação de trabalho subordinado e se é compatível com a titularidade de órgãos de soberania e com o princípio da continuidade da soberania. Por mim, tendo a responder que não.
c) Em qualquer caso, a lei reconhece aos juízes o direito à greve?
A resposta é obviamente negativa. Nenhuma lei existe nesse sentido. Tal como a Constituição, a lei da greve só cobre os trabalhadores subordinados, sem abranger outras funções públicas ou privadas.
d) O facto de não haver proibição legal explícita não indica que a greve não é ilícita?
Não, porque sem reconhecimento legal da greve o incumprimento das obrigações funcionais do cargo implica diretamente responsabilidade disciplinar. Só o direito à greve constitui imunidade.
e) O facto de no passado ter havido duas greves de juízes que não deram lugar a sanções não quer dizer que a greve de juízes é aceita?
Não, porque a impunidade não equivale a licitude. Não é por todos os dias haver milhares de baixas por falsa doença impunes que elas deixam de ser ilícitas.