1. É claro que os problemas da ADSE com os grandes prestadores de cuidados de saúde privados "convencionados" só podiam sobrar para o Governo, uma vez que o subsistema de saúde dos funcionários públicos integra a esfera pública, a par do SNS.
Ora, mesmo tendo cometido o "pecado orginal" de ter mantido a ADSE quando foi criado o SNS em 1978, nada obriga o Estado a mantê-la na esfera pública, sob responsabilidade governamental, sobretudo desde que o Estado deixou de a cofinanciar por via orçamental, como sucedeu até 2013 (uma das medidas virtuosas do programa de assistênca financeira externa).
2. A verdade é que no programa eleitoral do PS de 2015 constava o propósito de "mutualizar" a ADSE, ou seja, de transferir a sua responsabilidade para os próprios contribuintes/beneficiários. Por razões não explicitadas - mas a que não devem ser alheias as pressões sindicais e a vantagem de contabilizar nas contas públicas o saldo positivo da ADSE -, essa ideia caiu, tendo-se a ADSE mantido sob responsabilidade governamental, embora sob a forma de um "instituto público de gestão participada", com intervenção dos utentes.
Sendo responsável pela ADSE, o Governo paga agora naturalmente os custos políticos da "crise das convencionadas". Os erros políticos pagam-se!
3. A separação de poderes e responsabilidades entre o Governo e a ADSE seria vantajosa para ambos. O Governo deveria centrar-se na gestão do SNS, que serve todos os portugueses, e não na gestão do subsistema próprio dos seus funcionários, que aliás já é sustentado integralmente por estes. E quanto à ADSE, dificilmente uma gestão profissional, sob mandato dos seus diretos interessados, contribuintes e beneficiários, e sob supervisão de reguladores públicos atentos, poderia incorrer no "amadorismo" da ADSE na gestão das suas relações com as empresas convencionadas (desde logo na formatação das convenções), que gerou a atual crise.
A Constituição consagra três setores de atividade económica - público, privado e social. É altura de desgovernamentalizar e de "socializar" a ADSE, retirando-a da esfera do Estado e do Governo e confiando-a aos seus "donos".