segunda-feira, 1 de abril de 2019

Praça da República (15): "Endogamia política" e afins

1. Perante a enorme confusão de situações muito diversas no presente debate sobre a alegada "endogamia do PS" (com situações semelhantes ocorridas no passado em relação a outros partidos de Governo), penso que vale a pena separar os diferentes tipos de nomeações, de acordo com a seu diferente grau de censurabilidade ética e/ou política.
Julgo que se deviam distinguir as situações proibidas, as eticamente censuráveis e, por último, as que devem ser deixadas ao juízo político da opinião pública.

2. Assim, penso que deviam ser consideradas proibidas, por violação do princípio da imparcialidade das escolhas públicas, as nomeações de familiares mais próximos para gabinetes governativos ou para cargos externos, designadamente cônjuges ou equiparados, parentes até ao 3ª grau (tios e sobrinhos) e os afins até ao 2º grau (cunhados, ou seja, irmãos do cônjuge).
Deviam ser consideradas eticamente censuráveis - e por isso afastados, salvo autorização do Primeiro-Ministro mediante justificação bastante - as nomeações de outros parentes ou afins dos próprios membros do Governo, assim como de cônjuges, parentes até ao 3º grau ou afins até ao 2º grau de outros membros do Governo, ou de deputados.
Por decorrerem de atos discricionários de nomeação política, devem ser deixados ao livre julgamento político da opinião pública as relações familiares entre membros do Governo, entre deputados ou entre dirigentes partidários, ou entre uns e outros.
Note-se que em Portugal não é corrente a nomeação dos próprios familiares, pelo que a situação mais problemática é a segunda (nomeação de de familiares de outros membros do Governo).

3. Como é evidente, não é necessário legislar sobre estas diferentes situações, que podem e devem ser deixadas para autorregulação de cada Governo, até porque uns podem ser mais exigentes do que outros.
O que é importante é criar nesta matéria uma cultura política mais exigente do que a que até agora tem prevalecido, castigada, aliás, por uma opinião pública que, por falta de critério e por demagogia dos média, tende a condenar toda e qualquer ligação familiar na vida política, por mais irrelevante que seja, pondo em causa os direitos políticos dos cidadãos.

Adenda
No Brasil, o STF determinou, por interpretação da Constituição, a proibição do nepotismo, nomeadamente as nomeações do tipo das referidas no 1º e 2º parágrafo do nº 2 acima.

Adenda (2) (3 de abril)
O caso da demissão do adjunto de um Secretário de Estado que era seu primo revela a vantagem de haver um prévia orientação deontológica sobre o nepotismo nas nomeações governamentais. Primeiro, para definir antecipadamente o âmbito da incompatibilidade: e se fosse um primo em segundo grau (6º grau de parentesco) ou um primo da mulher do governante(4º grau de afinidade) ou um familiar do respetivo Ministro? Em segundo lugar, se houvesse essa orientação prévia, a sua violação implicaria naturalmente a responsabilidade do próprio membro do Governo em causa.

Adenda (3) (5 de abril)
António Costa tem razão em colocar estas questões sobre o âmbito das incompatibilidades familiares nas nomeações. Mas, não bastando o "bom senso", por demasido subjetivo, para lhes dar resposta, esta só pode vir por duas vias: (i) por via de lei, tornando-as ilícitas em geral e/ou (ii) por via de norma deontológica adotada por cada órgão político relevante, nomedamente os governos (nacional, regionais, locais). O problema é que entre nós não se pratica nenhuma dessas respostas, sendo que a segunda nem sequer depende de terceiros...